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Acampamento durante carnaval propõe ficar mais perto de Deus



Acampamento durante carnaval propõe ficar mais perto de Deus

Enquanto milhões de brasileiros estão se jogando na folia do carnaval, poucos preferem ocupar o tempo do feriadão com uma proposta de ficar mais perto de Deus. É com esse intuito que a igreja denominada “Projeto Amar” realiza nesta época o tradicional acampamento “De volta pra casa” que reúne pessoas de Fernandópolis e de outras cidades. “Tiramos esse período do carnaval que prá nós começa neste sábado e vai até terça-feira e é um período para a gente ficar longe de tudo, esquecer a vida cotidiana por uns dias e trabalhar mais intensamente essa proposta de estar perto de Deus”, diz o pastor e presidente da igreja Flávio Morilha. O projeto Amar desenvolve ainda outros projetos como o “Abraço Grátis” e o “Cristo Jitsu” e defende a ideia de igreja para todos. Por acolher a todos, Morilha diz que a igreja é rotulada de liberal, que permite tudo. “Na realidade, não é verdade. Não é questão de permitir ou liberar, mas sim de consciência de cada um”, diz nesta entrevista ao CIDADÃO. Veja: 


Quanto tempo de Projeto Amar?
São dez anos. Ele tem um pouco mais, mas era uma fase embrionária, mas oficialmente são 10 anos, completados em novembro. 
Estamos no período de carnaval e o projeto Amar tem um acampamento. Qual a ideia e quem pode participar?
O acampamento que acontece na Chácara Recanto dos Pássaros é aberto ao pessoal que frequenta o projeto, mas sempre deixamos aberto a quem tem vontade. Tudo que o projeto faz é aberto ao público  que é bem-vindo. O acampamento também é aberto. Tem gente que vem de São Paulo, Mirassol, Votuporanga, Cardoso, Ouroeste, Rio Preto. Tiramos esse período do carnaval, que prá nós começa neste sábado e vai até terça-feira, como um período para a gente ficar longe de tudo, esquecer a vida cotidiana por uns dias e trabalhar mais intensamente essa proposta de estar perto de Deus, além da questão da paternidade que a gente trabalha muito. Todo mundo crê em Deus, a gente parte do princípio que até o ateu precisa de Deus para negar sua existência. Só que nós entendemos Deus como pai e o pai acolhe, não exclui. Por isso é que dizemos que o Projeto Amar é uma igreja para todas as pessoas. O que um pai faz com os filhos? Traz para perto, não importa se o filho é mau, se é bandido, ele ama. Quem é pai sabe disso. O amor de pai é incondicional, não existe uma condição para amar. Você não ama o filho porque ele é bom. Você ama o filho porque você é pai. Então procuramos trazer isso de volta. E o tema do acampamento “De volta prá casa” é isso. Nós temos um lugar pra voltar. O mundo é um grande orfanato. Nós trabalhamos muito com o Orfanato (Orfanato Nosso Lar) e a gente acaba fazendo esse paralelo. A bíblia fala muito sobre isso, que somos adotados por Deus. O papel do pai é adotar, ele vem e oferece a paternidade. É como a adoção tardia de uma criança, que já tem uma história e vai para formar uma nova família. Esta questão tem dois pontos importantes: eu como pai quero adotar, mas a criança, enquanto filho, tem que querer ser adotado. E é exatamente isso que acontece no mundo com todas as pessoas. Nós fomos abandonados aqui por questão da falha do pecado humano, pecado original, nós perdemos essa paternidade. Aí Cristo veio para dizer que o pai continua pai. Nós saímos, Adão e Eva se esconderam de Deus quando erraram, e nós temos essa atitude quando erramos. A gente convida as pessoas para vir à igreja e o que eles falam? Eu preciso parar de beber, de jogar, de fumar, eu preciso me tornar bom para poder ir à igreja e Jesus vem e diz: Não! Eu vim para os pecadores. Você não precisa ser bom para vir para a igreja, ela está aqui para te ajudar a melhorar.
Esse acampamento pretende também juntar os jovens neste carnaval?
Nós juntamos as famílias e qualquer pessoa de qualquer idade. A nossa igreja ainda é pequena, temos uma média de 100 pessoas e não temos uma quantidade de jovens para fazer um evento voltado exclusivamente para eles. É uma questão de tempo. O acampamento nestes 10 anos sempre funcionou com os adultos juntos. A molecada dorme lá, tem local, cuidados. Normalmente os adultos e famílias que moram aqui, passam o dia lá e voltam à noite para suas casas. Quem mora longe também fica lá (no acampamento).
