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À espera de oportunidades



À espera de oportunidades

A Justiça do Trabalho vem atuando nos últimos anos para mudar o cenário do programa do Menor Aprendiz. A lei obriga empresas a cumprir cotas de contratação, mas ela é ainda ignorada pelos empresários. O Juiz do Trabalho de Fernandópolis, Dr. Marcel de Ávila Soares Marques, em entrevista ao CIDADÃO, diz que está empenhado no trabalho de conscientização dos empresários para o cumprimento da lei. O cenário ideal seria as empresas cumprirem espontaneamente o que estabelece a lei. Mas, não é bem assim. Números levantados pelas entidades parceiras do Juizado do Trabalho, a ACREDITE (antigo Centro Social de Menores) e CAEFA (antiga Guarda Mirim Masculina) apontam que temos em Fernandópolis uma fila de espera de mais de 100 menores aguardando oportunidade de ingressar no mercado de trabalho pela Lei do Menor Aprendiz. As vagas, conforme as cotas estabelecidas pela legislação, estão sobrando. O potencial de vagas a serem preenchidas gira em torno de 200. O juiz admite falha de fiscalização e lamenta: “Me entristece perceber que as empresas só cumprem essa determinação legal se forem coagidas, com aplicação de multa, por exemplo”. A entrevista é mais um alerta da Justiça do Trabalho aos empresários de Fernandópolis. Veja:

A Lei da Aprendizagem é de 2000 e o decreto Federal que determina que as empresas de médio a grande porte devem possuir uma porcentagem equivalente a 5% e 15% de jovens aprendizes em trabalho é de 2005. Por que até agora existe dificuldade de aplicação dessa legislação?
Acredito que o primeiro fator de dificuldade de aplicação da Lei da Aprendizagem seja a falta de divulgação sobre a obrigatoriedade de tais contratações, ainda que tenhamos realizado, no ano de 2016, uma audiência pública convocando as empresas, penso que precisamos divulgar com mais intensidade essa determinação legal. Outro fator é a falta de conhecimento dos termos da lei, destaco que a contratação de um aprendiz, para ter a cota cumprida, tem que ser efetivada através das entidades parceiras. Aqui em Fernandópolis estamos falando do CAEFA e do ACREDITE. Por fim, infelizmente, acredito que outro fator que dificulta o cumprimento de tal lei seja a ausência de fiscalização, a última fiscalização ocorrida faz mais de 3 anos. Me entristece perceber que as empresas só cumprem essa determinação legal se forem coagidas, com aplicação de multa, por exemplo.
Em 2016, o Ministério Público do Trabalho em parceria com o Juizado Especial da Infância e Adolescência realizou uma audiência pública para alertar os empresários sobre a necessidade de cumprimento dessa lei. Qual a maior dificuldade das empresas em relação ao programa do Menor Aprendiz?
Penso que as empresas tem dificuldade na busca por informações sobre como proceder para cumprimento de tal lei. No exercício do Juizado Especial da Infância e Adolescência da Justiça do Trabalho tenho mantido a prática de realizar reuniões bimestrais com as entidades parceiras (CAEFA e ACREDITE) e estamos tentando construir formas de inserção na sociedade para esclarecimentos sobre essa contratação. No final de 2017 realizamos um evento em que reunimos as empresas que cumprem com tais cotas para que expusessem os aspectos positivos da contratação de aprendizes. 
Essa adesão ao programa não é uma questão de opção, mas de obrigação das empresas? Quais empresas estão obrigadas a cumprir essa cota do Menor Aprendiz?
As leis que regulamentam a contratação dos aprendizes são Lei 10.097/2000 e o decreto 5.598/2005 e tais leis determinam que “Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional”. As Empresas de Pequeno Porte, as Microempresas, inclusive as que são optantes pelo SIMPLES tem a faculdade da contratação de aprendizes. Sendo assim, a resposta é positiva, estamos falando de uma obrigação e, salvo as listadas acima, todas as empresas devem contratar aprendizes, obrigatoriamente.
Há dois anos o então juiz do Trabalho, Dr. Alessandro Tristão, definia o cenário em Fernandópolis como desolador, mas desafiador. Como o senhor define esse cenário hoje?
Penso que evoluímos daquele cenário de dois anos atrás. As atividades realizadas pelo JEIA estão fortalecendo e incentivando o cumprimento da lei de aprendizagem. Ainda temos muitos desafios pela frente, mas sabemos que essa é a nossa função. O Poder Judiciário, junto com o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho estão atuando nessa missão. Temos como objetivo não apenas a fiscalização e atuação de forma a exigir o cumprimento da lei, mas também em expor e conscientizar as empresas do fator social envolvido. Os jovens são o futuro do nosso País, precisamos investir e qualificá-los. Temos dados que confirmam que o jovem que passa pelos programas de aprendizagem tem a sua vida transformada positivamente e é isso que desejamos para a nossa cidade.
Quais os requisitos para contratação do menor aprendiz?
Muito importante essa pergunta. As empresas precisam entender que para cumprir com a Lei da Aprendizagem tem que contratar e matricular os aprendizes. Na nossa cidade temos a facilidade de contar com o apoio das entidades parceiras (CAEFA e ACREDITE). Não basta apenas contratar um jovem, além de contratá-lo, é necessário que este jovem esteja matriculado em cursos de aprendizagem. A contratação do aprendiz deve ser formalizada através de contrato de emprego escrito, com a devida anotação em CTPS e no livro de registro/ ficha ou sistema eletrônico de registro de empregado. No campo função deve ser colocada a palavra “aprendiz”, seguida da função constante no programa de aprendizagem com correspondência na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Em anotações gerais, deve ser especificada a natureza especial do contrato, informando que o mesmo se trata de contrato de aprendizagem e indicando a data de início e término do contrato de aprendizagem (art. 29 da CLT). 
Existe algum levantamento sobre o número de menores que poderiam ser atendidos pelo programa e o de vagas disponibilizadas e que não preenchidas?
As entidades parceiras nos informam que temos mais de cem jovens aguardando a oportunidade de entrar no mercado de trabalho como aprendizes e os nossos cadastros apontam que temos mais de 200 vagas não preenchidas em nossa cidade. Repiso, temos muitas empresas que tem a obrigação de contratar aprendizes e não contam com tal jovem nos seus quadros de empregados.
Muitos empresários relatam a falta de comprometimento dos menores. Neste caso, o que pode ser feito, como a empresa deve agir?
Esse é um dos problemas recorrentes, não podemos esquecer que estamos lidando com jovens, adolescentes em fase de desenvolvimento, que estão começando a assumir responsabilidades e precisam entender que seus atos geram consequências. Todos fomos jovens e sabemos como pensam, precisamos saber lidar com as situações e devemos exigir o comprometimento, dedicação e deixar claro que é uma excelente oportunidade. Por fim, as empresas tem que manter contato direto com as entidades parceiras e relatar tais situações, podendo, em último caso, efetuar a substituição desse aprendiz, por isso da importância da contratação através do CAEFA e ACREDITE.
As entidades que trabalham com o Menor Aprendiz, casos do CAEFA e ACREDITE tem relatado dificuldades?
Temos feito reuniões bimestrais com as entidades e, sim, eles tem nos relatados dificuldades na manutenção de suas estruturas e dificuldades financeiras. Precisamos entender que sem as entidades parceiras ficará ainda mais difícil, por parte das empresas, o cumprimento da lei que obriga a contratação de aprendizes. Por isso, temos tentado organizar atividades que esclareçam para a sociedade e incentivem a contratação dos nossos jovens. Cada jovem contratado facilita a manutenção das atividades dessas entidades. Também temos mantido contato com atores sociais importantes da nossa cidade, como por exemplo, o Clube Rotary, a Associação dos Amigos de Fernandópolis, as paróquias, templos, etc, para intensificar a divulgação dessa forma de contratação. Já me coloquei a disposição para ir pessoalmente nessas reuniões conversar com nossos empresários e cidadãos de Fernandópolis.

