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A história de Fernandópolis pelos anônimos



A história de Fernandópolis pelos anônimos

Geralmente os livros que retratam a história de uma cidade partem dos nomes dos fundadores, do grupo de pessoas que assume a liderança, notadamente as lideranças políticas. Mas, essa é apenas uma parte da história. A outra parte, geralmente morre com aqueles que foram testemunhas oculares. Ou seja, são os desbravadores anônimos. Uma parte dessa história de Fernandópolis contada pelos anônimos, virou livro, cujo lançamento está marcado para sexta-feira, 17, no Centro Cultural Merciol Viscardi, às 20 horas. O autor é o fernandopolense, hoje radicado em São Paulo, Oswaldo Sartori, 68 anos. O livro “Sertão de Rio Preto” é o resultado de 10 anos de pesquisas, que levou o autor até a Itália para levantar dados da família. “Eu retrato a memória de famílias, gente humilde do campo, em convivência também com outras gentes humildes do povo e o modo como eles viam a sociedade se constituindo”, disse o autor do livro nesta entrevista ao CIDADÃO: 


Conte sobre o período que viveu em Fernandópolis e depois em São Paulo? 
Nasci em 1951 na zona rural, proximidades da Brasilândia e vivi a infância e adolescência na roça. Tínhamos plantação de café. Apenas 3 anos morei e trabalhei na cidade de Fernandópolis. Sempre estudei em cursos noturnos, conclui o curso normal em 1970 e depois estudei na Faculdade de Jales e em 1973 vim para São Paulo. Aqui cursei Química, lecionei alguns anos e depois deixei para seguir na área financeira, onde passei a vida toda dedicado a essa área. Em 2008, aos 57 anos, com os filhos criados e a vida resolvida, pude entrar na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e cursar Filosofia no período diurno, curso que conclui em 2013. Tenho os pais e a maioria da família em Fernandópolis, de modo que visito a cidade com frequência.
Como nasceu a ideia de escrever o livro “Sertão de Rio Preto”? 
Na roça, o nosso mundo se circunscrevia ao horizonte que os olhos viam e se ampliava um pouco na escola, na Brasilândia. As pessoas nos sítios trabalhavam solitárias e tinham necessidade de se juntar e conversar na boca da noite, em frente as casas. Eu sempre fui muito atento às histórias que contavam: a chegada no sertão, as gentes que encontraram aqui, a sociedade rural se organizando, os lugares que cada um tinha morado antes de vir para o sertão, o navio, o mar, uma Itália que sumia no imaginário. Era eu apenas mais um dos caipiras da roça, mas à medida que pude continuar na escola depois dos quatro anos primários, fui tendo percepção de que aquela memória tinha seu valor e merecia ser contada, só não sabia como e com o tempo fui achando a estrutura que dei ao livro, mantendo a memória de família, portanto, memória que vem da região do Vêneto na Itália, caminha desde as proximidades de São Paulo em sentido interior seguindo a queda das matas e introdução do café, até chegar ao Sertão de Rio Preto. Logicamente, o movimento de nossa gente simples dos campos italianos e aqui nos campos paulistas esteve submetida ao contexto sócio, político e econômico do País e eu tive que interagir com esse eixo da história oficial. 
O livro é fruto de um trabalho de pesquisa de 10 anos. Como foi juntar as histórias e fatos nesse tempo?
O meu pai, Armando Sartori (1928) sempre foi a história ambulante. Bastava encontrar alguém e lá vinham suas histórias. O sítio do avô Angelim Sartori era na chegada à Brasilândia pela estrada dos Barozzi, logo, viu toda a passagem dos pioneiros. Nestes 10 anos tive tempo de colocar o projeto em andamento, ia a Fernandópolis e pedia para ele recontar as histórias, ia gravando e depois transcrevia a gravação. Quando voltava, encadeava os assuntos na cronologia e saia com ele para os cenários contados, o local das casas, o córrego, os vizinhos, andei por todas a cercanias da Brasilândia, ai pelo São Pedro, a estrada velha dos Barozzi desde Vila Monteiro, Itajobi, Novo Horizonte, etc.
De outra parte, a irmã mais velha de minha mãe, Rosa Mininel Loverde (1928-2016) tinha uma memória fantástica. Em 1934 quando chegaram aqui no sertão ela tinha 6 anos e lembrava de todos os detalhes da preparação para a partida, da ação do líder espiritual Bernardino no Centro Espírita que havia entre Eliziário e Itajobi e como influenciou aquelas 150 pessoas que vieram na primeira leva dos Barozzi. Da mesma forma, gravei, filmei e fui concatenando a história.   
Quem são os personagens do livro?
Por ser um livro de história social, os personagens são toda a comunidade nascente dentro de uma floresta até então estéril do ponto de vista da ocupação humana. Para fazer justiça a uma pessoa pouco referida, posso dizer que o cordão umbilical daquele embrião de sociedade na floresta foi o Luiz Armando Barozzi (filho de Carlos Barozzi).
A pesquisa para o livro o levou o senhor à Itália. O que encontrou por lá?
Descrevo detalhadamente como encontrei a família de meu avô Emilio Mininel na Itália e lá contei com a ajuda do historiador Vittorio Spanghero que pesquisando na Igreja San Rocco de Turriaco e na Igreja de Pieris, região Friuli-vêneta, encontrou os registros da família a partir de 1647. Lá pude entender um pouco da extensão da fome que imperou na segunda metade do século XIX e que motivou a emigração de tantos italianos, por isso começo o livro no Vêneto.
O senhor coloca que o livro resgata a memória sertaneja de baixo prá cima. Como assim?
Os livros de história retratam, via de regra, a história urbana, cujo eixo da descrição são suas lideranças, notadamente as lideranças políticas. Eu retrato a memória de família, gente humilde do campo, em convivência também com outras gentes humildes do povo e o modo como eles viam a sociedade se constituindo.
Ao dar voz aos caipiras, o senhor tira personagens da história do anonimato?
Creio que sim. Fernandópolis já é uma cidade com sua história muito bem escrita, mas houveram pessoas da pré-história da cidade que conviveram com nossa gente que trago para o livro.
Junto com a chegada dos italianos, tem também a vinda dos mineiros.  O livro trata também dessa questão? 
Sim. A nossa gente, a primeira leva, chegou em 1934 e encontrou aqui os patriarcas mineiros que chegaram em 1919/20 vindos pela antiga boiadeira. Na visão dos imigrantes, da nossa gente, eram eles os brasileiros. Encontraram também, em clareiras na mata, famílias de afrodescendentes também mineiros e pelas falas desses antigos, percebia-se uma história de animosidades entre estes dois segmentos sociais mineiros, o que denotava que aquilo eram “ecos de Minas”, da escravidão que existiu no triângulo mineiro, tão perto de nós. Estes fatos, estas memorias que chegaram a mim, se deram num universo pequeno de pessoas aqui, mas somadas aos fatos que envolveram o líder espiritual Bernardino, também um afrodescendente que descrevo longamente no livro, me levaram a vasculhar a produção acadêmica sobre as relações senhor e escravo na diáspora mineira notadamente na região do Sertão do Rio Pardo onde está Franca e no Sertão da Farinha Podre, onde está Uberaba, mas parece que sobre isso ainda há muito o que fazer por historiadores, sociólogos e antropólogos.   
Fernandópolis está completando 80 anos. Qual foi a contribuição dos anônimos na construção da história da cidade? 

