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“Encontro de vidas”



“Encontro de vidas”

Toda segunda-feira, dezenas de mulheres deixam seus lares para um encontro, uma rotina que já tem dois anos e cada vez ganha mais adeptas. O encontro ganhou até nome “Papo de Segunda”, numa alusão ao programa da GNT na TV fechada. A psicóloga Ieda Mara Carvalho de Paula, que atua no grupo como moderadora, não como psicóloga, diz que é um “encontro de vidas, um resgate relacional”. O encontro surgiu da necessidade das mulheres estarem mais atualizadas com o mundo moderno. No encontro, os temas são sorteados, mas alguns deles, como política, futebol, novela, religião, ou simplesmente falar da vida alheia, não entram na pauta. A psicóloga esclarece que não se trata de grupo de terapia. Prefere defini-lo como grupo terapêutico. Conheça o grupo nesta entrevista que Ieda concedeu ao CIDADÃO:


Explique como surgiu esse projeto “Papo de Segunda”?
O projeto nasceu da necessidade de algumas mulheres que me procuraram, há mais ou menos dois anos, com a queixa de estarem desatualizadas do mundo moderno e buscando interação social. Iniciamos com encontros nas casas das mulheres, que na época eram mais ou menos 12, e depois com o crescimento numérico não tínhamos mais sala que comportasse. Daí passou para o local que estamos hoje.
 No projeto, você atua como moderadora não como psicóloga. Como se dá esse processo?
Após tomar conhecimento do tema procuro estudar o assunto para que, ao conversarmos, não fique uma coisa vaga, sem profundidade. O papo é sério, mas não trato do assunto de forma cientifica, uso do senso comum. Ou seja, do conhecimento adquirido a partir de experiências, vivências e observações do mundo. Como moderadora apresento o tema de modo que, espontaneamente, elas começam a discuti-lo e expressar suas opiniões. Prezo pela ordem no grupo, de modo que todas tenham a chance de se expressar. Sempre falo que ali não está a Ieda psicóloga, mas tenho consciência de que não dá para não estar psicóloga num trabalho como esse.
A senhora coloca que não se trata de um grupo de terapia, mas terapêutico. Explique melhor... 
Para a terapia de grupo, são necessários alguns critérios de seleção dos participantes, do formato de trabalho, do profissional, da finalidade da psicoterapia. Existe um protocolo a ser seguido dentro desse tipo de processo psicoterapêutico Para o Papo de Segunda não seguimos critérios nem abordagem teórica. Trata-se de um grupo aberto que se beneficia da convivência e do compartilhamento de ideias e vivências de forma espontânea e criativa levando cada participante a um potencial e ambiente terapêutico singular. O que quero dizer com terapêutico? É quando de uma maneira peculiar, diferente e muito interessante cada participante, no seu tempo, permite se autoconhecer e expandir a consciência própria e a do próximo, através do seu melhor e do melhor do outro.
Quais os temas que são propostos para discussão do grupo?
Não falamos sobre política, religião, novela, futebol ou vida alheia. A cada encontro conversamos sobre um tema que é sorteado antecipadamente. Cada uma das participantes escreve o tema que gostaria de conversar e assim vamos sorteando. Já falamos sobre “melhor ser feliz do que ter razão”, ansiedade, depressão, como lidar com pessoas folgadas, relações e pessoas tóxicas, como dizer sim e dizer não, feminina ou feminista, desconfiança, resgate do feminino, saúde da mulher, conexão com a mãe, como ser mais leve em tempos difíceis... e por aí vai. Temos uma caixinha cheia de sugestões.
Por ser um grupo heterogêneo, reunindo mulheres de diferentes gerações, como se processa a interação?
De forma simples e muito respeitosa. Juntas aprendemos e ensinamos. É incrível ver mulheres de diferentes perfis, diferentes idades, diferentes vivências, reunidas e compartilhando suas histórias. O convívio entre o grupo é muito gratificante e enriquecedor. O Papo de Segunda é um encontro de vidas. 
Qual a contribuição que o grupo já reconhece neste projeto? 
A mudança dos sentidos. Visão, audição, paladar, tato e olfato modificados, ampliados, expandidos. Tenho visto e ouvido de várias mulheres que estão ali quanto elas puderam crescer, mudar e modificar algumas áreas de suas vidas. Sempre digo que tudo que acontece com elas é mérito delas, pois num coração ensinável não há limites.  
Quando dezenas de mulheres se propõem sair de casa numa segunda-feira à noite para participar de um grupo, qual a motivação? Isso denota alguma carência?
Neste grupo percebo grande busca de (re) construir saberes, de interação e novas relações. Não vejo como carência, mas como despertar para um novo modo de ser e fazer, dar e receber. 
Papo de Segunda é uma forma de resgatar as relações pessoais no mundo cada vez mais virtualizado? 
Sim. Esse tempo que passamos juntas é um resgate relacional. Olhar a foto de um perfil jamais será a mesma coisa que olhar alguém nos olhos, mandar um smile jamais será a mesma coisa que sorrir ao vivo para alguém. O benefício da interação “ao vivo e em cores” não se resume apenas a ajudar atravessar momentos desafiadores com mais força, coragem e confiança. Também afeta o desempenho mental e a memória de forma bastante positiva. Além disso, boas companhias são ótimas em qualquer época da vida e, certamente, ajudam a deixar tudo mais leve e feliz.
Como avalia esse projeto que já tem dois anos de existência? O que o mantém até hoje?
Minha avaliação é de que deu certo. E que isso só foi possível porque cada mulher decidiu sair de casa e experienciar, através do encontro com outras mulheres, o poder de uma boa conversa. Ainda que no início elas não soubessem que passar um tempo conversando era extraordinariamente proveitoso. Hoje, depois de dois anos já o sabem e continuam firmes. E o que mantém esse projeto até hoje é a propaganda que cada mulher faz a outra mulher. Um bom papo transforma sentidos e percepções, propósitos, finalidades e redireciona as nossas necessidades.
Uma mulher que esteja lendo essa entrevista e que queira participar, onde e quem ela deve procurar? 
Reunimo-nos às segundas-feiras no Jardim do Trevo à Rua Oswaldo Cruz, 46, com início às 20h. 
Papo de Segunda é um projeto informal onde atua como moderadora, mas a senhora já tem um projeto que pretende lançar em agosto onde atuará como psicóloga. É possível antecipar essa novidade? 
Trata-se de um projeto conhecido como Círculo de Mulheres – uma visão sistêmica sobre as questões pessoais e relacionais da mulher e do feminino. Tem o mesmo formato de encontros, mas com seleção e critérios terapêuticos bem definidos. É o que posso adiantar.