Crônica

Crônica Olhar desconfiado por Eliana Jacob



Crônica Olhar desconfiado por Eliana Jacob

A questão do merecimento é muito polêmica em nosso país. Há algum tempo, percebo que as pessoas que trabalham e conquistam uma boa posição social e econômica nem sempre são bem vistas em nossa sociedade e isso se dá por dois fatores: religioso e social. Primeiro, vem a culpa cristã plantada pelos jesuítas que aqui chegaram à época do descobrimento. A mentalidade que vingou é de somente quem é pobre e humilhado será salvo. Aquela máxima que diz “ é mais fácil um rico passar por um buraco da agulha do que entrar no reino dos céus” geralmente assusta quem está vencendo na vida.  O  que há é uma interpretação errada do que seja o buraco da agulha. Naquele contexto, esse era o nome de um portão em Jerusalém bem estreito; significava que um camelo só poderia passar por esse portão se agachasse e fosse descarregado.

A outra questão é social e diz respeito ao  rótulo que as pessoas bem-sucedidas recebem. A pessoa trabalha, se empenha em estudar, se especializar naquilo de que gosta, e quando vem a recompensa financeira,  tornam-se “privilegiadas”,  “parte de uma elite” e seus méritos são desconsiderados.

Essa visão é amplamente difundida nas novelas e filmes em que há sempre um pai rico – explorador, desonesto, mau caráter – e um filho rebelde, que despreza o dinheiro do pai. Raramente vemos na ficção um homem abastado, honesto,  respeitado pelos filhos. Essa imagem ajuda a construir a ideia de pessoas ricas são desprezíveis; não importa quanto lutaram para chegar até ali; se enriqueceram, “com certeza” foi fazendo algo errado.

Não quero dizer com isso que não haja desigualdade em nosso país; existe e é gigante. As oportunidades não são iguais para todos – a começar pelo direito à saúde e à educação de qualidade. Com a pandemia, o cenário é mais desolador ainda; é desemprego, fome, miséria. O governo não dá conta de tantos problemas e precisamos, sim, nos mobilizar. E não há dúvida de  que existem pessoas que realmente exploram, trapaceiam, roubam.

Precisamos, entretanto, evitar a armadilha da generalização. Existe também gente que luta, que persegue seus objetivos de maneira íntegra e vence as dificuldades da vida.  Esses não merecem um olhar desconfiado.