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Enfermeira do SAMU faz campanha contra selfies e vídeos de acidentes



Enfermeira do SAMU faz campanha contra selfies e vídeos de acidentes

Na semana do Dia Internacional da Mulher – 8 de março – CIDADÃO entrevista a enfermeira socorrista do SAMU de Fernandópolis e Jales que ganhou notoriedade nas redes sociais, ao propor campanha pelo fim das imagens de acidentes e das vítimas nas redes sociais. Para Crislaine Nascimento de Assis Paes o que está ocorrendo revela uma situação de morbidez e falta de solidariedade, que muitas vezes, chega aos extremos. “É um desrespeito total para com o ser humano e as famílias das vítimas. E isso é crime”, diz a enfermeira que é pós-graduada em Urgência e Emergência e em Obstetrícia. Crislaine relata que ficou chocada com uma cena que não esquece, de um menino segurando a cabeça do pai, todo ensanguentado, com ferimentos muito graves, dentro de um carro acidentado, enquanto pessoas, ao redor, estavam fotografando e filmando, sem se preocupar em ajudar ou acalmar esse menino desesperado que aguardava a ambulância. “Vamos nos colocar no lugar dessas vítimas e seus familiares. Gostaríamos de ser expostos dessa forma?”, indaga. A partir desse caso ela decidiu tomar a iniciativa de lançar a campanha que já ganhou a adesão de muitas pessoas nas redes sociais. Crislaine, que é casada, mãe e socorrista do SAMU, recebeu o CIDADÃO durante seu plantão em Fernandópolis nesta semana para falar dessa iniciativa. Veja a entrevista: 

