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“Envelhecer não é doença”



“Envelhecer não é doença”

Segunda-feira, 1º de outubro, é o Dia Internacional do Idoso, instituído pela ONU - Organização das Nações Unidas. A população idosa no Brasil não para de crescer. De acordo com estudo da Fundação Seade, já publicado pelo CIDADÃO, em 2050, portanto daqui a 31 anos, a população idosa de Fernandópolis, gente com 60 anos ou mais, vai crescer 71%, passando de 12,9 mil este ano para 22,1 mil em 2050. Em Fernandópolis temos vários projetos que atendem os idosos. Um deles é a Unati – Universidade Aberta da Terceira Idade. Desenvolve um trabalho no sentido de tirar o idoso da ociosidade oferecendo arte, cultura e atividades físicas, tendo sido pioneira na instalação de uma academia ao ar livre. Mas, temos também os idosos abrigados no Parque Residencial São Vicente de Paulo, afastados dos familiares e entes queridos.  Há 18 meses, o psicólogo Everson Mandarini Masson, atua no Parque Residencial São Vicente de Paulo e vem desenvolvendo um trabalho que procura dar um atendimento mais humanizado e integral aos idosos. Como ele diz: “Envelhecimento é um do processos do desenvolvimento humano e não uma doença”. Nesta entrevista ao CIDADÃO, Everson conta detalhes do projeto que procura oferecer uma terapia como “arte terapia, músicas, e a mudança do estilo arquitetônico hospitalar da instituição, em um lugar mais agradável e alegre, com um novo pomar, chafariz lançando água, um caminho de pedras dentro da água, e outros projetos de pintura e paisagismos estão a caminho”. Veja a entrevista:


