Esporte

A capoeira de Fernandópolis pede respeito



A capoeira de Fernandópolis pede respeito

Que a capoeira é um grande esporte, isso ninguém pode duvidar. De raízes negras, criada em terras brasileiras, durante a desumana era da escravidão, ela foi criada. Quando os negros tinham suas poucas horas de folga, cedida pelos capatazes, eles se agrupavam e o ritual começava. Danças litúrgicas, ao som de instrumentos de percussão, a um ritmo que inspirava a gesticulação, os negros exageravam positivamente nos saltos, e se exercitavam com a ginga. Neles, tudo dotava de uma extraordinária mobilidade, excepcional destreza, e  incrível velocidade nos movimentos.

Pois bem, se a capoeira é uma arte marcial digna de respeito e admiração - sendo a única de origem brasileira – por que ela anda tão desvalorizada em sua própria terra? Fará valer novamente a história de que o brasileiro só admira o que vem de fora? O fato é que a capoeira de Fernandópolis precisa de apoio e ajuda para continuar o trabalho.

Há 31 anos, duas pessoas com graduação máxima na capoeira, Mestre Saturnino e Mestre Cardoso, iniciaram em Fernandópolis o grupo “Navalha d’ Ouro”. Devido a problemas de saúde, os dois pararam de dar aulas, e foi assim que coube ao aluno (discípulo, na linguagem da capoeira) mais graduado, o Contramestre Jamaika, dar continuidade ao “Navalha”.

“Estou  no ‘Navalha’ desde que  começou, há 31 anos. Antes disso, eu era um aluno de escola que só pensava em brigar. Quando comecei a entender a doutrina da capoeira, eu percebi que  tinha algo tão grande nas mãos que naturalmente parei de brigar”, contou.

O “Navalha d’ Ouro” tem uma academia  - as aulas acontecem  de segunda, quarta e sexta- feira - em frente à escola Cáfaro, acoplada ao estádio, que também serve de moradia para o contramestre: “Moro aqui faz uns dois anos. Se a gente deixar a academia parada, e só abrir para dar aula, os vândalos invadem, picham, quebram. Desde que comecei a morar aqui, isso parou”.

Jamaika conta que atualmente está difícil manter a capoeira: “Se eu fosse viver só dela, eu passava fome, e não tenho vergonha de falar isso, pois é a realidade. Eu tenho meu emprego, trabalho com calhas e rufos, e isso me mantém. Inclusive é do dinheiro do meu trabalho que eu arrumo algumas coisas dentro da própria academia”. O local apresenta vários problemas para os imóveis acoplados, o encanamento antigo e degradado é um deles. No final de 2013, a bomba de sucção de água quebrou, e Jamaika teve que comprar uma mangueira e uma caixa d’água do próprio bolso, para puxar água de uma torneira que fica em frente ao estádio, há 150 metros da academia, consequentemente de sua casa.

Mas esse não é o principal empecilho. A estrutura do telhado da academia é o principal problema. “Quando chove, não tem aula. A academia fica completamente alagada. As madeiras que sustentam as telhas estão extremamente envergadas por causa da infiltração, o que deixa o telhado com várias ‘barrigas’, fazendo a água ficar parada, e ir se infiltrando pelas paredes. Se alguém cedesse os materiais, eu mesmo consertaria isso, faria toda a mão de obra. Não é necessário pagar pedreiros, soldadores. Sei fazer tudo isso, só preciso do material”, explicou Jamaika. E como se não bastasse, o banheiro das mulheres também acumula marcas das décadas sem reforma. “É vergonhoso quando vem uma aluna, ou mãe de algum aluno, e elas não tem um banheiro”, conta o contramestre.

Atualmente o “Navalha” - que já contou com centenas de alunos e alunas - tem agora apenas oito alunos. Para a sorte de Jamaika, um de seus alunos ministra um projeto social do Ipanema, onde mais de 50 crianças fazem aula de capoeira gratuitamente. “Eu não ligo se alguém não puder pagar a mensalidade. É apenas uma taxinha que eu cobro pra me ajudar com a conta de água, e para comprar algumas coisas para própria academia. Ao preço de R$30 por mês, é o esporte mais barato de Fernandópolis. Talvez por isso as pessoas pensem que isso aqui não tem valor”, explica Jamaika.

Uma das soluções para a capoeira de Fernandópolis voltar a ser como era antes é criar uma associação, e contar com uma subvenção em dinheiro da prefeitura, como é feito com outras artes marciais. “Eu queria que essa matéria do CIDADÃO ajudasse nisso. Quero que algum empresário interessado em nos patrocinar me procure, que a classe política veja a nossa necessidade e nos ajude, pois eu ajudo muito eles também. A capoeira ensinou a disciplina para muitos jovens, que poderiam fazer o mal pelas ruas de Fernandópolis”, desabafou  o contramestre.

Muitos projetos já foram iniciados em parceira com a secretaria de cultura de Fernandópolis, mas nenhum foi concluído. O projeto da gravação de um CD com as músicas do “Navalha” foi trilhado, mas não saiu do papel. Tudo isso se esbarra quando não há uma associação com um CNPJ para os projetos serem judicialmente registrados para receberem verba. É necessário que alguém incentive a criação da associação.

E mesmo diante de tudo isso, aonde quer que vá, o “Navalha d’ Ouro” é sempre respeitado pela sua história, pelos mestres que teve, e pelos quase 100 troféus conquistados ao longo dos anos. Fora de Fernandópolis, Mestre Saturnino, Mestre Cardoso e Contramestre Jamaika são extremamente respeitados e admirados. Dentro dela, nem tanto. Pelo menos não como deveria.