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Após AVC, padre Miguel volta e faz um apelo para que as pessoas se desarmem



Após AVC, padre Miguel volta e faz um apelo para que as pessoas se desarmem

Era início de dezembro, a cidade já entrava no clima de Natal, quando a comunidade católica do São Bernardo foi sacudida com a notícia de que o padre Miguel Donizete Garcia, 44 anos, havia sido internado com AVC – Acidente Vascular Cerebral – hemorrágico. Ele passou três dias na UTI e ao completar 8 dias de hospital saiu sem nenhuma sequela. “Ainda estou em recuperação, mas estou muito bem”, disse o padre ao receber CIDADÃO na Casa Paroquial. Ele já reassumiu suas funções no seminário e, em breve, assumirá o cargo de Vigário na Paróquia Santa Rita de Cassia, posto para o qual já foi empossado. Natural de Santa Salete, padre Miguel se formou há 8 anos e iniciou seu trabalho em Fernandópolis ainda como seminarista. Do convite do padre Valentim, quando tinha apenas 16 anos, estava namorando e pensando em casamento, até se formar padre, Miguel Garcia viveu fases de idas e vindas. Após a experiência do AVC, ele se considera um padre ainda mais feliz, mas preocupado com a juventude sem emprego e com o espirito, cada vez, mais armado das pessoas. “As pessoas precisam se desarmar para a cidade progredir”, apelou.  Veja a entrevista:


O senhor se formou padre e veio direto para Fernandópolis?
Isso. A minha formação foi em Ribeirão Preto, ainda era seminarista. Com algumas mudanças na Diocese, que eram necessárias e que acontecem sempre como ocorreram no último ano, assumi as comunidades do Núcleo 3, hoje Paróquia São Bernardo. Depois, em fevereiro de 2010, ocorreu a minha ordenação diaconal e no dia 24 de abril a minha ordenação presbiteral. Então, em Fernandópolis foi a minha primeira paróquia, o grande primeiro amor do padre. É onde você vai estar aprendendo a ser padre, acima de tudo.
Em que momento despertou a vocação para ser padre?
Eu tinha de 16 para 17 anos, namorava na época havia dois anos e até pensava em casamento. O saudoso padre Valentim, já falecido, era o Reitor do Seminário na época. Ele foi celebrar em Santa Salete e me viu, jovem atuante na comunidade, um dos coordenadores do grupo de jovens, liturgia, enfim, sempre junto das lideranças. Terminou a missa, ele me parou no corredor da Igreja e bem objetivo, me perguntou: Você já pensou em ser padre? Pra mim, na época, foi um susto, não imaginava uma pergunta daquela, tanto é que minha resposta de imediato foi não. Nunca imaginei ser padre. Mesmo assim ele me deu um cartão dele e me convidou para o encontro vocacional que ocorreria em duas semanas, para conhecer esse trabalho. Guardei o cartão e olha, daquele convite até chegar o dia do encontro eu perdi muitas noites de sono. É o chamado de Deus, que vem através de pessoas, no caso o padre Valentim. Aquilo me fez pensar, refletir nessa possibilidade, mesmo namorando. Fui ao encontro vocacional, e posso dizer que desde o momento que cheguei houve uma identificação muito grande com o encontro, com as reflexões, tanto é que a minha frase de ordenação presbiteral  ainda carrego comigo: “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho”. Essa frase me despertou diante da minha comunidade, diante da Diocese, com a falta de padres. Eu me via na condição de ser um padre. Na sequência, a minha namorada largou de mim, naturalmente, e aquilo foi abrindo portas. Podem até pensar que fui para o seminário porque larguei da namorada. Não, eu larguei dela eu tinha 17 anos e fui para o seminário com 22 anos. Antes, fui trabalhar, estudar, fui viver um pouco mais para ter certeza da minha vocação. Se naquele momento (da separação) fosse para o seminário seria sim uma fuga, mas procurei amadurecer e refletir bem. Fui para o Seminário, concluí filosofia, que são três anos e fiz até o primeiro de teologia. Foi quando não me via padre. Veio uma crise muito grande na minha vocação, acabei saindo do seminário, fiquei sete anos fora, ou seja, o tempo de formação que são sete anos eu fiquei fora do seminário, trabalhando, estudando, me especializando.  Na empresa que comecei a trabalhar logo que saí do seminário, fiquei sete anos, hoje uma multinacional de idiomas. Quando entrei na empresa tinha oito unidades, quando sai tinha mais de 120. Eu participei do crescimento da empresa ao ponto de quando cheguei para os diretores e falei que ia sair para voltar para o seminário e retomar meus estudos, eles me chamaram de louco. Tinha uma renda muito boa, uma liberdade de vida excepcional morando em São Paulo nestes sete anos. Mas, faltava algo, não era feliz. O dinheiro não estava me trazendo felicidade, mesmos as conquistas que fui tendo e que me possibilitaram ajudar a família. Faltava algo. Esse algo era a resposta dessa vocação. Voltei para Ribeirão Preto e pra mim foi uma grande alegria poder retomar os estudos, os trabalhos que tinha deixado nas paróquias com padres que estavam no Seminário comigo e já estavam à frente de paróquias. Foi um reencontro e aí tive certeza da minha vocação.
