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Câmaras de mediação e arbitragem desafogam a Justiça, diz Giussani



Câmaras de mediação e arbitragem desafogam a Justiça, diz Giussani
O advogado Flávio Giussani é paulista de Braúna (SP), casado e tem três filhos. Especialista em direito empresarial pela Fundação Getulio Vargas, atualmente é consultor da Conferência das Associações Comerciais do Brasil – CACB. Giussani vive em Brasília e é o responsável pela implantação das Câmaras de Mediação e Arbitragem no Estado de São Paulo, um sistema que deverá revolucionar a solução de conflitos contratuais pela celeridade e baixo custo. Nesta entrevista, concedida antes de palestra que proferiu no auditório da OAB de Fernandópolis, Giussani explica os mecanismos da instituição, que considera “uma tendência universal”.


CIDADÃO: No que consiste uma Câmara de Mediação e Arbitragem?
GIUSSANI: Na Câmara temos o ambiente para os procedimentos que buscam a solução de controvérsias através dos métodos alternativos de soluções de conflitos – conciliação, mediação e a própria arbitragem. Então, a Câmara, na verdade, é uma ferramenta que viabiliza um procedimento. Por exemplo: os comerciantes, quando contratam, fazem algum instrumento jurídico, e nesse contrato já estipulam que haverá mediação. Se porventura esse contrato resultar em conflito, este terá que ser dirimido na própria Câmara de Mediação e Arbitragem indicada naquele contrato. Enfim, ela é o ambiente onde ocorrerão as queixas, serão ouvidas testemunhas e feitas eventuais perícias, se necessário. É como o Fórum na Justiça pública.
CIDADÃO: As partes só elegerão a Câmara como competente para isso se quiserem, não é?
GIUSSANI: Isso. No momento da contratação, da formalização dos contratos, as partes têm a opção de escolher se terão como foro competente a Justiça pública ou a justiça privada. Isso constará expressamente no contrato. Daí para frente, qualquer conflito será dirimido pela arbitragem ou pela Justiça comum, conforme o caso. Feita a opção pela arbitragem, a Justiça pública fica afastada da apreciação do mérito.
CIDADÃO: Os MESCs – Métodos Extrajudiciais de Solução de Controvérsias – são tidos como mais ágeis e baratos. Não é uma negação definitiva dos ritos formais do direito brasileiro, pelo menos quanto ao aspecto burocrático? Não é o reconhecimento de que a Justiça é morosa, e de que “justiça tardia é injustiça”?
GIUSSANI: Veja, estamos falando de uma instituição – a arbitragem – que é uma criação universal. Os países mais adiantados utilizam a mediação, a conciliação, a transação, a negociação direta e muitos outros métodos para dirimir conflitos. São os chamados tribunais internacionais “multiporta”. Então, quando existe um conflito, as pessoas procuram esses tribunais, onde é feita uma triagem em relação ao conflito, verifica-se qual é o melhor método para resolução daquele conflito e não fica descartada a apreciação pelo judiciário. Ou seja, nada mais é do que a própria sociedade construindo outras formas de acesso à Justiça. No Brasil, culturalmente, nós temos a inclinação de “judicializar” todos os conflitos. É um caldo cultural. Na academia, nós, advogados, não fomos preparados para a resolução do conflito social, e sim para o conflito processual instalado. Passamos essa cultura, o chamado povão mesmo tem o hábito de falar: “Por que você não abre um processo?” É o jargão popular: “Mete no pau”. Assim, todo e qualquer conflito, por mais simples e sem importância, acaba indo parar na Justiça. Hoje, vemos o Supremo Tribunal Federal do país, a mais alta corte, que deveria discutir só as questões condicionais, está lá solucionando brigas de vizinhos por causa de cachorro. Os tribunais acabam ficando abarrotados. Há hoje quase 50 milhões de processos no país, abarrotando os Fóruns de todas as comarcas. Fernandópolis não é diferente disso. Então, precisamos romper paradigmas e criar formas de acesso à Justiça. No sistema brasileiro tradicional, só há uma porta de entrada, a do judiciário, enquanto que o mundo todo trabalha com multiportas. Por isso, através da CACB e do Sebrae, estamos difundindo outras formas de acesso à Justiça – sem passar necessariamente pelo judiciário. A sociedade tem que encontrar saídas, porque o judiciário não pode ser ponto de encontro de todos os conflitos. Sua estrutura é complexa e especializada, mas tem que trabalhar nas coisas mais importantes. Daí advém a importância dos métodos alternativos de resolução de conflitos. A Câmara de Fernandópolis, como as demais, vem para reduzir o nível de conflito social e fará com que o judiciário seja menos moroso.
