Crônica

Crônica - Lembra-te de que és mortal por Eliana Jacob



Crônica - Lembra-te de que és mortal por Eliana Jacob

Sempre que observo a dificuldade que temos em acatar alguns conselhos, percebo que por trás desse comportamento existe uma vontade enorme de ser feliz. Ninguém faz ou deixa de fazer algo para atingir o outro; na maioria das vezes, o que se pretende, antes de qualquer coisa, é a própria satisfação, e aí...
O marido foi embora e, de repente a cama ficou muito grande. Então ela coloca o filho, ainda bebê, para dormir com ela. Todo mundo sabe que isso não é bom, que o filho não pode tomar o lugar do pai, etc, mas quem, ao entrar no quarto, e ver os dois dormindo abraçados e felizes, tem coragem de separá-los?
Ele tem três empregos, corre muito, leva uma vida estressante, não tem tempo para um hobby, nem para acompanhar os amigos a um clube. Seu grande prazer é fumar. Quando acende um cigarro, sua expressão muda, seu coração volta ao batimento normal, o mundo se acomoda. Quem vai dizer a ele para abandonar o vício?
Ela está muito gorda, começa dietas toda segunda-feira, faz um sacrifício danado para resistir às tentações,  mas quando vê um sorvete, um pudim, uma torta... esquece tudo e “se joga”. Seus olhos brilham, sua boca saliva... meu Deus!  Alguém, em sã consciência, vai conseguir dizer:  “Ei, não se delicie tanto  assim...”?
É difícil ter juízo nesse sentido e seguir as  orientações corretas porque do outro lado, há quase sempre, um prazer nos acenando. Lembra quando a gente era criança e a mãe dizia: “não ande descalço”, “não tome chuva”, “não suba em árvores”? Tudo aquilo era para nos proteger, mas pensem bem, o que seria da nossa  infância sem andar descalço, tomar chuva, subir em árvore?
As regras de etiqueta aconselham as mulheres a não tirarem o sapato no final das festas, mas morro de inveja das garotas que dançam leves e livres, sem a elegância do salto alto, no momento em que a festa fica mais descontraída, por  isso,  melhor.
Aquele relacionamento vai do nada para lugar nenhum, todo mundo sabe, mas  preenche um vazio enorme que havia em sua vida,  e então, ela começa se arrumar, se anima em sair, volta aos  estudos...como dizer a ela para não vibrar, não sonhar, não ser feliz?
É claro que não devemos nos esquecer de que vivemos em sociedade e que é preciso seguir regras. Mas não devemos também viver aprisionados, perseguindo incansavelmente a perfeição. Contam que na Grécia Antiga, quando um general vencia uma batalha, ele passeava na cidade para ser homenageado pelo povo. Era levado em uma biga, dirigida por um escravo  que tinha como tarefa, parar várias vezes, descer e falar ao seu ouvido: “Lembra-te de que és mortal”. Isso acontecia para que o sentimento de glória não  inflasse seu ego,  alimentando exageradamente sua vaidade.
Quando penso na dificuldade que temos de  seguir alguns conselhos - geralmente de quem nos quer muito bem - fazer o certo, do jeito certo, na hora certa, me vem essa máxima – “Lembra-te de que és mortal”. Sim, somos mortais, frágeis, cheios de imperfeições, e o pior,  com o péssimo costume de querermos ser felizes. Pensando assim, vou tentando, aos poucos,  ficar livre de julgamentos, expectativas e culpa.