Quando começou sua carreira como educadora?
Há mais de 20 anos. Eu sempre lecionei em escola particular como Objetivo, Coopere, inclusive em Iturama-MG. Fiz minha carreira assim, dentro da rede particular.
Porque começou a dar aulas exclusivamente no Cáfaro?
Eu recebi a proposta e achei completamente inovadora. O plano de ensino era integral, único, diferente de todas as escolas de Fernandópolis e da região, e isso pesou para que eu abrisse mão e aceitasse o desafio.
Em que consiste a afirmação de que o plano de ensino do Cáfaro é “inovador”?
O plano da escola prima pelo projeto de vida do estudante. Vai muito além de ser algo simplesmente tradicional, onde o professor dá uma aula e o aluno recebe. O plano exige uma troca de experiências, e consequentemente a evolução do aluno.
Dentro desse sistema de ensino existem as eletivas. Como elas funcionam?
As eletivas são parte da grade curricular do aluno. Ela funciona como uma disciplina semestral, criada exclusivamente pelos professores – um em parceria com outro. Depois de projetadas três eletivas, nós professores passamos nas salas do ensino médio, para apresentá-las aos alunos. Os que se interessarem por alguma podem se inscrever, e se o número de inscrições for suficiente, logo começam a receber as aulas eletivas, ministradas pelos professores que a projetaram.
A inscrição e participação nas eletivas são gratuitas? Quantas vezes por semana os alunos recebem estas aulas?
Completamente gratuita. Caso a disciplina exija algum material, como no meu caso demandou papel e envelopes, a escola cede. Os alunos recebem aulas de eletivas duas vezes por semana.
Pois bem, como funcionou a sua eletiva das cartas?
Eu projetei esta eletiva em parceria com o professor Valter Luis de Paula, que é professor de Língua Inglesa, e posteriormente veio a se licenciar da escola devido a problemas de saúde. Já que sou professora de Língua Portuguesa, decidimos fazer algo relacionado à linguística, que infelizmente é uma “área crucificada” do atual cenário escolar. Foi aí que pensamos nas causas dessa área estar defasada, e concluímos que as novas tecnologias é que estão contribuindo para as pessoas abandonarem a prática da escrita. Tudo isso contribui para que o hábito de escrever cartas esteja praticamente morto. E esse hábito, se pensarmos na sensação que ele causa, é muito bom. Creio que nenhum destes alunos sabia o que era abrir a caixinha do correio e ver uma carta com seus nomes no destinatário, enviado por uma paixão ou por uma amizade.
Agora seus alunos sabem o que é a sensação de enviar e receber cartas?
Sim. Antes de enviarem cartas aos portugueses, eles precisavam treinar. Precisavam saber estruturar uma carta, algo que infelizmente, poucos jovens sabem. A partir dos treinos, meus alunos escreviam cartas e enviavam uns nos endereços dos outros. Eles ressaltaram o quanto a sensação de abrir a caixinha do correio e ter uma cartinha lá para eles foi boa. Alguns perguntavam: “professora, meu destinatário está aqui do meu lado, eu não posso entregar para ele aqui?” – e eu dava uma negativa, justificando que perderia a magia. Para sensibilizar ainda mais, eu passei um livro chamado “Ana e Pedro”, que se passa inteiramente de um enviando cartas para o outro. O livro os deixou instigados, já que não descrevia os encontros. No livro, “Pedro” anunciava que ia se encontrar com “Ana”, e na outra página, “Ana” respondia que o encontro tinha sido muito bom, o que certamente deixou os alunos muito curiosos.
Afinal, como foi que Portugal entrou no projeto?
Desde o início o professor Valter e eu queríamos estabelecer comunicação com alunos de outro país de idioma português. Ora para atrair os alunos, ora para mostrar-lhes que não importa a distância, falamos da mesma forma, porém com certas mudanças, o que aumentaria o conhecimento da Língua Portuguesa. Apresentamos o projeto com intenção de enviar cartas para alunos de escolas de Moçambique, Angola e Portugal. No entanto, só conseguiríamos firmar este acordo com uma escola estrangeira com a ajuda da internet e claro, dos alunos. Foi por meio de uma aluna que conseguiu contato com um coordenador de uma escola de Portugal, que tudo isso aconteceu.
Como foi o processo de estabelecer um acordo com esta escola de Portugal?
Os alunos possuem netbooks especiais para estudarem, que inclusive são controladamente usados. A Secretaria de Educação disponibiliza uma rede de wi-fi unicamente para estes netbooks. Ou seja, nenhum celular ou outro computador consegue se conectar nesta rede. Com os “nets” conectados e em mãos, eu pedi para procurarem escolas destes países que falam nosso idioma, e claro, de maneira muito educada, apresentar a ideia, que queríamos trocar cartas com eles, etc. No entanto, fomos surpreendidos com a falta de feedback, pois nenhuma escola nos respondia. Até que, a minha aluna Isabelle Ruiz Paggioro, recebeu uma resposta, de uma escola que ela havia encontrado no facebook. Foi aí que eu entrei no processo, e enviei um e-mail formal para o coordenador que havia respondido. A escola portuguesa aceitaria com uma condição: se curtíssemos a página do Facebook deles. Imediatamente fizemos uma mobilização entre os alunos e nossos amigos, e em questão de dias, a página da escola deles tinha aumentado em 300 curtidas. Assim estava firmado o acordo de trocas de cartas, entre alunos do Cáfaro, e da “Escola Secundária de Loulé”, no extremo sudoeste de Portugal. A eletiva, assim, ganhou o nome de “Epístolas Luso-Brasileiras”.
Porque será que vocês não obtiveram muitas respostas?
Creio que nossos e-mails caíram na caixa de “spam” das outras escolas, devido a mensagem ser originada de outro país. Desconfiados de ser vírus, acho que ninguém abriu o nosso e-mail. Como no Facebook não existe esse filtro de mensagens, tivemos êxito com o feedback.
Seus alunos ficaram empolgados com o fato da ideia da eletiva se concretizar?
Sim, muito. Eles escreveram sobre suas experiências, e o melhor de tudo, é saber que a partir disto, podem começar a desfrutar de grandes amizades, pois sabemos que as cartas fortalecem os laços. Se tratando de estabelecer laços com um país desenvolvido, chegaram até a cogitar sobre a hipótese de um futuro intercâmbio.
E do outro lado, será que eles ficaram felizes?
Também! O coordenador da escola de Loulé, Paulo Ribeiro, disse que os alunos gostaram muito da ideia. A uma altura dessas (20 dias após as cartas terem sido enviadas), eles já devem ter recebido e quem sabe até respondido. Não só os alunos como eu também estou ansiosa para ler as respostas dos portugueses.
Vocêê tocou no assunto “intercâmbio”. Acha que futuramente pode se concretizar?
O êxito de nossa eletiva chegou à Diretoria de Ensino, onde lá se levantou a hipótese. Por enquanto não há nada de concreto, mas nada impede que a ideia seja pautada de maneira séria futuramente.
Você disse que a eletiva é semestral, então ela já se finalizou?
Sim, mas ao final de toda eletiva, é organizado um evento com presença dos pais dos alunos, alunos, diretores da escola e etc., para ser mostrado o resultado de tal experimento. A nossa conferência atraiu até mesmo membros de Diretoria Regional de Ensino. Nós organizamos o ambiente da escola com cartas penduradas ao teto, para que o público pudesse ler. Foi um sucesso, e a última parte da eletiva, que é o retorno das cartas dos portugueses, está prestes a acontecer.