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“A base é a família e elaprecisa assumir seu papel na educação dos filhos”



“A base é a família e elaprecisa assumir seu papel na educação dos filhos”

A frase é de João Batista dos Reis, 67 anos, um dos cinco membros do Conselho Tutelar de Fernandópolis, eleito através do voto popular e que na segunda-feira, 10, completa o primeiro mês de um mandato de quatro anos.  Na experiência de quem vai para o quarto mandato como conselheiro, Reis entende que a desestruturação da família é a raiz dos problemas que chegam ao Conselho. “O adolescente só viola o direito dele, porque vem de uma situação desestruturada”, diz. E, exatamente pela sua experiência, foi escolhido pelos colegas para ser o presidente. “Aumenta a responsabilidade, mas todos os conselheiros têm capacidade para resolver qualquer questão”, afirma. Aliás, o grupo, formado por João Batista dos Reis, Vanessa Rodrigues de Moraes, João Batista dos Reis, Daiane Rilko Casale, Ana Paula Soler de Oliveira Carvalho e Agenor Manoel da Silva. passou por uma capacitação na semana passada. Nesta entrevista ao CIDADÃO, o presidente do Conselho aborda vários temas, desde a experiência da primeira eleição pelo voto popular, ao Estatuto da Criança e Adolescente. Veja: 
Uma das novidades do Conselho Tutelar foi a eleição no ano passado pelo voto popular, onde a população escolheu os cinco conselheiros. Como avalia esse novo modelo de escolha dos conselheiros?
Anteriormente eram as instituições que trabalhavam com crianças e adolescentes credenciadas junto ao CMDCA (Conselho Municipal de Defesa da Criança e do Adolescente) que tinham direito a voto e tinha casos em que os candidatos eram indicados por elas. Não diria que era uma eleição de cartas marcadas, porque é forte, pesado, mas era uma coisa mais conduzida. Agora, é a população que tem o poder de escolha, e ela tinha que ser ouvida. Essa lei é de 2012, é que Fernandópolis não teve hábil para se adequar à mudança. Mas tem muitas cidades da região que já foram para a terceira eleição aberta ao público. Aqui foi a primeira vez que trabalhamos com esse tipo de eleição. Para nossa surpresa, posso dizer, foi muito gratificante, não esperávamos essa quantidade de pessoas comparecendo para votar, mesmo porque não tem a obrigatoriedade como em eleições para prefeito, vereador, etc. Foi um trabalho árduo de todos os candidatos para buscar esse voto. A gente imaginava que o fato da eleição ser apenas em um local seria um fator complicador e isso também não ocorreu. Então, quando vimos mais de 3 mil pessoas comparecendo para votar, foi uma surpresa das mais agradáveis. 
Essa eleição possibilitou também uma grande renovação no Conselho, não?
Sem dúvida. Nas eleições anteriores, não se via uma mudança tão radical assim na composição do conselho. Trocava-se dois ou três, até pelo fato de que alguém não poderia continuar pelo prazo vencido do mandato. Essa mudança agora foi radical. Dos cinco conselheiros, mudaram quatro. A população pôde escolher os conselheiros num universo grande de candidatos. Começamos com 90 pessoas inscritas que passaram por várias etapas eliminatórias (prova e avaliação psicológica) onde a maioria acabou ficando de fora. Sobraram 24 candidatos que foram buscar os votos para serem eleitos. Eu reputo que foi uma campanha sadia, houve respeito entre os candidatos. Foi um grupo de candidatos de primeira linha.
Pela sua experiência, os próprios conselheiros decidiram que o senhor seria o presidente do Conselho. Aumenta a responsabilidade?
O cargo de conselheiro é igual para todo mundo. O rótulo de presidente é porque tem que ter esse cargo. Quem vota para presidente são os conselheiros. Pelo fato dos quatro que chegaram serem novatos, em consenso, decidiram que deveria ser o presidente. Tem um pouco mais de responsabilidade, porque tudo que vem numa situação diferenciada, vem no seu nome. Mas, todos os conselheiros estão capacitados para tomar decisões. Trabalhamos no regime de plantão e sempre tem um conselheiro que faz o atendimento interno, na sede do Conselho. Então, ele está apto para resolver todos os problemas que chegam ali. Pela minha experiência, decidiram que eu deveria ser o presidente, então, vamos desempenhar nossas funções com toda dedicação, respeito para as pessoas que precisam do Conselho Tutelar.
Todos os conselheiros passaram por capacitação durante uma semana. Como foi?