O senhor é padre há 8 anos, tem 44 anos de idade, e há três meses assustou sua comunidade por conta de AVC. Como foi esse episódio?
Foi um susto para todos e pra mim, principalmente. Exatamente no dia 3 de dezembro, estava dormindo e acordei com uma forte dor de cabeça, uma dor insuportável. Logo entrei em contato com os médicos aqui de Fernandópolis para ver o que estava acontecendo. Foi detectado que, de fato, tinha uma hemorragia, não pequena, e já fui direcionado para Rio Preto. Ainda é complicado falar disso (emociona-se). A gente leva um susto, já tinha concluído o ano letivo do Seminário e a gente estava com tantas ideias, com tantos trabalhos para acontecer. Fui encaminhado para Rio Preto no dia seguinte pelo Dr. Paulo Fantini que deu total assistência, não mediu esforços. Quando terminou o exame já eram 11 horas da noite e ele me ligou e disse para ir para o hospital e levar uma malinha grande para ficar alguns dias internados. Cheguei em Rio Preto e fui direto para a UTI, fiquei três dias lá e cinco dias no hospital. Foram oito dias internado. Neste período, não tive contato com celular, mas recebia informações, através dos seminaristas que estavam me acompanhando, o Dr, Washington, principalmente. Desde o início tive uma confiança muito grande. Os próprios médicos e equipe do hospital, quando tinham um procedimento, como o cateterismo cerebral que foi realizado, entre outros, tinham muito cuidado comigo. E sempre confiei em tudo que precisava fazer. Sou um padre feliz, sempre sorrindo e mesmo no leito do hospital, eu sempre estava sorrindo por conta da confiança, da fé em Deus. Sabia que tinha muita gente rezando, família, amigos, padres, comunidades, todos fazendo uma corrente muito forte. Sabia que sairia ileso dessa, até porque no hospital, os médicos realizando os exames eu percebia os movimentos. Em momento algum perdi movimentos do corpo, ou o raciocínio, sempre respondendo a tudo. Então, isso me dava uma confiança muito grande.
Então, em momento algum o senhor sentiu medo?
Não, em momento algum. Sempre com muita confiança e querendo que eles realizassem os procedimentos o quanto antes. Mas, foi necessário esse tempo, tanto na UTI, como também no hospital, porque havia o medo de ocorrer a repetição do AVC. Graças a Deus, tudo correu muito bem. E simultaneamente, já vinha fazendo um tratamento do coração e também a equipe médica do Instituto Domingo Braile já começou o tratamento paralelo. Eles têm me acompanhado, assim como a equipe do neurocirurgião, regularmente nestes últimos três meses. Acredito que agora em março, no máximo em abril eu já terei alta médica do neurocirurgião e ai vamos encaminhar com a equipe de cardio se é caso de cirurgia ou não, do probleminha que a gente tem na válvula mitral.
Três meses após o susto, já retomando sua jornada, o que sobrou de mensagem sobre esse período?
Às vezes é necessário o deserto da nossa vida. O bispo Dom Reginaldo Andrietta esteve comigo no hospital, ele que me deu todo apoio, assim como o presbitério da diocese, principalmente os padres de Fernandópolis por quem tenho eterna gratidão. Então, o bispo me dizia que o deserto também é necessário. Esse período de dar uma parada. De fato, a gente vai assumindo trabalhos, vai tendo tantas atividades ao longo da nossa vida e eu, principalmente, estava com uma vida muito ativa. Então a parada serve para repensar muitas coisas e ver que você é ser humano acima tudo, tem suas fragilidades e limitações. E foi uma fase de mudanças também, deixando a paróquia São Bernardo vindo para a Matriz, Paróquia Santa Rita de Cássia como vigário paroquial do qual já assumi no papel, mas na prática ainda vai demorar um porquinho para a gente estar na ativa como se faz necessário. Isso nos deu uma grande lição de vida, porque temos que conhecer nossos limites.
