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“Digam ao povo que fico”



“Digam ao povo que fico”

Após ser ventilada a possibilidade da OSFER – Orquestra de Sopros de Fernandópolis se transferir para Votuporanga por conta não contratação do regente Fernando Luis Paina pela Prefeitura de Fernandópolis, CIDADÃO procurou o maestro que disse não ter nenhuma proposta. Ele foi muito elogiado durante apresentação em um festival literário da vizinha cidade e chegou receber uma honraria da Câmara Municipal de Votuporanga. Ainda assim, ele resumiu sua situação e deixou claro que se houver proposta de qualquer cidade ele poderá deixar Fernandópolis. “Qual pessoa em sã consciência iria recusar uma proposta de emprego estando desempregado?”.

 

Como e quando recebeu o comunicado de que seria exonerado do cargo? Qual sua reação?

Há muito tempo vinha se falando sobre a possibilidade dos cargos em comissão terem que ser regularizados ou acabariam sendo desativados. Somente cargos comissionados que servem para exercer chefias, direções ou assessoramento, chamados de primeiro escalão, que atuam diretamente ao executivo ou nas diferentes pastas administrativas do município como secretários e diretores estariam dispensados de concurso público, pois são considerados como de confiança. Os demais comissionados, ou seja, os que não eram de chefia, direção ou assessoramento automaticamente estariam descumprindo a Lei. Eu estava ocupando o cargo de diretor do teatro junto à secretaria de cultura e foi através do secretário de Cultura Vic Renesto que me explicou o que aconteceria e que ele estava muito preocupado com a situação de muitos na secretaria dele, pois sua pasta seria uma das mais prejudicadas pela ação judicial, devido à maioria de seus funcionários se encaixarem nos cargos que seriam extintos.

O que mudou no seu dia a dia a partir do momento em que não podia mais contar com o salário no final do mês?

Realmente não seria fácil a nova realidade que estaria vivendo daquele dia em diante, porém, sempre soube que um dia isso poderia acontecer não é mesmo. Eu não era concursado e segundo a Lei, o cargo poderia ser ocupado por qualquer um mediante concurso público. Não tinha o que fazer, muito menos, acredito eu, o secretário de Cultura, a Prefeitura, os vereadores, os companheiros dos clubes de serviços que se mostraram preocupados com minha situação, aos quais só tenho a agradecer e dizer que fico honrado pelo carinho e respeito que tiveram e estão tendo por mim.

A sensibilidade por parte da população e de alguns vereadores com sua situação financeira também tem sido alvo de apelos à Prefeitura. Como o maestro sobrevive atualmente?

Eu só tenho a agradecer a população de Fernandópolis em especial a minha família, amigos, aos pais e alunos que atendemos na Orquestra, aos queridos e incansáveis vereadores que levantaram essa bandeira, aos diretores da OSFER, ao conselho municipal de cultura, a secretaria de Cultura, administração e indispensavelmente “A Música”, pois todo esse amor e apelo não é somente por mim e mais sim pelo bem da música que ensino com muito respeito e dedicação e que só me deixa cada vez mais orgulhoso de fazer o que faço e jamais deixar as dificuldades fazerem eu desistir.

Há 18 anos eu tive o prazer e privilégio de formar uma parceria com a pianista, professora e solista Adriana Permigiani para ocasionalmente tocarmos em cerimônias de casamento. Deste adorável e harmonioso dueto resolvemos ampliar nossos compromissos e criamos o cerimonial musical “Celebrare” que tem como principal objetivo fazer parte dos sonhos de uma data tão especial e contá-los através dos sons emanados pelas vozes e instrumentos que compõe nosso grupo hoje. Graças à qualidade e profissionalismo expandimos nosso empreendimento e realizamos cerimoniais musicais não só de Fernandópolis como também das cidades de Jales, Rio Preto, Votuporanga e estado do Mato Grosso do Sul e Goiás.

Se sente de certa forma desvalorizado em uma cidade onde você sempre se dedicou para manter uma orquestra de qualidade?

Seja qual for seu trabalho sentir-se apreciado é importante para termos uma sensação de satisfação e bem-estar geral no dia-a-dia. Se eu me sentisse desvalorizado, isso poderia interferir na minha felicidade, bem como no meu desempenho e entusiasmos na vida e também na qualidade musical que a orquestra apresenta hoje. Por todos os anos que tive a frente da orquestra sempre foi difícil e acredito que sempre será, pois não é fácil remar contra a maré e ir contra os modismos que há milênios ocupa a mente e a vida da sociedade.

