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A embaixadora da Turma do Bem



A embaixadora da Turma do Bem
A Turma do Bem (TdB), maior rede de voluntariado especializado do mundo, selecionou os 28 dentistas mais engajados do projeto que serão homenageados com o título de “Embaixadores da Turma do Bem” pelos trabalhos realizados em 2019.  Dentre eles, está a dentista Valéria Cristina Lopes de Barros Rolim, que coordena a Turma do Bem em Fernandópolis. Os selecionados concorrerão ao título de “Melhor Dentista do Mundo”, prêmio que será entregue na cerimônia anual da instituição, chamado Sorriso do Bem, que neste ano fará parte de um evento maior, a Virada da Virada, que acontece na Bienal de São Paulo entre 22 e 25 de novembro. Não é a primeira vez que Fernandópolis recebe esse prêmio. Mas, Valéria Rolim, faz questão de compartilhar o prêmio com os 33 dentistas da Turma do Bem na cidade. “Esse resultado é graças ao trabalho de todos os dentistas voluntários. É um resultado de equipe que trabalhou, se dedicou muito”, enfatizou nesta entrevista. Valéria Rolim foi a primeira dentista a ingressar na Turma do Bem e por isso é a coordenadora em Fernandópolis desde 2008. O projeto já atendeu cerca de 100 crianças e adolescentes selecionados por grau de necessidade, determinado por uma triagem realizada em escolas da rede pública ou instituições sociais. Os que têm problemas bucais graves, os mais carentes e os próximos do primeiro emprego têm prioridade no atendimento.  “Um sorriso pode transformar uma vida”, diz a dentista nesta entrevista sobre o trabalho da Turma do Bem em Fernandópolis: 
 
 
Mais uma vez a senhora, que coordena a Turma do Bem em Fernandópolis, foi escolhida como embaixadora. Como recebeu a notícia?
Com muita alegria, porque são premiados, os melhores trabalhos dentre todos que participam da Turma do Bem. Fernandópolis já foi reconhecida em outros anos pelo trabalho que faz. Este ano novamente estamos entre os 28 selecionados, graças ao trabalho de todos os dentistas voluntários da Turma do Bem em Fernandópolis. É um resultado de equipe, que trabalhou e se dedicou muito. 
O que é levado em conta para um trabalho ser selecionado?
É levado em conta a cidade que, proporcionalmente, atende mais, tem mais dentistas engajados e o trabalho da coordenadora que faz a triagem e divulga o projeto. Nós procuramos também envolver os alunos da Faculdade de Odontologia, onde sou professora. Temos até um concurso chamado “Estudante do Bem” em que os alunos produzem trabalhos. Este ano foi a produção de foto e vídeo que tratam do tema “Sorrisos excluídos” buscando despertar no aluno essa conscientização sobre o problema social que existe e a falta de acesso ao tratamento odontológico. Esse conjunto de ações que cada cidade executou é apresentado em relatório pelo coordenador e encaminhado para São Paulo, que avalia todas as ações e escolhe aqueles que serão premiados, justamente para dar mais visibilidade para a causa.
E esse trabalho concorre ao título de “Melhor Dentista do Mundo”?
Essa é uma premiação realizada todos os anos pela Turma do Bem. Para selecionar o “Melhor Dentista do Mundo”, são analisadas quantidade de atendimentos, a ampliação do número de beneficiários, a construção de políticas públicas junto às prefeituras, a divulgação da causa na imprensa e a captação de recursos e voluntários para o programa.
A senhora foi a primeira dentista a ingressar na Turma do Bem em Fernandópolis, por isso assumiu a coordenação do projeto que hoje envolve 33 outros profissionais. Quando começou esse trabalho aqui?
Em 2008. Eu acredito que todos os dentistas, ou muitos deles, devem fazer um trabalho voluntário, atendendo alguém que não pode pagar. Isso é muito comum. Mas, o que acho legal é que a Turma do Bem é um programa muito organizado. É o maior projeto de voluntários do mundo. E a minha maior motivação para ingressar na TdB é que estudei em escola pública e sempre achei que era preciso devolver para a sociedade pelo menos uma parte do que recebi, e o que sei fazer de melhor é o que tenho como ofício, é através da odontologia. Eu já recebi muito e preciso doar um pouco para o próximo. Na verdade a gente entra com esse propósito, pensando em doar, mas todos que dispõem a doar recebem muito mais. Essa é uma conta que, no fundo, a gente ganha muito mais do que doa. 
Cerca de 100 crianças já foram atendidas pela Turma do Bem em Fernandópolis. Como eles chegam até esse projeto?
