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Dar Educação é dar Amor



Dar Educação é dar Amor
Içami Tiba, médico psiquiatra, deixou a vida universitária e acadêmica para se dedicar a projetos como o “Integração Escola e Comunidade” e afirma que pretende ser não apenas mais uma “lâmpada em uma biblioteca, quer levar luz onde há escuridão”, como em uma cidade no sudoeste na Bahia, Santo Antônio de Jesus, onde visitou e acompanhou a implantação de seu projeto. Tiba esteve no último dia 8, através de uma parceria entre Unicastelo e Colégio Anglo, ministrando uma palestra na Casa de Portugal. Ele apóia as ações coordenadas por Evandro Pelarin, juiz da Vara da Infância e Juventude de Fernandópolis, afirmando que a “Operação Avenida” não castra ninguém, e sim, educa.

CIDADÃO: Além do amor e do carinho que devemos ter com nossos filhos, como alcançarmos uma boa educação dosando liberdade e disciplina?
TIBA: Existem alguns conhecimentos que acho essenciais para uma boa educação. No caso de disciplina, por exemplo, temos que saber que disciplina se constrói, se deixarmos pela vontade das crianças, o “reino das vontades” não tem muito parâmetro e depende muito mais do que a criança tem dentro de si, e é o adulto que vai tornar essa vontade realizável e adequada ou não. Educação hoje depende de uma preparação dos pais, não utilizando o método antigo, que gosto de chamar de “antigo”, mas muito mais voltado à cidadania, à ética, não somente corrigindo os filhos quando estes fazem alguma coisa errada.
Não tem como um pai educar o filho se ele não tiver uma boa educação. Não chega a ser uma espécie de manual, mas hoje a educação é muito mais racional, tem que ter um objetivo, de fazer do filho um cidadão. O foco da educação como cidadania envolve uma série de detalhes. Nós somos atualmente mais de 6 bilhões de pessoas no mundo, e se a gente não aprender a conviver com o outro, cada um fazendo o que tiver vontade, esse mundo vai acabar. Ninguém vai pensar em preservar, em cuidar, para as futuras gerações que estão por chegar. Quanto mais bonzinhos, sem cultura, sem uma boa educação, não sabem cuidar do ambiente, e conseqüentemente do grande ambiente que é a terra, e não se tornam cidadãos, tanto os filhos quanto os pais que também não receberam uma educação adequada, com valores culturais.
Cidadão não é aquele que só obedece às regras, mas aquele que luta contra o que está errado, e nós, povo brasileiro, quando vemos algo que não está certo nós fechamos os olhos, não reclamamos. A culpa não é só do político, é também daquele empresário que corrompe. Mas os dois estão errados, e temos que apontar isso, e não aceitar essas coisas erradas, para conseguirmos reger uma convivência pacífica e progressiva entre as pessoas.


