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As rodas de viola na Fernandópolis da década de 60 viram tema de pesquisa



As rodas de viola na Fernandópolis da década de 60 viram tema de pesquisa

Bruno Godoi Barroso nasceu em São Paulo, mas veio para Fernandópolis com seis anos. “Me considero fernandopolense de alma e coração”, diz o mestrando, hoje com 35 anos, casado com a historiadora Claire Guimarães Liberato Barroso, também fernandopolense, e pai de Ana Laura. Bruno se formou em História na FEF, fez pós-graduação em História, Sociedade e Cultura, pela PUC-SP e hoje é mestrando em História Social pela mesma instituição. Atualmente é professor de História na rede municipal de São Paulo e do Colégio CEAC em São Bernardo do Campo, onde reside com a família. Também é docente no Instituto de Ensino Superior (Idep) e está licenciado na rede estadual de ensino por conta do projeto de mestrado. Fernandópolis não sai da vida de Bruno. O projeto de mestrado que resgata um período efervescente da cidade: a década de 60 e as rodas de viola, a influência da música caipira e do rádio promovendo um diálogo entre o presente e o passado. A entrevista de hoje é uma mostra da pesquisa que está em andamento. Veja:


Você desenvolve pesquisa o projeto de mestrado em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sobre as rodas de viola na Fernandópolis da década de 60. O que o inspirou para esta pesquisa?
A sua questão é muito pertinente, uma vez que seria um equívoco pensar a pesquisa em história sob uma perspectiva de negação dos laços que unem o objeto e o historiador. Ambos estão conectados por anseios, angústias e inquietações que colocam em curso o diálogo entre o presente e o passado. O resultado desse movimento é externado nos questionamentos que surgem acerca da configuração dessa espécie de “enlace”. Nesse sentido, o interesse pelo tema, em boa parte, vai ao encontro das minhas vivências no interior do estado de São Paulo, no “Sertão do Noroeste Paulista”, como muitos o nomeiam. Na cidade de Fernandópolis, onde passei minha infância, adolescência e parte da minha juventude, convivi com as modas de viola caipira ouvidas pelos meus pais e avós, com os relatos de suas experiências de uma “vida na roça” e com o modo de vida rural, ainda vivo no cotidiano. Das histórias do meu avô materno com sua sanfona animando bailes nas fazendas da região de Cardoso e Riolândia, nos desafios históricos (que são temas recorrentes nas letras do cancioneiro caipira) enfrentados pelos trabalhadores rurais no Brasil, como foi o meu pai ainda adolescente na colheita do café na região de Lins.
Quando começou essa pesquisa e quando será apresentação do projeto?
Posso dizer que a gênese desse projeto está no ano de 2011, quando cursei uma especialização na área do Patrimônio Histórico, realizada aqui em Fernandópolis sob a coordenação do Prof. Dr. Rodrigo Ribeiro Paziani, que inclusive foi coordenador do curso de História da FEF e atualmente é docente na Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Naquele momento, o que existia era a formulação de um projeto de pesquisa (para fins de TCC) balizado pelas questões teóricas do Patrimônio Imaterial, infelizmente por motivos de força maior o projeto não teve continuidade, entretanto, consegui reunir um bom material em áudio e vídeo, o que foi de grande valia para a retomada do projeto no segundo semestre de 2013 através do meu ingresso na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no curso de Especialização em História, Sociedade e Cultura. A partir daí, novas possibilidades se apresentaram, sobretudo, nas trilhas dos estudos de História Cultural, cujo arcabouço teórico e metodológico me norteiam atualmente no Mestrado em História Social no qual ingressei no início de 2017, seis meses após ter concluído a referida Especialização. Após o cumprimento das disciplinas obrigatórias no ano letivo de 2017, estou em fase de elaboração da dissertação, com data de qualificação prevista para meados de Junho de 2018 e defesa em dezembro do mesmo ano.
O que revela esse projeto “As Rodas de Viola e a Vida: Música e Cotidiano em Fernandópolis (1960-1970)”?
O historiador trabalha com vestígios, com as reminiscências de um passado que encontra significado e conexões no presente, e esse processo se dá a partir da ação dos sujeitos históricos, dos grupos que atribuem tais significados. A questão da “tradição” é um bom exemplo para pensarmos nisso. Dessa forma, a pesquisa tem buscado vestígios que possam iluminar a compreensão dos elementos articuladores dessa tradição da música caipira em Fernandópolis, levando em conta que esse movimento é dinâmico, uma vez que as manifestações culturais não estão isoladas, elas dialogam, influenciam e são influenciadas. Em uma das minhas muitas visitas ao encontro dominical de violeiros, que é realizado pelo radialista Geraldo Rico no CCI da Vila Veneto, observei uma canção executada por trio (sanfona, baixo e violão) marcada por muitos elementos do vanerão, ritmo muito associado ao sul do Brasil. Em outras oportunidades, levadas de bolero, ou seja, revela-se aí os diálogos culturais que mencionei anteriormente.  A questão dessa música como geradora de vínculos sociais, evidenciado nos encontros periódicos, nos laços afetivos, na relação com o sagrado, na maneira de se vestir e falar são elementos que foram surgindo a partir do trabalho com as fontes. Outro aspecto relevante é o da territorialidade, que pode ser observado, por exemplo, na música “Fernandópolis” dos compositores Mauro André e Jonacir de Carvalho, mas, que ficou muito conhecida nas vozes da dupla Quintino e Quirino. Essa canção traz consigo uma representação idílica de cidade. Buscar a maneira como essa e outras representações são apropriadas ou rejeitadas, sobretudo, através das canções de compositores da nossa cidade, está na centralidade desse estudo.