Haverá fiscalização e quais as penas que podem ser aplicadas às empresas que não cumprem a lei?
Sim, estive em contato com o Ministério do Trabalho e fui informado que ainda esse ano, provavelmente no início do segundo semestre teremos uma atuação intensa de seus fiscais na análise do cumprimento da lei de aprendizagem. Assim como temos que obedecer as leis de trânsito e não podemos trafegar em alta velocidade sob pena de multa, as empresas que não cumprem a lei de aprendizagem também serão penalizadas.
Caso seja constatado que a empresa não está cumprindo com o determinado em lei será:
- lavrado auto de infração e consequente imposição de multa administrativa, no âmbito do MTE (art. 434 da CLT),
- encaminhamento de relatórios ao Ministério Público do Trabalho (MPT) para as providências legais cabíveis,
- formalização de termo de ajuste de conduta, instauração de inquérito administrativo e/ou ajuizamento de ação civil pública,
- encaminhamento de relatórios ao Ministério Público Estadual/Promotoria da Infância e da Juventude para as providências legais cabíveis.
O nosso objetivo não é a imposição de multas, instauração de inquéritos e ajuizamento de ações, pelo contrário, nosso objetivo é trabalhar no convencimento de que as empresas cumpram a lei por livre e espontânea vontade. Queremos conscientizar os empresários da importância dessa lei.
Qual o recado que o sr. deixa para os empresários de Fernandópolis?
Como relatei acima, quero deixar claro que o Poder Judiciário Trabalhista, no exercício do Juizado Especial da Infância e Adolescência é um parceiro da nossa cidade e da nossa sociedade. Queremos um futuro melhor para todos nós e sabemos bem que esse futuro precisará de profissionais cada vez mais dedicados e qualificados. Acreditamos que os programas de aprendizagem estimulam muito esse desenvolvimento. Sendo assim, não queremos que os empresários cumpram a lei porque são obrigados, ou porque podem ser multados ou processados e sim, porque acreditam que estarão cumprindo com a sua parte em nossa sociedade, que estarão investindo nos nossos jovens e adolescentes e que isso terá reflexo direto no crescimento e no bem estar da nossa cidade. Mas encerro deixando claro que caso não cumpram a lei por livre e espontânea vontade sofrerão as consequências previstas. A Justiça do Trabalho está sempre de portas abertas para toda a sociedade, procurem as entidades parceiras e vamos divulgar essa ideia. Muito obrigado.