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Artistas da nossa terra



Artistas da nossa terra

Dia 19 de março é comemorado o Dia Mundial do Artesão, aquele artista que transforma matéria bruta em arte. Data importante para conhecer um pouco mais a história de Pedro Loverde, 94 anos, e Onivaldo Aparecido Loverde, 68 anos. Pai e filho caminharam juntos pela história da arte. 
Aos 94 anos, Pedro Loverde já perdeu a destreza com as mãos para entalhar madeira e confeccionar uma obra de arte, mas ainda faz alguma coisa para se distrair. Mora com o filho Onivaldo na Rua Bahia, Coester. Considerado um artista primitivista, Pedro Loverde usou como temática de suas obras a observação das coisas de campo, como carros de boi e animais e de festas folclóricas como a Folia de Reis.  Esse filho de italiano da Sicília e de uma descendente dos índios caigangues, nasceu em Potirendaba, foi criado em Araçatuba e escolheu viver em Fernandópolis. O filho, Onivaldo Loverde, decidiu seguir os passos do pai e herdou não apenas genes, mas a habilidade e a paixão pela escultura.  Ele talha madeira, pedra sabão, argila, concreto celular. Onivaldo é autodidata, desenhista, pintor, escultor, gliptográfico. Natural de Fernandópolis, desde 1976 milita no campo das artes, predominantemente no desenvolvimento do trabalho de escultura. Os instrumentos, além do velho canivete, são o formão-goiva, o formão chapado, a lixa, a grosa e a enxó. As madeiras prediletas do escultor são a aroeira, o cedro, o mogno, madeira de abacate e a cerejeira. CIDADÃO visitou os artistas e nesta entrevista com Onivaldo Loverde, ao lado do pai, Pedro Loverde, um pouco  dessa história que revela um dos momentos mais ricos da cultura de Fernandópolis. Veja:

Como começou a relação da família Loverde com a arte?
Começou com meu pai. A gente morava no sitio tocando lavoura e ele sempre pegava um toquinho de madeira e ficava esculpindo com o canivete de picar fumo, geralmente uma cara de boi, de cavalo, as vezes fazia uma figura humana. Vendo ele fazer isso, acabei pegando o canivete e também comecei a fazer alguma escultura. Nessa época estava com 6, 7 anos, lá nos idos de 58 e 59.  
Foi ai que começou sua carreira nas artes?
Então, eu parei de fazer isso por um tempo, mas o meu pai continuou. Logo a gente veio para a cidade e recomecei meus estudos. Quando estava na fase do ginasial para o colegial, houve incentivo das professoras, naquela época tinha aula de Artes e de desenho, e a professora Cibele incentivava muito. Em 1969, organizaram um Salão de Artes na escola. Participou eu, o Bira, o Tito, que também eram estudantes na época. Em 1971 promoveram novamente outro Salão no prédio antigo da Caixa Federal. Já tinha ganhado um prêmio em 69 e voltei a ganhar em 71. Fiquei em primeiro lugar em escultura. Ficou por isso aí. Mas, foi em 1975, que os universitários que vinham de férias para a cidade resolveram fazer um trabalho, que o finado Merciol Viscardi chamou de trabalho de base. Quando se sabia que alguém fazia algum trabalho de arte, eles buscavam a pessoa para mostrar. E fizeram uma exposição na praça exatamente para mostrar o trabalho dessas pessoas. Isso ocorreu em 1975 organizado pelo Merciol, Zecão, Elaine, Vic Renesto, esse pessoal todo. Nessa época, o João de Lima já era famoso na cidade com trabalho de escultura. Nesse evento fiquei conhecendo essa turma e ficamos grandes amigos. A partir daí o trabalho continuou e decidi fazer carreira artística, fazendo trabalho para exposições. Onde surgia oportunidade de expor, a gente ia, principalmente nas Semanas Universitárias de Rio Preto, Jales, mas isso acabou tudo. Tinha em Turmalina, onde o prefeito Pavarini apoiava muito a cultura e montava exposição todos os anos. Depois ele foi prefeito em Estrela d´Oeste e manteve essa tradição. Aquele incentivo que tinha parou. Ultimamente tenho participado apenas de exposições na cidade organizadas pela Secretaria de Cultura. 