É feita uma triagem por quem coordena o projeto na cidade. Eu examino crianças, com a autorização dos pais em escolas e entidades. É preenchido um questionário sócio econômico da criança ou adolescente e feito o exame bucal. As crianças com a situação sócio econômica de maior vulnerabilidade, com os maiores problemas bucais e mais próximo do primeiro emprego têm prioridade. É feita uma seleção pela ONG Turma do Bem em São Paulo que, posteriormente, manda a lista de selecionados e os casos são distribuídos entre os dentistas voluntários da cidade que vão assumir o tratamento dessa criança até que ela complete 18 anos. Não se trata de um único procedimento, mas de um acompanhamento. 
A criança chega à Turma do Bem a partir de que idade?
Dos 11 aos 17 anos. Essa é a faixa etária que participa do projeto. A criança, ou adolescente, pode chegar com 11, com 15, mas é acompanhada pelo dentista até os 18 anos. 
A senhora disse que o jovem próximo do primeiro emprego tem prioridade. Por que?
Caso tenha os dentes muito tortos, ou ausência de algum dente, isso interfere diretamente não só na qualidade de vida, mas também nas relações sociais no ingresso no mercado de trabalho. Esse jovem precisa sorrir sem medo. Então, é muito importante que tenha o sorriso cuidado, restabelecido. 
Nesses 11 anos como voluntária na Turma do Bem, muitas histórias chegaram aos consultórios. O que a tocou mais?
São várias histórias. Sem se ater a casos específicos, toca muito é ver uma criança que tem a falta de um dente ou tem os dentes tortos, como ela muda o comportamento após o tratamento. Tem criança que chega tímida, não sorri e, depois, muda até o rendimento escolar. Isso é gratificante para nós dentistas. 
Como a senhora avalia a situação da saúde bucal em Fernandópolis?
No País, como um todo, temos muitos problemas, as pessoas não têm acesso ao tratamento odontológico. Quanto mais especializado a necessidade que a pessoa tem, maior o custo e nem todos têm acesso. Atendimentos mais simples, como restaurações, tem a rede pública. Mas, se tem um implante, um aparelho ortodôntico, o SUS não cobre. Aqui em Fernandópolis, de forma geral, o serviço público funciona, existe o atendimento na Faculdade. Mesmo assim, ainda aparecem casos de adolescentes com dente da frente quebrado, problema ortodôntico muito grave. É aí que entra o trabalho da Turma do Bem. Fernandópolis é um município que tem um IDH alto e a população é assistida, mas mesmo assim notamos algumas necessidades. Agora, tem lugares onde a carência é muito maior. Esse trabalho da Turma do Bem é uma gota no oceano, mas faz a diferença para muitos jovens.
Esse projeto da Turma do Bem nasceu quase que por acaso...
Sim, o Fábio Bibancos (fundador) lançou um livro e foi convidado para fazer palestras. É um dentista muito bem sucedido, com consultórios em São Paulo e Rio Janeiro, atendendo muitos famosos. A partir do livro ele conheceu muitas realidades e começou a atender casos que chegavam a ele em seu consultório. Foram aparecendo mais casos e alguns amigos começaram a ajudar e foi assim que começou a se formar essa rede de dentistas voluntários. Hoje somos mais de 17 mil profissionais, a maior rede especializada no mundo. O projeto começou em São Paulo mas existe hoje 12 países da América Latina e também Portugal.
Em evento da Universidade, Bibancos cobrou os estudantes sobre a importância de maior comprometimento com o social. A senhora, que é também professora, sente que falta esse comprometimento nos novos dentistas que estão saindo da universidade?
Sim. A gente procura sempre sensibilizar para isso. O ideal é que não formemos dentistas elitistas, porque isso não é a realidade do nosso país.  Esse é também o papel da universidade despertar no estudante a consciência e o valor social da atuação como profissional, esteja ele no serviço público ou em um consultório particular, de se preocupar também com o outro. Hoje somos o país que mais forma dentistas no mundo, mas ainda somos um país de desdentados. Já melhorou, mas a odontologia precisa caminhar muito para ser acessível a todos. O ideal é que, no futuro, a Turma do Bem não precise existir se a necessidade for suprida.
O medo sempre acompanhou a odontologia. Isso ainda pesa?
Mudou muito. As crianças hoje vêm para o consultório bem mais tranquilas. A experiência das crianças hoje é muito diferente dos seus pais, dos seus avós. Avançamos muito. Mas, ainda existe essa cultura do medo do dentista.
Qual o cenário que a senhora vislumbra da Odontologia?
Nós dependemos muito de políticas públicas para permitir que maior número de pessoas tenham acesso ao serviço. A saúde bucal impacta na qualidade de vida das pessoas, nem pelo sorriso lindo, mas pela eficiência da mastigatória. Tem o jargão de que a saúde começa pela boca. Isso é muito sério e o melhor que se tem a fazer é a prevenção, mas existe uma demanda de tratamento curativo que está aí e que é difícil de equacionar.