Crônica

Crônica Uns contra os outros por Eliana Jacob



Crônica Uns contra os outros por Eliana Jacob

 

Desde que o mundo é mundo, existe o conflito entre os opostos:  ricos x pobres, heterossexuais x homossexuais;  jovens x velhos;  pretos x brancos; os da cidade x os da zona rural.  Some-se a isso,  as variantes religiosas, as dos times de futebol, as dos partidos políticos. Isso não é novidade! Entretanto, cada dia que passa, surgem mais divisões e a impressão que se tem é de que, se sairmos às ruas, só vamos encontrar adversários.
Nas redes sociais está cada vez mais delicado se expressar. As “tribos” têm um vocabulário próprio e se você escorrega por um segundo, pronto! Já vem um rótulo. É como se apertássemos uma tecla, e puxassem nossa ficha completa. Por conta de um deslize no uso de uma palavra, já sentem que têm nossa caixa preta, com todos os nossos segredos.
A celeuma da vez é em torno da gíria “cringe”, criada por adolescentes para discriminar, rotular e debochar dos jovens de 20 anos. De acordo com esses adolescentes, são motivos de zoeira certos comportamentos, como tomar café, falar em pagar boleto, usar calça skiny, fazer pesquisa, tomar cerveja de litrão, dentre outros.  Nem vou entrar no mérito do quanto essas ideias são incoerentes e sem sentido; o que chama a atenção  é perceber um conflito entre pessoas de idade muito próximas.
Essa gritaria me lembra outra polêmica que surgiu  no sul há alguns anos, onde os ricos – que bebiam champanhe em taças de acrílico na praia -  foram vítimas de deboche por parte dos muitos ricos, que julgavam adequadas  as taças de cristal. Que problema sério o deles, não?
O que torna cada vez mais nítido é como nossa sociedade está se dividindo; parece que há uma engenharia que estimula essa polarização a fim de nos tornar mais sozinhos, mais frágeis, mais medrosos. As pessoas se sentem no direito de enfiar o dedo no nosso nariz e cobrar comportamentos. Eu uso máscara desde o início da pandemia e agora, mesmo vacinada, continuo usando. Mas todas as manhãs, dou uma volta no quarteirão com o meu neto, que sai em disparada e saio correndo atrás. Nessa situação, não uso máscara, porque estamos correndo ao ar livre, num bairro pouco movimentado. Pois toda manhã, uma vizinha ao ouvir meu “bom dia”, grita de dentro do portão “Cadê a máscara?”
Sinto que caminhamos para o estranhamento: quem é o outro? Ele pertence a minha bolha? É amigo ou inimigo? Está muito chato viver nessa sociedade tão craquelada. Parece que o que estão valendo mesmo são aquelas máximas:  “quem for de vidro que se quebre”, “quem for de papel que se rasgue” e “quem for de isopor que se esfarele”.  E salve-se quem puder!