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Eda Leci Honorato - Uma mulher de coragem



Eda Leci Honorato - Uma mulher de coragem
Ninguém resiste ao bom-humor de Eda. Apesar dos múltiplos afazeres e da grande responsabilidade, ela é uma mulher feliz e de alto astral, que anima qualquer ambiente. Delegada de polícia há 17 anos, Eda Leci Honorato é a titular da Delegacia da Mulher de Fernandópolis. Nascida na pequena Monções, mãe de Leonardo, um jovem publicitário de 22 anos que trabalha em Ribeirão Preto, ela é professora de Direito Penal e Processo Penal na Unicastelo – aliás, acaba de concluir o curso de mestrado, mais uma conquista na vida dessa guerreira que jamais perde o sorriso. Mas que não pensem os bandidos – ou os homens que agridem suas mulheres – que terão boa vida com Eda. Quando necessário, ela sabe “engrossar o caldo”. Rapazes, a guerra dos sexos terminou. Elas venceram.


CIDADÃO: As Delegacias da Mulher têm conseguido cumprir a função social para a qual foram criadas?

EDA: Muito. Tanto que vêm muitos profissionais de outros países visitar a Academia de Polícia em São Paulo em busca de profissionais do Brasil para conhecer o modelo da nossa delegacia. A DDM é pioneira, não existia similar nem no país, nem no mundo. É genuinamente brasileira, e o sucesso foi tão grande que instrutoras da polícia brasileira estão levando o modelo para o exterior.

CIDADÃO: Quando foram criadas as DDM?

EDA: Em 1986. Na época, foi um esforço da delegada Rosemary Corrêa. Ela lutou muito para a criação do modelo. A função social da delegacia da mulher tem sido cumprida e até supera as mais otimistas expectativas da cúpula da Polícia Civil. Tanto que foi preciso parar a criação de novas delegacias da mulher para melhorar a capacidade de atendimento das já existentes, tamanha era a demanda. Nem todo município comporta uma DDM, então a opção foi melhorar a qualidade e capacidade de atendimento das delegacias já existentes, principalmente nos grandes centros. A polícia investiu em pessoal, em recursos, viaturas, estruturas dos prédios, assistentes, psicólogos, convênios. Com a nova lei, é fundamental que a administração concentre esforços nesse sentido. Ainda ontem, eu vi no noticiário o presidente da Associação da Magistratura do Rio de Janeiro dizendo que é necessário um conjunto de políticas criminais para atender às necessidades da mulher. Aquele caso dos jovens que agrediram uma empregada doméstica na Barra da Tijuca teve muita repercussão, e esse juiz discutia justamente isso. Mas ele reconhecia que as condições para a elucidação de casos assim são hoje muito melhores do que alguns anos atrás. Então, é visível que a delegacia da mulher está alcançando seus objetivos.

CIDADÃO: A polícia brasileira é científica ou ainda é empírica?

EDA: É uma polícia científica na medida em que a polícia judiciária, numa investigação, trabalha com várias pedras de um quebra-cabeça, e tem que usar de metodologia para conseguir montar o desenho. Falo sempre para as estagiárias que isso depende fundamentalmente de conhecimento. Investigar é uma arte, e também depende de vontade, dedicação.

CIDADÃO: Como é a mulher investigadora? Ela leva para as investigações a famosa “intuição feminina”, o sexto sentido de que os homens não seriam dotados?

EDA: Um colega me ligou dizendo algo assim: “Eda, estou acompanhando esse homicídio – o caso da Carina – desde o início, e percebi sua preocupação na colheita de provas e na oitiva de testemunhas. Você sentiu algo muito estranho no ar”. E realmente, naquele homicídio (em 2 de junho, Claudinei Pestana matou a facadas sua amásia, Carina dos Santos, num bar de sua propriedade no Jardim Ilda Helena, em Fernandópolis) ficaram muitas dúvidas no ar. Pois bem, as investigações desfecharam a instalação de mais três inquéritos policiais que levaram a algumas prisões. Quer dizer: você tem que acreditar naquilo que a intuição lhe diz, e investigar aquilo que lhe traz dúvidas. Nós mulheres, acredito eu, atentamos mais para esses detalhes do que os homens.

CIDADÃO: A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06, também chamada de Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher) vai fazer um ano. Ela trouxe conscientização entre os homens, no sentido de perceberem que a legislação endureceu na questão da violência doméstica?

EDA: Sim, porque nós temos até atendido homens que nos procuram espontaneamente e dizem: “meu casamento não está bem, minha mulher e eu não estamos nos entendendo, e eu sei que se chegar a agredi-la irei preso. Será que não seria bom a senhora chamá-la para conversar?”. Quer dizer, os próprios homens estão buscando na prevenção a solução para os problemas. Eles estão tentando corrigir um desvio de comportamento, coisa que não acontecia antes. Nos plantões, aparece muita gente buscando orientação. Por que? Porque sabem dos rigores da lei. Isso também acontece em relação ao menor. Sem dúvida, o rigor da lei está produzindo efeitos. A “Maria da Penha” foi uma benção para a delegacia da mulher. Evidentemente, nosso trabalho aumentou muito. Basta ver que, no primeiro semestre de 2006, tivemos 45 casos de agressão contra a mulher. Neste ano, no mesmo período, já tivemos 120. É que hoje, a mulher não pode “tirar a queixa”, como elas dizem. Isso é bom, só pode ser feito perante o juiz. Antes elas “retiravam as queixas”, muitas vezes, porque eram ameaçadas. Atualmente, isso não depende delas. Fiz várias prisões em flagrante em que o homem me disse: “Doutora, ela não quer que eu seja preso”. E eu respondia: “Não é ela. Sou eu que quero prender você”. A lei tirou essa responsabilidade dos ombros da mulher. Pode até ser que não tenha diminuído a violência, mas é inegável que aumentou a punição. Hoje, já existe até a possibilidade legal de determinar que o homem se mantenha no mínimo a 500 metros de distância da mulher, seja na sua casa, seja no seu trabalho.

CIDADÃO: Você concluiu recentemente o curso de Mestrado. Foi difícil?

EDA: No Brasil, o número de mestres é pequeno, porque exige muito estudo, pesquisa, tempo disponível, e a gente tem as atividades paralelas. Quer dizer, é penoso, difícil. O custo também é elevado. Porém, é gratificante receber o título de Mestre. Fui indagada durante 2h20 por três doutores dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Você é testado, e quando atinge esse objetivo, percebe que toda a sua experiência concorreu para isso. Sou delegada há 17 anos, e isso me ajudou muito. É claro, você escolhe um tema, uma tese voltada para o seu dia-a-dia, o seu trabalho e área de conhecimento. Então, toda a bagagem e experiência numa delegacia de polícia, somada à experiência de magistério na Unicastelo, me ajudaram a conquistar o título. É muito gratificante.

CIDADÃO: Como é que você concilia a função de delegada, a professora e a vida pessoal sem perder o sorriso?

EDA: Não é fácil, não, mas a gente consegue (risos). Eu fico me perguntando: o que eu fazia, como preenchia minha vida antes de dar aulas? Na verdade, uma coisa preenche a outra. A experiência à frente da delegacia e o dia-a-dia da Universidade ajudam a transmitir alguma coisa para os alunos. Muitas vezes, a gente renuncia a um feriado e se enfia na delegacia para colocar em dia o serviço, mas dá para conciliar. Pelo menos por enquanto, está dando certo.