Qual foi o propósito de criar o Projeto Amar?
O nome tem a ver com crescimento. Se a gente falar que é Igreja do Amor, nós vamos falar uma mentira, porque eu estou aprendendo a amar. Exatamente pelo fato de sermos órfãos, existe muito ódio no abandono. Então vou estar sempre lutando contra as minhas raivas, então não amo plenamente, nem a mim mesmo, nem ao próximo. O projeto Amar é uma construção do amor na vida de cada um e o nome, como o slogan em si, um lugar para todos, é pra gente sempre lembrar que é um projeto em construção, buscando a melhoria, e aberto a todos. Cristo não veio oferecer uma religião, mas ele veio de braços abertos. 
Vivemos em um mundo de conflitos, de radicalismos... Como conciliar isso com essa proposta de amar?
É uma contramão. Em Mateus, Jesus fala que o amor iria esfriar de quase todo no fim de tudo. Ele fala dos últimos tempos. Não fala que é 100 anos, 1.000 anos, mas ele fala que a partir do que vamos caminhando o amor iria esfriar. E é o que a gente mais vê. Domingo estava vendo uma reportagem no Fantástico sobre o que está acontecendo no norte do Brasil, execução de pessoas à luz do dia, sendo filmado e postado nas redes sociais. Então o ódio vai tomando conta. Quando você posta nas redes sociais uma coisa que é ruim muita gente comenta e incita mais violência. Quando se posta uma palavra de amor, tem pouca curtida, pouco compartilhamento. Então, está dentro de nós essa questão, é uma luta nossa. Não é que o projeto amar tem pessoas melhores. O projeto amar luta para não aceitar essas coisas ruins. A primeira luta é dentro de mim e isso tem que ficar bem claro, não sou pastor porque sou bom. Sou pastor porque fui o primeiro a ser alcançado por Deus com essa visão. E esse é um projeto para a vida inteira neste processo de mudança. Não fazemos um culto especial para ter encontro com Deus, fazemos culto onde Deus está presente todas as vezes. O encontro com Deus é todos os dias, na minha casa, andando pela rua, no meu trabalho. Por que não existe uma metamorfose, uma fórmula mágica, fui naquele culto especial e sai dali mudado. Não acredito, ou então sou o pior cara do planeta. Eu não mudo em um culto. Eu prefiro um culto onde a razão me faz compreender que sou pecador e Cristo é bom e ele é o único caminho para que consiga alcançar o pai. 
Jesus é o projeto ideal de amar?
Sim, ele é a prova. Ele é o sumo sacerdote capaz de entender todo o nosso sofrimento e nossas tentações, porque ele se tornou homem como nós e não errou. E temos livre acesso a Deus através dele. 
Projeto Amar tem algumas ações concretas, como o projeto do Abraço Grátis, do Cristo Jitsu. Como funciona isso dentro de uma igreja?
O abraço é uma ação que parece ser pouco relevante, mas entendemos que ela é muito profunda, porque nós temos um número diferente de reações. Tem pessoas que rejeitam o abraço, tem aqueles que não acreditam naquele abraço, outras acham que é um ato em que se está querendo alguma coisa, seja um contato físico, erótico, que tem alguma coisa errada. E quando a pessoa se rende aquele abraço, vê que é verdadeiro, a gente tenta despertar na pessoa que existe uma esperança para todo esse ódio que tem aí. Aqueles que nos rejeitam são vítimas do ódio. A gente entende isso, não é que a pessoa nos odeia, mas a pessoa tem aversão ao contato. 
Tem algum momento nesse trabalho de oferecer o abraço que chamou mais a atenção?
Todas as vezes as duas situações que ocorrem são da rejeição e o total inverso, que é quando a pessoa se rende àquilo e agradece. Muitas pessoas falam: precisava muito disso, não imaginava que ia ganhar isso hoje, ganhei o meu dia, a minha semana. E foi só um abraço. E o abraço não é uma ação que traz pessoas para dentro da igreja. Em 10 anos, uma pessoa veio aqui, dizendo que foi abraçada, para conhecer o projeto.
E o Cristo Jitsu?