Viver de artes é mais trabalhoso que rendoso. É difícil vender uma escultura


O seu pai te acompanhava nessas exposições?
O meu pai começou três anos depois. Em 1978 quando comecei a vender peças do meu trabalho, ele se interessou em voltar a esculpir e começou com a folias de reis, carro de boi e começou a participar com a gente de eventos em Rio Preto, Marilia, Ribeirão Preto, Penápolis. Onde tinha exposição, a gente participava. Em Rio Preto, meu pai era muito bem visto com o trabalho primitivista. Eles valorizam muito esse trabalho. E não paramos mais, a gente foi lutando e tocando prá frente. Hoje, o meu pai com 94 anos, já não tem a mesma destreza de antigamente. Faz alguma coisinha pequena, para se distrair. 
Até hoje trabalha com esculturas?
Eu continuo no trabalho até hoje. Fizemos o troféu Coruja da promoção da Iraci Pinotti na Cultura por muitos anos. 
A matéria prima utilizada no início era madeira?
Sim, madeira, depois passei a trabalhar também com o concreto celular, pedra sabão e outros tipos de materiais. Mas eu prefiro trabalhar com madeira. O meu pai sempre trabalhou na linha primitivista e eu uma linha mais estilizada, mais moderna. 
Viver da arte, é mais trabalhoso ou mais rendoso?
Mais trabalhoso. É difícil vender uma escultura. 

Fernandópolis ficou conhecida como o maior celeiro de artes da região. Isso se perdeu


Tem ideia de quantas esculturas já fez?
Fiz tanta coisa, mas não tenho ideia. No começo não fotografava as obras. Queria fazer e vender e não tenho nada catalogado. Os trabalhos mais recentes tenho algum controle, mas o que fiz no passado, não. O que sei é que tem obra minha em várias partes do Brasil e do mundo. Quando vinha o pessoal do Rotary de fora do Brasil, eles levavam peças minhas obras para o exterior. Mas, exposição no exterior, nunca fiz. 
Qual o tempo médio que se gasta para realizar uma escultura?
Depende do tamanho da escultura. Tem trabalho que a gente faz em uma semana, outras levam até seis meses. 
O que representa o momento de esculpir, de transformar a madeira bruta, por exemplo, em obra de arte?
É um momento de prazer. É o momento de colocar em prática todo aquele momento criativo. Antes cheguei a pegar trabalho por encomenda. Hoje, não. Quando estou trabalhando, estou feliz. Onde vou, estou procurando inspiração. Um toco que vejo, já busco formas para transformar aquilo em arte. 
Qual a sua maior satisfação atuando nessa área?
Poder sobreviver com a arte.
O senhor lembrou um período de efervescência nas artes em Fernandópolis?
Fernandópolis ficou conhecida como o maior celeiro de artes da região exatamente por esse período que foi fabuloso. 
E porque isso não acontece mais?
Falta de incentivo. A gente queria participar de salões em outras cidades e nem transporte tinha, mesmo a gente indo divulgar o nome da cidade. E nós levamos muito o nome de Fernandópolis para outras localidades. A gente era referência nesse trabalho que hoje se perdeu.
Esse trabalho tem herdeiros para dar continuidade à história do seu pai e sua?
Tem uma sobrinha que faz escultura, desenha, tem um talento especial. Mas, trabalha como enfermeira em Goiás e não tem muito tempo. Ela faz esculturas, pinturas, desenhos, ela já tem um bom trabalho realizado. Ela começou a fazer isso ainda menina vendo o nosso trabalho. 

O computador, os celulares, estão alienando as pessoas. Você não vê interesse neste trabalho


Hoje é mais difícil aparecer um talento nas artes?
Hoje, o computador, os celulares, estão alienando as pessoas. Você não vê a molecada ter interesse em fazer alguma coisa. Está mais complicado. Do jeito que vai indo vai chegar o tempo que o jovem não vai saber nem apontar o lápis para desenhar, porque é complicado, não é apenas colocar no apontador e rodar. Tem um jeito especial para fazer isso e as vezes se leva 10 minutos para deixa-lo no ponto para iniciar o trabalho.
E o senhor pretende esculpir até quando?
Até o dia que morrer. Enquanto tiver vida vou continuar esculpindo.