 Tudo que vem em forma de conhecimento é válido, principalmente informações sobre como deve funcionar o Conselho Tutelar, o conteúdo do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), as atribuições dos conselheiros tutelares, o trabalho em rede. Foram muitas informações de grande valia pra mim, que já estou dentro do Conselho neste período todo. Imagina para esse pessoal que está iniciando agora. Realmente é gratificante podermos receber essas capacitações. Só assim, poderemos colocar o Conselho Tutelar no seu verdadeiro lugar, naquilo que é o seu verdadeiro papel. O papel do Conselho Tutelar é zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Onde tiver uma ameaça, onde tiver uma violação de direito, o Conselho tem que estar. 
O que mais lhe preocupa como conselheiro tutelar?
Eu tive a felicidade de trabalhar com conselheiros fantásticos e aprendi com todos eles. Mas, agora estamos vivenciando uma nova etapa e tudo isso depende muito da rede. O que é a rede? São todas as pessoas, entidades, instituições, governamentais ou não, que estão envolvidas no acompanhamento das crianças e adolescentes. Uma coisa que reputo como fundamental nesse processo, é a família. A estrutura da família me preocupa muito, porque a família é a base de tudo. A educação tem que vir da família, orientação para a criança tem que vir da família para hora que chegar na adolescência já estar estruturada, menos vulnerável. Se a família não mostrar isso a ela, fica difícil. Nós percebemos hoje a família um pouquinho desestruturada, os pais não estão mais com autoridade. Então, repito, a base é a família. Ela precisa assumir seu papel na educação dos filhos.
Significa que quando o Conselho tem que intervir é porque quem deveria cumprir sua função falhou?
Exatamente isso, quando alguém falha no cumprimento de sua função, entra o conselho para zelar pelo direito da criança e do adolescente, quando ocorre uma ameaça ou um direito é violado. Existem três fatores dessa violação que a gente precisa descobrir. A violação está no governo? Está dentro da família? Ou o direito foi violado pelo próprio adolescente? O adolescente só viola o direito dele, porque vem de uma situação desestruturada. Essa estrutura passa pela educação, pelo respeito, pela moral. 
Todo esse tempo no Conselho ainda tem casos que surpreendem?
Tem, cada dia mais. Pensei já ter visto tudo, mas sempre tem algo para nos surpreender. A própria população não tem noção do que a gente vivencia no dia a dia e que nos leva a ter um controle emocional para enfrentar aquele momento. 
Em um mundo ideal, qual seria o papel do Conselho Tutelar?
Isso está muito longe da nossa realidade. O ECA é excepcional e temos que fazer funcionar o que está escrito ali, doa a quem doer. Já ouvi muito de que a lei foi feita para gente cumprir, não foi feita para a gente gostar dela ou não. Então, temos que cumprir o que ali está contido e cada setor tem que fazer sua parte. O ECA vai fazer 30 anos, é de 1990. Fernandópolis já tem o Conselho Tutelar desde 1992, portanto há 28 anos. Nem o Conselho Tutelar executa o que está dentro da lei. Com essas capacitações, muita coisa está mudando. O que vemos é que tem que funcionar a rede protetiva. 
Uma das coisas que mais se ouviu ao longo dos 30 anos de existência do ECA é que ele deu muito direito para criança e adolescente?
Se você buscar o ECA, fala também dos deveres e obrigações das crianças e adolescentes. Mais do adolescente. A gente ouve muito, isso é um direito meu. Tudo bem, mas para conseguir seu direito você tem cumprir seu dever. Um exemplo até insignificante: Alguém recebe sem trabalhar? Primeiro tem que cumprir com seu dever, para depois receber. Quem falou que adolescente não tem deveres e obrigações? Dentro de casa ele tem muitos deveres com os pais. Ele tem, por exemplo, dever de ir à escola, se comportar, não bagunçar. Tem que pensar no direito dos outros alunos que ali estão. Então isso de direito foi muito forte, mas tem também o dever e a obrigação como cidadãos. Quem falou que o adolescente não recebe punição? Ele recebe se cometer ato infracional. Dentro da legislação, o adolescente não comete crime, nem contravenção. Ele comete ato infracional, que é análogo a essas duas situações. E por isso é penalizado de uma forma diferente. Mas, é penalizado e vai preso sim. 
E quando se defende a redução da maioridade penal?
É uma situação que cada um tem sua opinião. Há quanto tempo se discute isso no Congresso e não se chega a uma decisão? Na minha opinião isso não resolve nada. Você reduz a maioridade penal, isso vai influir na estrutura que levou esse adolescente a se envolver em ato infracional? Aquele que alicia o menor para o tráfico vai mudar? Não, ele vai começar a aliciar outros menores, de 15, 14. É constrangedor, mas temos casos de criança dominando situações que você olha e diz, isso não é possível. Acho que temos que resgatar a essência da família. Temos que resgatar a família como instituição fortalecida. Isso tem que voltar a florescer.