Está difícil fazer planos para este ano. Os números da pandemia voltam a crescer e estamos completamente sem previsão. Como sonhar com trabalho, com viagens, com reuniões entre amigos ou familiares?
Não estou pessimista nem otimista; ando assistindo ao espetáculo suicida de algumas pessoas diante do vírus assustador – que na verdade mal conhecemos. É praia lotada, pancadão nas ruas, gente aglomerada nas compras de fim de ano... Não julgo ninguém, mas deveria haver um esforço universal para que ninguém mais pegasse a doença, por vários motivos: pelo sofrimento dos que venceram a doença, pelas famílias que tiveram perdas e pelos profissionais de saúde que já, há algum tempo, estão exaustos.
A impressão que dá é que anunciaram o fim do mundo e muitas pessoas saíram para a última festa. Não pensaram em nada; é o “carpe diem” mal entendido na sua essência. O “aproveite o dia” significa curta o dia, não deixe nada para trás, resolva suas histórias, mas muita gente mergulha na vida como aquelas formigas que morrem no fundo do copo de refrigerante de tanto saborear o líquido doce. É uma questão de como olhamos o mundo e para o outro, o que demonstra claramente como educamos e fomos educados.
Na minha postagem de Natal numa rede social, desejei muita esperança a todos, mas diante do que vimos na virada do ano, a decepção nos bate em cheio. No momento em que escrevo esta crônica, noite de quinta-feira, a UTI na ala de Covid em nossa cidade está com 90% dos leitos ocupados. O hospital Sírio-Libanês está 100% lotado e o Einstein, 96%.
Amanhã o governador fará um pronunciamento reclassificando o plano de flexibilização. Não sabemos se o comércio fecha novamente, assim como bares e restaurantes; se as aulas voltam ao formato presencial; se vão adiar a prova do Enem – como muitos alunos estão solicitando; se as pessoas que estão em home-office continuam; se quem está trabalhando tem o emprego garantido, enfim! Nunca me senti tão no escuro.
A única esperança é a vacina; que ela nos devolva a capacidade sonhar. Precisamos urgentemente voltar a uma vida afetiva mais rica sob pena de nos endurecermos. Como aprimorar nossa humanidade longe das pessoas queridas, dos abraços e dos beijos? Como resgatar nossos vínculos sem os almoços de domingo, sem as visitas, os encontros, as festas?
É muito triste apostar toda nossa fé somente na vacina, mas não vejo outra alternativa. O ser humano quer salvar o planeta, mas o polui; quer a cura da doença, mas se expõe; quer saber se há vida em outros planetas, mas não cuida das que estão ao seu redor. Sonha com grandes passos sem olhar para onde pisam seus pés.
Há um provérbio chinês que diz “Antes de iniciares a tarefa de mudar o mundo, dá três voltas na tua própria casa”. Há ainda muito o que fazer em nossa casa. Estamos longe de um salto evolutivo e não vejo outro caminho para se chegar a isso que não seja pela educação.