Antônio Francisco de Jesus, 57, aposentado, levantou-se cedo naquela manhã para fazer um exame no posto de saúde. Sem ter veículo próprio, optou por tomar a circular e chegar mais rápido ao seu destino. Logo que entrou no ônibus, percebeu que o motorista não estava em seu perfeito juízo, quando ele passou a lhe desferir palavras ásperas. O homem parecia estar embriagado.
Quando o aposentado se aproximou para pagar a passagem, o motorista - agressivamente - o empurrou com o pé, para fora da circular. Antônio caiu com as costas na sarjeta e a cabeça em uma pedra. Sem prestar socorro, o motorista do transporte coletivo retirou-se sorrateiramente do local. O caso é antigo, ocorreu em 1998; mas até hoje o culpado não foi punido e, segundo a família, continua solto e vivendo como uma pessoa normal.
Já Antônio nunca mais foi o mesmo. Sem poder andar, ele vive sobre uma cama, à base de remédios, pomadas, injeções e cuidados diários. Por ter batido a cabeça, teve complicações neurológicas e foi parar em um hospital psiquiátrico. Não reconhecia as pessoas, por vezes as agredia e quebrava todos os móveis da casa. A vida do Tonho acabou, não anda mais, vive em cima de uma cama. Minha mãe cuidava dele, mas há dois anos ela também ficou doente, com Mal de Alzheimer, e no início deste ano não andou mais. Eu agora cuido dos dois. Por mês eu gasto cerca de R$ 1 mil com os dois. O meu irmão toma três injeções ao dia, para não ter que amputar a perna, pois é obeso. Toda semana tenho que mandar fazer um quilo de pomada que custa R$ 75 e dura uma semana - para passar nas escaras (feridas). Tenho também gastos com os fraldões, pois tanto minha mãe quanto ele usam. E assim a gente vai lutando, lamentou Ilda de Jesus Moraes, 52, irmã de Tonho.
Por ironia do destino, em agosto deste ano, Antônio e o motorista se reencontraram e tiveram que dividir um quarto na Santa Casa. O Tonho o reconheceu na hora. Eu não conhecia o motorista, mas pela inquietação do meu irmão, percebi que tinha algo de errado. Então pedi para que a enfermeira descobrisse o nome daquele paciente, foi quando descobrimos que se tratava da mesma pessoa. Imediatamente pedi para que tirassem meu irmão dali. Ele dizia que não tinha medo de matar e morrer e ria debochadamente. Ao ouvir suas palavras, meu irmão entrou em crise e precisou ser levado para UTI. Quando contamos aos enfermeiros a história, eles ficaram revoltados e queriam bater no homem. Mas nós preferimos aguardar a justiça de Deus. Só Deus pode fazer justiça, disse.
A vingança não leva a nada. Recentemente, o Tonho teve outra crise bastante perigosa, mas graças a Deus ele estava na Santa Casa. O médico disse que se ele não estivesse lá, não teria sobrevivido. Ele já teve dois infartos, derrame e diversas crises neurológicas. Essa crise forte que ele teve recentemente pode voltar a se repetir e se isso acontecer e ele não estiver na Santa Casa, não sei o que será de nós, desabafou Ilda.
Na casa de Ilda, moram seis pessoas: seu marido, uma filha que é separada e tem um filho, Antônio e sua mãe Gersina de 74 anos. A renda curta da família mal dá para comprar os remédios. Ao final do mês faltam arroz, feijão e outros alimentos.
Porém, como Deus nunca esquece dos seus, antes, sempre envia anjos disfarçados para socorrer àqueles a quem Ele ama, Ilda e seus familiares têm sido amparados pela equipe da Promoção Humana da Igreja Católica, cujos integrantes tal qual formiguinhas se desdobram para servir à população carente de Fernandópolis.
Graças ao trabalho desse grupo, várias pessoas têm sido socorridas continuamente. Nós procuramos realizar um trabalho não só de assistencialismo, mas vamos até as pessoas, vemos as suas necessidades, choramos com elas, oramos, vemos se estão precisando de comida. Doamos cestas básicas, fraldas, remédios. Fazemos tudo o que está ao nosso alcance e o que não está também, disse Bertolina Franzener, conhecida por irmã Branca.
O trabalho desenvolvido por essa equipe tem sido um exemplo para muitos; contudo, a seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Ainda há muito por fazer e poucas pessoas disponíveis para ajudar, segundo Maria de Lourdes de Souza Santos, 59, que também faz parte da pastoral. Se a população se unisse, esse trabalho seria bem maior.
Você passa nos bairros, por mais pobre que seja, você vê vários carros nas garagens, mas se uma pessoa cai doente e você pede aquele carro emprestado para levar no hospital eles dizem: chamem o bombeiro ou a ambulância. Ninguém quer socorrer. Você toca a companhia da casa do vizinho e ele diz que o carro está sem gasolina, mas é mentira. As pessoas não têm mais amor ao próximo. Se o povo tivesse um pouquinho mais de amor ao próximo a vida seria menos amarga e dura, concluiu Maria de Lourdes.