O que levou em conta neste trabalho de pesquisa tomando por base exatamente esse marco temporal, a década de 60 e a transição para os anos 70?
O trabalho com as fontes foi direcionando o recorte temporal que, diga-se de passagem, é algo que ainda pode sofrer alterações no caminho da pesquisa, todavia, a década de 1960, especificamente a sua primeira metade traz consigo desdobramentos relevantes no sentido do fomento à música caipira na cidade, sobretudo, pela presença da Rádio Cultura AM e dos investimentos em uma programação voltada para esse gênero, no incentivo à duplas locais como Quintino e Quirino e os Irmãos Pedrini, na organização de festivais de viola e na própria interação com o público daquele período.
A pesquisa leva em conta um conjunto de transformações políticas, econômicas e sociais em dimensão macro-histórica. O que isso contribuiu para o fomento da música caipira?
Em linhas gerais, o Brasil no início da década de sessenta estava passando por um momento de instabilidade política, haja vista as transições entre os governos daquele período, marcado do final do mandato de Juscelino Kubitschek em 1961, passando brevemente por Jânio Quadros, até João Goulart que teve a sua gestão interrompida pelo fatídico golpe civil-militar em 1964. Um conjunto de transformações estruturais, iniciadas na década anterior, caracterizadas pelo crescimento urbano e industrial alteraram profundamente a economia do país, em contrapartida, a crise nas relações de trabalho no campo acentuou o êxodo rural como revelam os dados do IBGE naquele período, cujo uma população majoritariamente campesina passa a ocupar os centros urbanos. Boa parte dos meus entrevistados trazem em seus relatos memórias de uma vida no campo e as mudanças que os trouxeram para a cidade. Nesse sentido, a radiodifusão e a indústria fonográfica encontraram um terreno fértil para o fomento desse gênero musical, através de programas que resgatavam o “cotidiano no campo”, até mesmo a sonoridade, através do som de pássaros e outros elementos da natureza. A “contação de causos”, as encenações e a própria música operavam na criação dessas muitas representações do campo que encontravam audiência e consumidores.
Como realizou o trabalho de pesquisa para o resgate histórico desse período musical?
O trabalho tem sido realizado através de um levantamento de canções compostas por fernandopolenses e radicados em Fernandópolis, não necessariamente passadas por registro fonográfico, assim como, a gravação de depoimentos com esses compositores, interpretes, radialistas e principalmente apreciadores do gênero que viveram na cidade durante esse período.
Qual a influência do rádio para esse período?
Como já mencionado anteriormente, a radiodifusão cumpriu um papel relevante no fomento da música caipira, nesse período em específico, programas como “Na beira da Tuia” com Tonico e Tinoco, pela Rádio Bandeirantes de São Paulo, e “Alvorada Cabocla” sob o comando de Nhô Zé, na antiga Rádio Nacional de São Paulo, tinham grande audiência. Em Fernandópolis a extinta Rádio Cultura AM, fundada pelo Sr. Moacir Ribeiro em 1955, teve no chamado “Rancho dos Canários” o seu programa voltado para a música caipira. Segundo relatos de alguns entrevistados, inclusive um dos locutores do antigo programa, o Compadre Sanchez”, o Sr. Moacir Ribeiro construiu uma espécie de auditório nas dependências da rádio, de maneira que o público poderia acompanhar o programa in loco. Os registros dão conta de que os assentos estavam sempre lotados e de que a audiência ultrapassava os limites do Estado de São Paulo, alcançando Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, essa audiência era aferida pelas inúmeras cartas que chegavam direcionadas ao programa. O programa teve vários locutores, além do próprio Compadre Sanchez, nomes como os de Nhô Dito, Tio Cândio e Nhô Cido, comandaram esse programa que esteve no ar até o início da década de 1980, vale ressaltar que assim como a Rádio, o programa foi passando por reformulações até o seu final, deixando um legado significativo para a grade de programação de algumas emissoras de Fernandópolis na atualidade, agora, nas “ondas” do FM. Algo que surgiu recentemente dentro da pesquisa e pode sugerir estudos futuros (mais aprofundados) seria a busca por uma dimensão mais ampla da Rádio Cultura AM, não somente como veículo de entretenimento, mas, no seu papel de prestação de serviços. Para se ter uma ideia, em algumas entrevistas depoentes me relataram que a rádio era o único meio de comunicação entre as a zona rural e a cidade, que eles deixavam recados no estúdio para que os locutores transmitissem durante a programação, isso demonstra quanto o rádio era importante.
Tem ideia de transformar essa pesquisa em livro?
Posso dizer que sonho com isso, fazer com que esse trabalho ultrapasse os muros da academia é algo que eu almejo, principalmente por conceber que a pesquisa deve dar o seu retorno para a sociedade que a financiou, na sua relevância e significado. Todavia entendo que até lá existe um caminho enorme a ser percorrido, espero em Deus que um dia nós possamos alcançar esse feito, seria uma forma marcante de celebração da Cultura Caipira Fernandopolense.
Quem apoia essa pesquisa? 
Além de todo o respaldo dado pela PUC-SP através do corpo docente do Programa de Pós Graduação em História, especialmente da minha orientadora, a Professora Dra. Maria Izilda Santos de Matos, tenho o apoio da CAPES que financia a minha pesquisa.