Crônica

Crônica: Escreva para que eu te veja – Por Eliana Jacob Almeida



Crônica: Escreva para que eu te veja – Por Eliana Jacob Almeida

Existe uma máxima - de que gosto muito - atribuída a Sócrates: “Fala para que eu te veja”. Mas creio que o escrever também nos retrata; chamamos isso de estilo. Por mais que estejamos no mesmo momento histórico, no mesmo país, usando a mesma língua, as escolhas de palavras e as construções linguísticas são muito particulares.

Em um filme de guerra – de que não me lembro o nome - a protagonista era espiã e trabalhava com telégrafo. De outro país, mandava as mensagens secretas para seus superiores. Assim que foi descoberta e presa, os adversários tomaram seu lugar e começaram a mandar notícias falsas. Logo nas primeiras, um colega de trabalho levou a correspondência ao seu chefe e disse: “Ela está nas mãos do inimigo. Jamais teria escrito essas palavras e dessa maneira”. Achei fantástico!

Uma aluna me conta que estava teclando com seu namorado e, de repente, ele mandou uma frase diferente. A sogra, de zoeira, sentou –se no lugar dele - enquanto ele foi para o banho - e tentou continuar a conversa. Na mesma hora, minha aluna mandou: “Pode parar, sogrinha, sei que é você”. Isso porque, explica a menina, as palavras estavam devidamente acentuadas, uso correto de pontuação e não havia abreviações. Pronto! Percebam que nesse caso, não foi preciso nem ver a letra do outro para identificá-lo.

Na semana passada, tive mais uma prova do quanto o bom domínio da língua é importante, neste caso, importantíssimo!  Tentaram passar um golpe na minha cunhada. Na mensagem em que dizia ser sua filha, o rapaz contou que seu celular estava com problema. Havia trocado o número e precisava de dinheiro. A mãe deveria depositar direto na conta de um fornecedor.

De início, minha cunhada acreditou, porque ele pegou a foto do WhatsApp de minha sobrinha e usou no novo número. A conversa se estendeu: “Tá bom, filha, já comprei a batata da sopa que você queria, depois você passa aqui para jantar”. Mas do outro lado, o rapaz tinha pressa e começou a pressioná-la. Queria que o depósito fosse feito naquela hora; então, seguiram-se as seguintes mensagens: “Mãe a senhora está ocupada”; “Estou precisando fazer uma transferência MAIS meu aplicativo não ta dando certo”. Ela achou estranho a falta de vírgulas, ponto de interrogação e acentos, e o MAIS no lugar de MAS. Toda a família do meu marido zela muito pela expressão linguística; mesmo nas conversas mais informais, todos têm um português impecável. Embora considerasse o fato de que no momento de pressa, a filha poderia ter derrapado, começou a desconfiar. Suou frio, coração disparou pensando na possibilidade de a filha estar sequestrada. Em poucos minutos, sua cabeça deu a volta ao mundo pensando nas piores situações.  A conversa continuou. Como ela disse que meu cunhado faria a transferência, recebeu da “filha”: “Mãe estou MEIA ocupada passa os meus dados para ele.” E para finalizar:  “Assim que ele FAZER a transferência fala para ele me mandar o comprovante”.

Nessa hora, seu coração voltou ao compasso normal. Sua filha jamais cometeria tais deslizes. Com a certeza de mãe que conhece sua cria, disparou uma série de impropérios. Fiquei encantada em ver como nosso estilo nos define. E sem querer puxar a sardinha para o meu lado, estou convicta: em muitas situações, o bom português salva!