O que a levou lançar essa campanha nas redes?
Eu trabalho no SAMU de Jales e de Fernandópolis e vejo que as duas realidades são bem parecidas. Realizamos muitos atendimentos em que podemos ver as pessoas ao redor e elas estão mais preocupadas em filmar, fotografar os que estão envolvidas na situação de tragédia, expondo essas vítimas. O nosso atendimento é pré-hospitalar, muitas vezes nas ruas, rodovias, em locais públicos e hoje, todas as pessoas têm celular com câmera. Então, quando a gente chega para o atendimento, tem um monte de gente mais preocupada em registrar a cena, filmando o nosso atendimento. A nossa preocupação, da equipe, é com relação à filmagem do nosso trabalho, mas sobretudo, a preocupação maior é com a dignidade das pessoas atendidas. Elas não pediram para estar ali, naquela situação. Isso é invasão de privacidade. Hoje a maioria tem celular e está usando de forma errada, em vez de tentar ajudar, acalmar a vítima até a chegada do socorro, prefere filmar, fotografar, fazendo até selfie, postando em redes sociais em busca de curtidas e compartilhamentos, ou seja, em busca da fama. Parece que isso deixa as pessoas felizes. Não pensam na vítima, nos familiares, que muitas vezes ficam sabendo do acidente, através das redes sociais. Essa situação me levou a tomar essa iniciativa junto com o SAMU de Fernandópolis e de Jales.
Em que momento você se sensibilizou que era necessário fazer alguma coisa para alertar essas pessoas?
Eu presenciei essa situação em muitos atendimentos em que participei, além dos relatos dos meus colegas, do Corpo de Bombeiros. Teve uma situação recente aqui em Fernandópolis em que participei do atendimento onde fiquei muito triste com a situação. Quando chegamos no local de uma colisão de carro versus carro com duas vítimas, havia muita gente e todos com celular. No local, o filho estava no banco de passageiro em pânico, consciente, e o seu pai estava deitado em seu colo com cabeça sangrando. Em vez dessas pessoas, que poderiam estar acalmando o rapaz, não, estavam filmando registrando aquela cena triste. Eu me coloco no lugar daquele menino, em pânico, sem poder fazer nada, porque não conseguia sair do carro e vendo seu pai falecendo em seu colo enquanto as pessoas, em volta, tirando foto, filmando. Na equipe que eu trabalho, sempre procuramos nos colocar no lugar das pessoas, das vítimas e dos familiares. Tive essa iniciativa para chamar a atenção, para que as pessoas se coloquem no lugar dessas vítimas e familiares. Como se sentiriam vendo pessoas, que em vez de ajudar, estão tirando fotos e postando nas redes sociais para mostrar que estavam no local?
Com as redes sociais, as pessoas perderam a percepção de respeito pelo semelhante e preferem participar desse triste espetáculo?
A gente vê isso, porque hoje é muito fácil fotografar, filmar e postar na internet. Parece que as pessoas não sabem que o que estão fazendo é um crime. Por isso, lançamos essa campanha com a intenção de orientar a todos, porque elas estão cometendo um crime. No facebook, a Cruz Vermelha de São Paulo postou mensagem alertando as pessoas para não compartilharem fotos de acidentes, de vítimas. Na Alemanha, o Corpo de Bombeiros faz uma campanha para que não se registrem imagens de pessoas em estado grave envolvidos em acidentes. Estamos também tentando fazer isso, ou seja, mostrar para a população que ao registrar uma cena dessa estamos agredindo a dignidade dessa vítima e causando um trauma na família.
Você lançou essa campanha nas redes sociais. Qual tem sido a repercussão?
Foi muito boa, porque as pessoas abraçaram essa causa, compartilharam essas informações. Com quem você conversa, as pessoas manifestam indignação quando começam a se colocar no lugar da vítima, da família. Uma hora pode ser a gente e não vamos querer ser exposto numa situação que muitas vezes podemos estar sem vestes, ensanguentado, ferido. Espero que mais pessoas participem dessa campanha.
Você disse que muitas vezes as pessoas não tem noção de que, ao agirem dessa forma, estão cometendo crime. Gostaria que você esclarecesse isso?
Tem o artigo 5º da Constituição Federal, inciso X, que diz que ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’. Fica claro, portanto, que a chegada da tecnologia foi muito bem-vinda, mas é também o principal meio de violação do direito de imagem não autorizada. Temos também o artigo 212 do Código Penal que refere-se ao crime de vilipêndio, que consiste em vilipendiar cadáveres. Muitas pessoas não sabem o que é o crime de vilipendio. E nós estamos vivenciando isso no dia a dia. Vilipendiar é humilhar, destratar, fazer desdém. Um exemplo registrado há pouco tempo, foi a tragédia que envolveu os jogadores da Chapecoense em que logo após o acidente, começaram a circular fotos e imagens das pessoas mortas, sem nenhum respeito pelas vítimas e famílias. Ao mostrar a imagem de uma pessoa morta, representa ultrajar a intimidade de alguém que não existe mais, humilhando e distratando esse ser humano. Quem compartilha, faz uma espécie de auto promoção com essas fotos. E isso, repito, é crime. A lei está ai e pode alcançar essas pessoas. Lembramos também do caso dos Mamonas Assassinas, cujas fotos logo se espalharam pela internet. Hoje com os celulares essas propagações ganharam ainda mais velocidade.  
Na sua expectativa, ao propor essa campanha, o que você espera das pessoas?
Espero que essa campanha se espalhe, que todos se engajem nesta luta, não compartilhando fotos, selfies, vídeos de seres humanos envolvidos em acidentes. Que se respeite as vítimas e as famílias. Em vez de tirar foto, filmar, prefira ajudar. É lógico que tem casos em que ela não pode se aproximar. Já tivemos casos de pessoas que na ânsia de registrar uma imagem acabaram se acidentando. Aqui mesmo em Fernandópolis, estávamos atendendo um acidente na rodovia, quando uma pessoa tirando foto despencou do barranco. Felizmente não foi nada grave. 
Você é mãe, trabalha no SAMU de Fernandópolis e de Jales. Como concilia essa dupla jornada de trabalho?
Com ajuda de Deus, da minha família. O SAMU sempre foi um trabalho que gosto muito. Muitas vezes acabamos deixando a família de lado para fazer esse trabalho. É tudo por amor à profissão (bastante emocionada).