CIDADÃO: Em casos como o de Suzane von Richthofen, ou dos irmãos em Brasília, um de 17 anos, namorado da própria irmã por parte de pai, de apenas 13 anos, que mataram o irmão caçula de 12 anos, podemos pontuar falhas na educação dessas crianças?
TIBA: Podemos sim. A tentativa dos pais, no caso de Brasília, de constituírem uma nova família, com um irmão de um outro casamento, em seu funcionamento interno, uniu “diferenças” que ao invés de servir para acrescentar, serviu para explorar, no caso o irmão mais novo, pois os dois irmãos que mataram o caçula queriam um resgate em dinheiro. Repetiu um sistema muito cruel que a sociedade tem, que para uma pessoa se sair bem, tem que prejudicar o outro, explorar o outro, e isso não é uma conduta cidadã desejada. Portanto, essa nova família tem que funcionar como se fosse já o próprio agrupamento ou uma cidade. Hoje se fala em cidadania familiar, porque o que é bom para um tem que ser bom para todos.
Esses irmãos mais velhos devem ter se sentido sem tanto privilégio perante a nova família, e acabou se criando uma situação de crime hediondo. As bases das duas cidadanias, a familiar e também a escolar têm dois pontos fundamentais. Primeiro ponto: não se pode fazer em casa e na escola o que não se pode fazer na sociedade. Não é porque ele sai da família e vai para a escola que ele poderá fazer tudo o que quiser sem se preocupar com os outros. O único momento da família se reunir é no horário do jantar, e o filho não quer se sentar à mesa para o jantar, com a desculpa de que não está com fome, mas depois de meia hora ele vai querer comer, então a desculpa de não estar com fome não pode ser aceita, ou a desculpa de que está ao computador. Os pais não podem aceitar isso dos filhos. Não está com fome, não coma, mas sente-se à mesa com a família, pois existe uma condição maior que leva os pais e os irmãos a se sentarem juntos para a refeição, pois é o alimento da família e um momento de atualização. A atualização hoje é um elemento fundamental da educação. Nesse momento se pode falar o que aconteceu durante o dia, é um momento para brincadeiras, para as boas fofocas, para se contar algo interessante. E a atualização é muito importante também porque não podemos achar que o que nós sabíamos ontem valerá para sempre. Porque da época dos avós, dos nossos pais muitas coisas mudaram. O meu certo de ontem, devido à grande alteração de inúmeros critérios, pode não ser o mais adequado hoje. Nenhuma empresa, por exemplo, quer um funcionário com espírito de filho, ou espírito de estudante. Tanto formamos mal nossos filhos e nossos alunos, que ou eles fazem um esforço para poder entrar para o trabalho, que é um mundo totalmente diferente do qual ele foi preparado, ou ele será uma pessoa não-inserida neste mundo.
Quem quer um funcionário que trabalhe somente no dia do pagamento? Este é o aluno que estuda só na véspera da prova. Quem quer um funcionário que desrespeite e xingue o chefe? É o filho que ofende os pais. E se os pais não fizerem o que ele quer, ele apronta um escândalo. Já pensou se quando um funcionário quiser um aumento ele for fazer birra para o patrão? Não existe isso. Então nós temos que reformular um pouco esse posicionamento para que as pessoas comecem a se sair melhor em diversas situações, desde o momento em que começam a aprender, e não simplesmente pensar que quando nossos filhos forem maiores nós iremos ensinar direito, que a sociedade ensina, quantas vezes eu escutei “a vida vai ensinar”. Não podemos mais nos eximir da responsabilidade de educar e ensinar nossos filhos e nossos alunos. Eu acho que a qualquer momento a mudança é possível se houver motivação. Se não mudarmos nossa educação, muitos pais continuarão perdendo seus filhos para os “amigos” da escola, da vizinhança, da rua, do “grupo” de adolescência. Se só broncas educassem, nossa!, O tanto de broncas que nós levamos. Mas nós não sabemos educar. Todas as vezes que os filhos começam a se alimentar do “grupo” de amigos, os pais devem saber o que os filhos fazem. A escola, por exemplo. Quem disse que os alunos não gostam da escola? É claro que eles gostam, são as aulas que atrapalham. Eles adoram a escola, ficar no portão da escola, na porta das classes, fazendo aquele bochicho todo. Mas entrar na sala de aula mata a característica do adolescente. E o professor se orgulha em dizer que sua classe é maior silêncio. Mas espera um pouco, o aluno, o adolescente não aprende com silêncio, ele aprende participando. Pois o que ele faz com os amigos, ele participa, ele está inserido no grupo. Agora, na classe ele tem que se reduzir à situação de uma criancinha, só escutar. Isso não é educar.

CIDADÃO: Em Fernandópolis, o juiz da Vara da Infância e Juventude, Dr. Evandro Pelarin, implantou uma ação conjunta entre Polícias Civil e Militar, OAB, Ministério Público, Conselho Tutelar e Poder Judiciário, denominada “Operação Avenida”, onde há um horário, 22 horas, determinado como “Toque de Recolher” para os menores de idade, que não podem permanecer nas ruas sem a companhia de seus pais ou responsáveis. Como o sr. vê essa ação?
TIBA: O juiz Evandro Pelarin estará na palestra? (ao ser informado que sim, soca o ar e diz: YES!).
Muito bem, ele tomou uma medida muito acertada. E eu vejo em vários lugares medidas como essa já dando frutos. Não respeitando um horário para voltar das famosas baladas, os filhos instituem o reino da folga. Em meu programa “Quem Ama Educa”, no canal de TV ‘Rede Vida’, eu divulgo um projeto chamado “Integração Escola e Comunidade”. A escola tem um período ocioso que deve ser utilizado, bem como o espaço físico da instituição de ensino. E uma comissão mista, formada por educadores, pais, e moradores da comunidade, decide quais atividades, de esporte, cultura e lazer, devem ser implantadas na escola, que passará a ser representativa para comunidade, e por sua vez, protegida pela própria comunidade. E, quanto ao fato de Policiais Civis e Militares terem contato direto com os menores durante as ações coordenadas pelo Dr. Evandro, considero que isso é extremamente necessário sim, pois os maiores transgressores não são aqueles que não estão nas ruas, são aqueles que saem de casa, bebem e daí aprontam. O maior número de mortos, com exceções às chacinas de disputa entre traficantes nas periferias dos grandes centros, concentra-se aos sábados e domingos onde não tem o “Toque de Recolher”, quando menores e jovens bebem, pegam os carros dos pais, saem e matam os outros e se matam. Precisaria morrer todo mundo para se tomar alguma medida? E a medida é a preventiva, ela ensina, não está castrando, está educando. A pessoa que tem a responsabilidade de voltar para sua casa, está criando algo muito importante: ele pertence a uma família. O menor, o jovem, os adolescentes nunca devem pensar que podem fazer tudo o que querem. Eles não podem. Se eles têm uma família, que voltem para a família. O espírito de “pertencer” a uma família é que impedirá que o jovem seja subjugado por um grupo ou explorado.