Bem, Fernandópolis, sobretudo, a grande quantidade de pequenas propriedades no entorno da Brasilândia, partir de 1943, cobriu-se de café, com 30 a 60 habitantes por Km2, anônimos no campo, que eram a maioria da população do município. Penso que isto já diz tudo.
Qual o seu sentimento neste momento em que o livro está pronto para o lançamento?
Bem, eu administrei muita gente, muitos negócios e muito dinheiro, passei muitos apuros na vida profissional, mas nada se compara a se meter a fazer um livro. É meio angustiante, os sentimentos das pessoas são muito amplos, a gente viu e sentiu com eles e as palavras são tão pequenas para poder dignificá-los. Há também aquela preocupação por não ter conseguido falar com todas as famílias dos citados, de ser injusto. Brasilândia, a vila que estivemos ligados, que vimos ascender e cair no embate político, recebeu nossa consideração histórica e esperamos ser compreendidos. Esperava concluir o livro para os 80 anos da Brasilândia, mas não foi possível. O sentimento é de alivio e felicidade, resgatar a memória que me foi possível e deixar para a posteridade.
 O livro tem lançamento marcado para o dia 17 de maio, às 20 horas, no Centro Cultural Merciol Viscardi.  Como as pessoas poderão ter acesso ao livro?
Bem, os livros eu doei para o Fundo de Cultura de Fernandópolis que os venderá a R$ 20,00 no local e o valor auferido deverá será destinado ao museu da cidade.


Livro –  “Sertão de Rio Preto” 
Autor – Oswaldo Sartori
Editora – Fontenele Publicações 
Lançamento – Sexta-feira, dia 17 – 20 horas – Com apresentação do Coro Municipal.
Local: Centro Cultural Merciol Viscardi
Valor para venda: R$ 20,00