Nós temos sonhos em relação ao esporte. Como somos pequenos, isso é o melhor que podemos fazer. Gostaríamos de poder fazer mais. O dia que conseguir um espaço adequado, poderemos incluir outros esportes, estar acolhendo o máximo de pessoas, porque só de tirar a criança das ruas por algumas horas e coloca-la em um ambiente saudável, naquele momento ela está protegida. Apesar do jiu jitso ser uma arte marcial, mas a própria arte marcial ensina coisas que a família está deixando de ensinar, que é o respeito ao mais velho. A arte marcial ensina que todo mundo é igual e se um não está bem a responsabilidade é minha de cuidar dele. Antigamente, nas famílias de quatro, cinco, dez irmãos, os mais velhos tinham que cuidar dos mais novos e os mais novos tinham que respeitar. O Jiu ensina isso, não o jiu de rua. A primeira coisa que aprendem aqui é que não podem brigar na rua. A gente usa disciplina para a correção. Veio um garoto aqui uma vez, logo no começo. Ele queria aprender o jiu porque queria matar o pai, que chegava bêbado e batia na mãe. No jiu ele aprendeu que não poderia fazer isso. Todas as vezes que pai chegava bêbado e agressivo, em vez dele agir com violência, ele imobilizava o pai para não se ferir e não ferir ninguém. Ele foi instruído a não agir com violência, mas com misericórdia. E isso contribuiu para o pai melhorar, a família ir para uma igreja, não a nossa, e ele continua no projeto. Teve outro menino que chegou aqui e tinha um problema gravíssimo, um erro médico. Ele fez cirurgia e a barriga ficou aberta. Juntamos todos, mobilizamos médicos amigos e conseguimos realizar a cirurgia e hoje treina com a gente é um dos meninos que mais ajudam.
Você diria que o projeto Amar é uma igreja sem rótulo?
Ela acaba tendo um rótulo que é o nome. Ela é rotulada, muitas pessoas que não conhecem o projeto acabam nos taxando de liberais, porque permitimos tudo e na realidade, não é verdade. Não é questão de permitir ou liberar, mas sim de consciência. Nós damos a liberdade a você, ela é sua, você tem que ter liberdade. Como pastor não tenho que mandar em sua vida, muito pelo contrário, tenho que te instruir a amadurecer. Quem é o mediador é Cristo. Então você tem que se relacionar com o Cristo e com o Pai, não com o pastor. Sou apenas um conselheiro. Então por conta dessa postura, taxam de a igreja que pode tudo, onde a pessoa sai daqui vai para a boate, vai usar droga. Ela vai para onde quiser, não vamos proibir e excluir. Estamos aqui para desenvolver a consciência. E para isso, somos poucos, mas fazemos o que for preciso para ajudar as pessoas. É um trabalho pequeno. Quando comecei aqui era eu, minha família e um rapaz. Esse rapaz, o Fabiano, era garçom, foi usuário de drogas, chegou na igreja, ficou e não tinha perspectiva. A cidade o conhecia como “comédia”. Mas, ele foi passando por esse processo de assumir a responsabilidade de si mesmo. Hoje, está cursando o último ano de Odonto, é um dos melhores alunos da sala, casou com minha irmã, me deu um sobrinho lindo e era alguém lá atrás que não serviria para casar com a filha de ninguém pela perspectiva que tinha de vida, mas é o que falo: o Projeto Amar é visceral. A mudança foi dele, porque demos a ele essa consciência para a mudança. Poderíamos ter proibido, talvez ele nem tivesse ficado na igreja. Ele hoje é o coordenador do Abraço Grátis, é a pessoa que mais demonstra amor quando abraça alguém, porque foi o que ele recebeu aqui. 
Você está feliz com o Projeto Amar?
Sim. A gente quer levar para outras cidades. Temos recebido pessoas de outras cidades. O projeto é um lugar para todos. O desafio é difícil, porque as pessoas não conseguem compreender que lugar para todos é todos mesmo, todas as pessoas, seja quem for, seja um punk com seu cabelo azul. Ele é uma pessoa e não o cabelo ou estilo de vida. Assim como o cara do Rap, o traficante, o político, o homossexual e nós somos contra a homofobia, não somos a favor do pecado. Somos a favor da pessoa. Por isso o projeto é acolher todos. Sou feliz com o projeto porque fui o primeiro acolhido
Sua mensagem final.
É muito importante dizer que toda a ajuda é bem-vinda. Todos podem ajudar. Pessoas podem ajudar, indiferente de religião, todos são bem-vindos aqui. Temos amigos em todas as religiões. Então, estamos abertos para parcerias. O nosso sonho é expandir o projeto e precisamos de pessoas comprometidas. Todo tipo de apoio é bem-vindo, porque estaremos ajudando o nosso próximo.