Recentemente a Prefeitura respondeu requerimento por parte da Câmara sobre sua contratação e avisou que quando houver dotação orçamentária será realizado concurso público. Isso lhe traz esperanças?

A prefeita Ana Bim já havia se mostrado preocupada com este assunto em sua gestão anterior. Através da Lei complementar nº 50 de 23 de outubro de 2006 ficou criado junto ao Quadro de Pessoal da Prefeitura Municipal de Fernandópolis o cargo de MAESTRO, porém devido todas as mudanças administrativa que estavam tendo na época e falta de recurso ficou difícil a realização do concurso. Acredito que logo que a prefeitura possa realizar um concurso, não só este mais sim um para ocupação de todos os outros cargos que ela necessita a cidade só tem a ganhar.

Quando a orquestra se apresentou no FLIV – Festival Literário de Votuporanga vocês foram muito elogiados e foi ventilada a informação de que a Prefeitura de lá tinha interesse em sua contratação. Houve algum convite oficial?

É sempre bom quando nos apresentamos e as pessoas nos elogiam. Isso mostra que o trabalho é sólido e de qualidade. Vejo que cada dia os participantes da OSFER estão no caminho certo. A diversidade musical apresentada vem realmente encantando o público e muitas vezes as pessoas ficam admiradas por eles serem tão jovens e demonstrarem tamanha qualidade. Desta vez em especial, os elogios vieram de pessoas que entendem de música como o diretor da Centro Cultural de Votuporanga, que possui mestrado em música pela Unicamp, o maestro Mazinho, pela secretária de Cultura e Turismo Silvia Brandão e pela promotora de cultura Marinez. Também recebemos na semana passada um ofício da Câmara Municipal de Votuporanga em nome do vereador Jura “Congratulações ao maestro Luís Fernando Paina e aos jovens e talentosos músicos da OSFER, pelos relevantes serviços prestados a toda região, com apresentações brilhantes e encantadoras, em especial, sua participação no FLIV 2014, onde no palco da Concha Acústica promoveu magnífico concerto”. Tirando isso, até onde eu sei, nada mais foi falado ou comentado comigo.

Se houvesse o convite, iria?

Qual pessoa em sã consciência iria recusar uma proposta de emprego estando desempregado? Não só iria para Votuporanga, como para Rio Preto, São Paulo, China, Costa Rica, EUA ou qualquer outro lugar que eu possa desenvolver meu trabalho. Tenho que pensar no bem estar de minha família e sem dinheiro não tenho como viver. Aliás, ninguém vive sem dinheiro. Seja pouco ou quase nada, infelizmente precisamos dele para viver, porém é aqui em Fernandópolis que tudo realizei e quero ficar. Ainda acredito que as coisas devam mudar. Se eu não acreditar quem mais irá não é mesmo? São muitas as pessoas querendo e fazendo para resolver essa situação e vejo que uma hora tudo dará certo.

Além do âmbito artístico, como analisa a importância do trabalho social que é realizado por meio da música e quais as perdas para Fernandópolis caso a OSFER seja extinta?

Não vejo a mínima possibilidade da OSFER ser extinta, pois a Corporação Musical de Fernandópolis é uma associação civil de direito privado, sem fins econômicos, fundada em 20 de outubro de 1970, declarada como de utilidade pública por força da Lei Municipal nº 125 de 05 de abril de 1.971 e tombada como Patrimônio Artístico e Cultural pela Lei nº 3.470 de 18 de maio de 2009 se mantem com um subsídio da Prefeitura Municipal, com ajuda de custos de apresentações realizadas na região e de recursos conquistados através das Leis de Incentivo à Cultura.

Através da música, as crianças aprendem a conhecer-se a si próprias, aos outros e à vida. E, o que é mais importante, através da música as crianças são mais capazes de desenvolver e sustentar a sua imaginação e criatividade e desta poderão aprender a apreciar, ouvir e participar na música que acham ser boa, e é através dessa percepção que a vida ganha mais sentido. Nosso principal objetivo é usar a prática educacional musical não só para ensinar música, mas sim para desenvolver a mente das crianças a fim de que elas possam pensar e raciocinar logicamente, incluir a elas habilidades intelectuais, tradicionais e sociais, dando a elas compreensão para uso destas habilidades e criar Homens que sejam capazes de fazer coisas novas e não simplesmente repetir o que as outras gerações já fizeram. Criar Homens que sejam criativos, inovadores e descobridores. Desta forma a música satisfaz a necessidade de criação das crianças desenvolvendo sua inteligência, sua capacidade de apreciar o belo e enriquecendo sua vida.