CIDADÃO: E em relação aos custos, quais são as vantagens?
GIUSSANI: Há muitas vantagens. A primeira dela é a questão do tempo (celeridade). O Conselho Nacional de Justiça mostrou que o prazo médio no Brasil, para finalização de um processo, é de 6 anos e 3 meses. Pela experiência e pelas estatísticas, posso dizer que um procedimento de arbitragem, em 80% dos casos, é resolvido na primeira audiência – porque o procedimento de arbitragem prevê uma audiência de conciliação. Em 80% dos casos, como disse, há acordo homologado logo na primeira audiência. Por que? Porque a lei determina que o processo seja encerrado em seis meses. Então, as partes percebem que é melhor terminar logo com o processo. Fernandópolis, como as demais cidades dotadas da Câmara de Mediação e Arbitragem, vai certamente entrar num processo de pacificação social.
CIDADÃO: Quais são os critérios para a escolha dos mediadores e árbitros?
GIUSSANI: A Câmara de Fernandópolis não tem uma atuação isolada. Ela está dentro de uma grande rede de todas as associações comerciais de todo o Brasil. Assim, ela entra numa rede de quase 100 Câmaras, onde há critérios para a seleção de árbitros. Existe um curso de capacitação dos árbitros, e depois de um determinado período – onde passam inclusive por testes e provas – os candidatos, se aprovados, passam a ser árbitros e mediadores da Câmara de Mediação e Arbitragem da CACB. O processo de indicação e escolha é criterioso.
CIDADÃO: Há quanto tempo foi implantada a primeira Câmara de mediação?
GIUSSANI: No Brasil, existe a Lei 9.307/96, chamada Lei de Arbitragem, que foi um projeto de iniciativa do senador Marco Maciel. A arbitragem já existia no Brasil através dos chamados laudos arbitrais. Só que esses laudos tinham que ser obrigatoriamente homologados pelo judiciário. Daí iniciava-se um processo demorado. A grande virtude da lei é que transforma o laudo arbitral em sentença arbitral. Os árbitros, no final do procedimento, decidem e emitem a sentença arbitral, que, por lei, tem os mesmos efeitos da sentença judicial. Tanto é que, se for condenatória, a sentença se constitui num título executivo judicial. Esses métodos são de baixo custo, são mais rápidos e preservam as relações entre as pessoas, que normalmente são continuadas. Às vezes, você tem um problema com o seu plano de saúde ou o seu banco, por exemplo. Você já é cliente há cinco ou dez anos, e não há razão para romper aquela relação. Assim, quando você chega num ambiente adredemente preparado para um clima de conciliação, você supera aquela situação e continua cliente, não trinca a relação. No judiciário, ao distribuir o processo, você fez com que a parte se tornasse ré, é um problema muito sério, provoca acirramento das relações, que ficam difíceis de serem restabelecidas. Por fim, é um absurdo que o judiciário tenha 50 milhões de processos. O próprio judiciário tem entendido que precisa desses novos métodos. O Conselho Nacional de Justiça criou o Movimento pela Conciliação. Todo dia 8 de dezembro, os fóruns de todo o Brasil param para o Dia Nacional da Conciliação. O judiciário percebeu que a sociedade precisa encontrar caminhos de resolução de conflitos, como o mundo todo tem. O ordenamento jurídico tem incorporado esse conceito de conciliação. É um instituto que veio para ficar.
CIDADÃO: Os resultados concretos nas cidades onde já estão implantadas as Câmaras de mediação têm sido significativos?
GIUSSANI: Em São Paulo, nós já inauguramos as Câmaras de Santo André, São José do Rio Preto e agora Fernandópolis. Logo funcionarão as de Marília, Araçatuba, Limeira. Enfim, aqui no Estado de São Paulo há 28 cidades em fase de implantação, e o resultado é fantástico. Essas Câmaras têm provocado um fenômeno importante, que é a utilização, pelos empresários, de cláusulas em seus contratos que prevejam a arbitragem. Em Rio Preto, há uma distribuidora de bebidas que possui 5.650 clientes. Todos os contratos estão sendo adequados para constar a indicação da Câmara de mediação e Arbitragem como foro competente para dirimir eventuais conflitos.