Crônica

Crônica Em nome da filha por Eliana Jacob



Crônica Em nome da filha por Eliana Jacob

Nosso carro passava  devagar em frente ao bar da esquina, quando ela disse: “É aqui!”. Estacionamos e ela desceu para falar com o pai. Tínhamos sido escolhidos para apadrinhá-la num evento para jovens promovido pela igreja. Os pais eram separados e ela morava com a mãe e o padrasto. Nossa tarefa era levá-la para dois dias de imersão com outros jovens; haveria palestras, depoimentos, música, tudo para que pudessem sair dali renovados. No domingo, nós a acompanharíamos na missa, ao lado de seus pais e seu padrasto.
Assim o fizemos, mas descobrimos desde o início que os laços entre eles eram frágeis; na verdade, o pai e o padrasto não se davam. Como estávamos estreando naquele papel, ficamos ansiosos, preocupados com a responsabilidade depositada em nós. E se um deles não fosse à missa? O que faríamos para não desapontar a filha?
Ela conversou com o pai, ficamos observando de longe. Ele disse poucas palavras e ela voltou para o carro. Estava aparentemente feliz: “Ele disse que vai”. Fomos embora, não restava fazer outra coisa a não ser esperar.
No domingo,  chegamos à igreja; seu pai e sua avó esperavam lá fora; os outros já estavam lá dentro. Os bancos da frente eram reservados aos pais; quando começasse a cerimônia, os filhos se juntariam a eles.  Isso me preocupou. Será que vão se sentar lado a lado?
Explicamos para o pai que ele deveria se sentar lá frente também e ele nos acompanhou. Encontramos o padrasto e a mãe no corredor central da igreja e, de início, um clima desconcertante se estabeleceu. Mas para nossa surpresa, o que veio em seguida nos impactou profundamente. O padrasto estendeu a mão ao pai  e perguntou: “Amigos?” Houve  um longo instante de estranhamento, de susto talvez!  E  o outro, estendendo a mão, respondeu : “Amigos!”
Isso aconteceu há uns quinze anos, mais talvez!  Entretanto, o que senti naquele momento foi uma emoção diferente:  uma alegria silenciosa, uma vontade de fechar os olhos e só respirar, não pensar em nada. Fiz poucas coisas importantes na vida, essa foi uma delas.
Não tive mais notícias daquela família, não sei se a amizade realmente se firmou, se continuaram se vendo, se falando. Só sei que naquele dia, diante de Deus, eles fizeram um pacto. Com certeza, em nome da felicidade da filha. Para mim, bastou!