A gente também lembra dos padres Marcelo Rossi e Fábio de Melo que tiveram episódios de fragilidade tornados públicos e eles fizeram questão de mostrar isso, que são seres humanos como qualquer outro...
O padre não nasce pronto, ele nasce de uma família, de uma comunidade. Ele vem da sociedade. Hoje, assim como estou como reitor do Seminário Diocesano, também acompanho a Pastoral Presbiteral da qual sou coordenador dos padres diocesanos e acompanho na CRP que é a Comissão Regional dos Presbíteros de São Paulo, estive percebendo isso. O crescente número de problemas que acaba surgindo também, talvez, pela carga de trabalho muito grande, pelo estresse e tantas outras coisas que vem acontecendo. Então, o padre é um ser humano, como qualquer outro, sujeito a doenças, enfermidade. Não quer dizer que é padre, é super-homem.
O senhor sempre teve um trabalho muito próximo da juventude. Como está sentindo o jovem de hoje neste   momento de dificuldade que vivemos?
Tive a graça de acompanhar a juventude por cinco anos, como assessor da juventude na Diocese. O jovem tem uma força, um poder de reação muito grande, muitas pessoas acabam não acreditando na juventude. Eu diria o contrário. e uso até uma frase de São Bento que dizia que, toda vez que for tomar uma grande decisão, grandes encaminhamentos, consulte a juventude. Talvez até pela falta de experiência de vida, mas ao mesmo tempo pela ousadia, pela coragem. Quando você dá oportunidade, quando você acredita, acompanha, dá liberdade, o jovem faz. Eu tive essa experiência na convivência com a juventude. O jovem é solidário, um exemplo aqui em Fernandópolis na Semana da Juventude que acontece todos os anos, em torno de 500, 600 jovens realizam o arrastão da solidariedade que é um gesto concreto da juventude. Então, precisamos acreditar mais na juventude, dar mais espaço, para que ela com sua vitalidade possa fazer. Claro, por outro lado, a gente fica triste com essa realidade que vem acontecendo hoje, jovens na droga, envolvidos com tantas coisas. São caminhos trilhados muitas vezes, por falta de oportunidade, de trabalho e ai entra também a questão pública que sempre devemos estar atentos e cobrando que é necessário, sim, criar trabalhos, dar oportunidade, trazer empresas para o município para dar incentivo para nossos jovens que estão terminando a faculdade e estão desempregados e acabam indo para outras cidades em busca de oportunidades. É algo que precisamos cuidar e trabalhar juntos. É uma responsabilidade de todos nós cidadãos. 
E seus planos para essa nova missão que assume na Igreja?
Devo continuar com o trabalho na Diocese do qual sou coordenador da Pastoral Presbiteral, também no seminário do qual já tenho retomado as atividades em São José do Rio Preto. E também como vigário da paróquia Santa Rita de Cássia. O Vigário Paroquial é aquele que está junto com o administrador paroquial que é o padre Natalino para poder dar uma assessoria, principalmente nos momentos celebrativos. A expectativa é muito grande. Tem muito trabalho para ser realizado em parceria, em comunhão, com todos os demais padres de Fernandópolis. É uma grande benção. 
Como padre, e cidadão fernandopolense que é, o que sonha para Fernandópolis?
Para o município progredir, ter uma boa evolução, é necessário que as pessoas se desarmem. Vejo as pessoas muito armadas, contestando tudo, sem paciência, não esperando acontecer o que é necessário acontecer. Acho que tem que ter mais respeito. Eu sou cidadão fernandopolense, então falo isso como cidadão fernandopolense. Me deixa muito triste ver algumas situações que a gente enfrenta hoje na cidade, principalmente quando se diz da falta de respeito, de paciência, da desunião. Se as pessoas, antes de cobrar, se colocassem a serviço, se interessassem mais dos assuntos para poder trabalhar juntos, criticar menos e fazer mais, é isso que deve acontecer pela população. E as autoridades precisam ter o cuidado de ouvir as pessoas, mais abertas, procurando ir nos bairros, nas comunidades para saber as necessidades da população. Isso formaria um conjunto harmonioso que estaria dando muitos frutos. Vejo que falta isso em Fernandópolis. As pessoas estão cada uma para um lado, a rivalidade e a competição são muito grandes. Isso não pode acontecer, não só na questão política, mas também na religiosa. Temos que caminhar como irmãos. O lema da campanha da fraternidade fala sobre a violência, os diversos tipos de violência que acontecem hoje. Vejo as redes sociais, onde as pessoas se atacam, se agridem, uma intolerância geral. Isso não pode acontecer. Temos que pensar em realizar um trabalho visando o bem comum e para isso todos precisam estar unidos.