Estamos na semana Nacional do idoso e em Fernandópolis o senhor tem desenvolvido um trabalho com os idosos do Parque São Vicente de Paulo Fernandópolis. No que consiste este trabalho?
Estamos celebrando a semana do idoso,  o objetivo desta campanha é a conscientização e sensibilização da comunidade, sobre todas as questões que envolvem o envelhecimento,  primeiramente temos que entender que o envelhecimento é um do processos do desenvolvimento humano e não uma doença,  subliminarmente temos uma ideia equivocada de que envelhecimento e doença são sinônimos, pode-se ter uma velhice com saúde e qualidade de vida sim, se preparar para este processo biopsicossocial natural a todos nós. Atuando como psicólogo, no Parque São Vicente de Paulo Fernandópolis, temos tido uma experiência singular nesta estimada instituição, um novo olhar sobre estas pessoas, dignificando e valorizando esses idosos, renunciando um paradigma antigo de uma nomenclatura de “asilo”, para então ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos). Mas, não é somente uma mudança de nome, e sim uma nova atitude diante desta realidade, com um   tratamento mais humanizado e integral deste idoso. Lamentavelmente, vivemos em uma sociedade com prerrogativas muitas vezes fundamentada no valor da produtividade, e quando perdemos esta produtividade, caímos na inutilidade, sucumbindo a triste dor de ser esquecido no tempo e se tornar invisíveis, desencadeando inúmeras doenças tanto físicas e principalmente emocionais, tais como a depressão e ansiedade. Neste ponto, reside nossos desafios, encontrar novas maneiras criativas para tirá-los desta ociosidade, e proporcionar uma melhor qualidade de vida a estes idosos. Nesta nova visão, o idoso é assistido por uma equipe multidisciplinar: Fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, nutricionista, enfermagem, psicólogo, assistente social, coordenação, setor de limpeza, cozinha, lavanderia etc. Uma das preocupações é trazer atividades a estes idosos, como arte terapia, músicas, e a mudança do estilo arquitetônico hospitalar da instituição, em um lugar mais agradável e alegre, com um novo pomar, chafariz lançando água, um caminho de pedras dentro da água, e outros projetos de pintura e paisagismos estão a caminho.
Estes projetos tem mais de um ano, já é possível mensurar resultados?
Nestes 18 meses, sempre digo: “O primeiro passo não nos leva onde queremos, mas nos tira de onde estávamos”. Os resultados começam a surgir gradativamente, ao ver um idoso caminhando entre o pomar e colhendo os frutos, contemplando o chafariz, e por último o caminho de kneipe (uma piscina rasa, com pedras redondas coladas no fundo)
Quando propõe resgatar memórias afetivas destes idosos, com o pomar e detalhes como fogão a lenha, há ganho emocional nessa ação?
Recriando um cenário, do tempo vivido pelos idosos, tem sido um solo fértil para que eles expressem suas lembranças afetivas, ainda me lembro de um idoso ao colher uma jabuticaba, começou a contar uma experiência de sua infância. Às vezes achamos os idosos muito repetitivos em suas histórias, mas isto é muito importante para eles, pois a única referência da própria vida que eles têm, são suas memórias, então quando for visitar seus avós, ouça quantas vezes for necessário a mesma história, isto para eles é muito importante, não querem esquecer a própria existência. Valorizar o outro é se interessar por sua dor. Todo este ambiente, se torna um facilitador para expressões e elaborações de conflitos emocionais e também promove uma diminuição da ansiedade
Entre os idosos acolhidos no “Asilo” qual a percepção que eles carregam do abandono?
O idoso institucionalizado, vivencia muitas perdas e ganhos também, muitos deixam para trás suas casas, objetos de estima, vínculos sociais e familiares e da própria autonomia. Segundo Erikson (1998) a velhice é um estágio da vida cuja tarefa é a resolução do conflito entre integridade e desespero. Facilitar esta adaptação do idoso neste novo contexto de sua vida, torna menos doloroso este momento. Sentimentos recorrentes de solidão, desesperança, inutilidade, fracasso, despedida dos projetos de vida, são expressos por estes idosos. O tempo esgotou. O que se completa é a finitude do indivíduo que se incompleta na infinitude do seu legado.
Neste trabalho no Parque São Vicente de Paulo, o que mais te marcou?
São tantas histórias de vida... que seria difícil eleger uma mais importante que outra, acredito muito nas palavras de Nise da Silveira, uma psiquiatra brasileira, que diz: Para mudar   uma realidade, primeiro você precisa se indignar com esta realidade. Olhar para estas pessoas como seres humanos, e não como descartáveis, ou até como um depósito de gente. Me lembro sempre de uma cena de uma idosa, que todos domingos se arruma com sua melhor roupa, algumas pulseiras e brincos, num olhar longínquo para o portão de entrada em uma insólita esperança de que alguém venha lhe visitar. Mas tem boas histórias, de pessoas que se encontravam em grande vulnerabilidade e abandono, que encontram na instituição o abrigo não só de um teto, mas o abrigo de amor, mais do que o calor de um cobertor, o calor de um abraço, mais que um prato de comida, um alimento para sua dignidade.
Estamos preparados para envelhecer?  
O tema da finitude, articulado ao do envelhecimento, nos convida a uma profunda reflexão, pois esse estudo nos leva até as fronteiras da vida, ao encontro dos nossos velhos e dos nossos mortos, à recusa da nossa velhice e da nossa própria morte. O tempo acompanha a humanidade de muitas formas. A arqueologia revela que o homem, ainda nas suas formas mais primitivas, já buscava um entendimento do tempo, enquanto desenvolvia a consciência de que se encontrava sob os efeitos do próprio tempo. A compreensão do tempo tornou-se assim uma tarefa permanente para a humanidade, que até hoje não foi concluída. Ao contrário do espaço, que é palpável, visível, pode ser conquistado e controlado de algum modo, o tempo não se deixa apreender de nenhuma forma. Ele não se mostra diretamente. Só é percebido pelo seu rastro, depois que já passou, só se revela como passado. Posso concluir, com a ilustre história de Galileu Galilei, que em certa ocasião lhe foi perguntado quantos anos ele tinha, ele solenemente respondeu 8 ou 10 anos, em evidente contradição com suas barbas brancas. E logo, ele explicou: Tenho, na verdade, os anos que me restam, os anos que se passaram, estes não os tenho mais. Encontrar novas possibilidades criativas diante dos desafios da vida, é viver muito além de somente existir, uma responsabilidade singular de cada um de cada um de nós, intransferível.