“ Portanto hoje, a nossa entidade é um instrumento de cidadania.”

O que seria mais vital no momento, sua contratação definitiva pela Prefeitura ou a conquista de um local adequado para a sede da Orquestra?

A instituição possui um núcleo de ensino voltada para educação musical, onde oferece, gratuitamente, aulas de música aberta para toda sociedade Fernandopolense. Graças a este núcleo educacional, a instituição conta com três Orquestras de Sopros: Orquestra do Futuro (nível iniciante), Orquestra do Amanhã (nível intermediário) e a Orquestra de Sopros de Fernandópolis além dos grupos de flauta doce, musicalização infantil e violão. Atualmente, a Corporação atende aproximadamente 200 crianças, presta serviço voluntário a outras entidades assistenciais da cidade e também proporciona estágios educacionais, sociais e culturais para universitários da cidade. Hoje eu ainda que coordeno e faço a direção artística e musical da entidade, porém um dia pode não ser mais e acredito que uma sede coerente ao trabalho que a instituição desenvolve só viria a somar para ampliarmos cada vez mais o público que atendemos.

O que mais aprendeu e o que tirou de lição desde que assumiu a regência da OSFER?

Hoje a Orquestra de Sopros de Fernandópolis realiza um trabalho musical e cultural de excelente qualidade, tanto que seu trabalho vem sendo elogiado e consagrado dentro do cenário musical por vários profissionais da área, mais nem sempre foi assim. As dificuldades e incertezas sempre estiveram presentes na história desta entidade e vejo que isso nunca foi motivo para que apoiadores e associados deixassem de fazer o seu melhor. O resultado disso é que a instituição é hoje.

Um modelo social e educacional de nossa cidade que muda a vida de muitos jovens. Modelo este, que serve de exemplo nas maiores convenções e fóruns pedagógicos musicais que acontecem pelo mundo a fora. Outro fato que me motiva muito é por exemplo saber que muitos desses jovens até já ultrapassaram fronteiras, levando-os a estudarem fora do pais. Hoje temos um músico da OSFER que ganhou uma bolsa de estudos e faz aulas em Paris em um dos melhores conservatórios de música do mundo. Nesta semana dois músicos da OSFER foram aprovados para estudarem no mais conceituado conservatório de música da América Latina – “Conservatório Dramático e Musical Carlo de Campos” na cidade capital da música Tatuí. O que posso dizer:

OSFER:Fazendo Música e Transformando Vidas!

O que a OSFER representa para você?

Para dizer o que a OSFER representa para mim é impossível não lembrar do professor Manoel Marques Filho que um dia foi a Escola Saturnino Leon Arroyo oferecer aula de música para tocar instrumentos de sopros e participar da banda cidade. Que da turma de 50 alunos somente um continuou e que mais tarde devido dificuldades políticas da época o entusiasmado professor não poderia mais dar aula. Depois de alguns anos, lá estou trabalhando em um posto como frentista, e vejo um fusca branco parando na bomba de gasolina. Era o professor Manoel e me perguntou se eu não gostaria de voltar a estudar, pois as coisas tinham melhorado e lá foi eu novamente. Porém, algum tempo depois a história se repetia.

Agora, com meus 16, trabalhava em uma cerealista de arroz e olha quem apareceu: o professor Manoel e mais uma vez retomamos as aulas. Desta vez, ele ia à hora da minha folga até a cerealista para tomar as lições do Bona. Eu ia todas as quintas-feiras até a antiga sede da banda que ficava Centro Social de Menores fazer aulas com o maestro Lucas. Depois veio a compensação. Estava pronto para começar a tocar um instrumento e me deram um saxofone para estudar. Com algumas dicas dos saudosos músicos Jonas Marin e Albano do Nascimento e do saxofonista João Batista lá estava eu tocando na banda da cidade. Mais tarde, a pedido do senhor Hermes Bressan, presidente da Corporação na época, fui estudar em Rio Preto com o maestro Jonas que posteriormente me indicou o conservatório de Tatuí para concluir meus estudos. Em Tatuí conheci um universo musical único, encantador e inovador e resolvi implantá-lo dentro da Corporação Musical. Graças a incentivadores da cultural local, Prefeitura e Câmara Municipal criamos a OSFER. Resumindo, “A OSFER é a história da minha vida”