Crônica

Crônica: Que povinho! - Por Eliana Jacob Almeida



Crônica: Que povinho! - Por  Eliana Jacob Almeida

A enfermeira e familiares  armaram o esquema. Na sessão de vacina clandestina, cada dose custou 600 reais e trabalharam de madrugada. Um político, sua esposa,  um  empresário e vários funcionários tomaram a vacina de modo improvisado, na garagem de uma empresa de ônibus. Furaram a fila, burlaram a ordem, corromperam o cronograma. Quando foram descobertos, denunciados por um vizinho que filmou tudo, souberam que a mulher não era enfermeira, a vacina não era imunizante contra covid-19, enfim, tinham caído num golpe. Não sei quem é pior nessa história . São todos farinha do mesmo saco.
Esse caso me lembra uma piada muito difundida na minha infância. Deus estava criando o mundo, colocando um desastre natural em cada país e, no Brasil, nenhum. Um anjo, então, perguntou: “Senhor, em todos os países há uma tragédia ambiental e no Brasil nada?” Ao que Ele respondeu: “Espera para ver o povinho que Eu vou colocar lá.”
Não gosto de generalizações, acredito mesmo que somos um povo honesto e trabalhador, mas claro, aqui como em  qualquer lugar, há pessoas egoístas, que querem levar vantagem até mesmo nos momentos mais trágicos. Penso nesse “povinho” quando vejo alguém dirigindo e falando ao celular, colocando a vida dos outros em risco. Quando vejo gente aglomerada sem máscara, festando em barcos luxuosos no Amazonas podendo infectar os índios - completamente desprotegidos em lugares distantes. Que povinho!!!
Neste longo momento de pandemia, em que tantas pessoas perderam emprego ou tiveram sua renda diminuída, ou ainda, estão lutando para se manterem de pé,  outras, que não tiveram perdas financeiras, aumentam abusivamente os preços de seus produtos. Cadê a empatia?
Alguns governantes trabalhando com o conceito de “arquitetura hostil” mandam colocar pedras pontiagudas em baixo de viadutos para os moradores de rua não se acomodarem lá. Colocam divisórias de ferro em bancos de praça para que lá também não se deitem. Eles vão para onde?
Vi uma matéria na tv de pessoas que roubam gado de madrugada, mas entram na fazenda, descarnam o animal vivo e tiram somente as carnes mais caras. Um homem se irritou com os latidos do cachorro do vizinho e amputou suas duas patas dianteiras. Pessoas do exterior mandaram uma prótese para o cão.
Isso tudo me faz pensar: que tipo de povo nós somos? Até que ponto a dor do outro mexe comigo? O escritor uruguaio Eduardo Galeano tem uma frase  que encerra uma boa reflexão: “Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos”. Às vezes, é preciso mudar.