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Estradas, gado e sociedades: a pecuária na região de Fernandópolis



Estradas, gado e sociedades: a pecuária na região de Fernandópolis
A década de 1910 seria marcada pela instalação de indústrias de refrigeração da carne, especialmente, em São Paulo, acontecimento que dinamizaria ainda mais a pecuária existente neste Estado. Ainda em 1913, era inaugurado em Barretos o estabelecimento da Companhia Frigorífica e Pastoril. Em 1915, iniciava seus trabalhos nos arredores da cidade de São Paulo o frigorífico Continental, empreendimento que pertencia inicialmente a Brazil Land, Catle and Packing Company, subsidiária das empresas Brazil Railway e Sulzeberger, de Chicago, e que foi posteriormente comprado pela Wilson & Co. Em São Paulo, seriam fundados o frigorífico pertencente a empresa norte-americana Armour & Co (1921) e o frigorífico da Companhia Frigorífica de Santos (1917), empresa subsidiária da Companhia Mecânica e Importadora de São Paulo, a mesma que havia construído e que operava o estabelecimento de Barretos. Com as indústrias de refrigeração da carne instaladas, São Paulo se tornou uma grande região receptora do gado criado em Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás.

Regiões limítrofes das terras paulistas, especialmente aquelas próximas das divisas formadas pelos rios Grande e Paraná, se transformaram em zonas de invernadas, ou seja, áreas caracterizadas pela forte presença de pastagens, destinadas a revitalizar os bovinos que adentravam em São Paulo, após longas marchas. Eram em pastagens localizadas em regiões como Franca, Barretos, São José do Rio Preto, Araçatuba, Presidente Prudente e a, até então, pouquíssima povoada região do Noroeste Paulista, que estes animais recuperavam o peso perdido antes de serem abatidos nos frigoríficos. Já Inserida nos jogos das trocas envolvendo a pecuária desde meados do século XIX, em virtude da instalação dos frigoríficos é que Fernandópolis, mais do que nunca, participava desta atividade econômica. Deve-se considerar que os moradores desta região tiravam, de alguma forma, proveito das longas marchas que, neste instante, se tornavam mais caudalosas em direção a Barretos, por meio do velho leito da Estrada Boiadeira.

A Estrada Boiadeira, construída em 1896, já havia promovido a ligação entre os campos pantaneiros e Barretos, grande centro comercial de bovinos, desde por volta de 1870. No entanto, a instalação do frigorífico e a chegada dos trilhos da Paulista nesta cidade, angariavam uma dinâmica espetacular ao comércio de animais. Todos que desejavam comercializar o gado para abate tinham por obrigação se dirigem para Barretos, pois ali estava localizado (e assim seria por várias décadas) o único frigorífico do interior brasileiro, bem como estavam situados os compradores de animais dos frigoríficos situados ao redor da capital paulista (alcançados pelos trilhos da ferrovia). Situada a meio caminho das zonas de criação de animais e o local de abate, o Noroeste Paulista, especialmente a região de Fernandópolis, se tornou, muito antes da fundação das cidades, uma região que atraía atenção de investidores, inclusive, dos acionistas da Companhia Ferroviária Araraquarense, que debatiam sobre esta vantagem, ainda em 19 , por ocasião da expansão dos trilhos em direção a São José do Rio Preto.

Contudo, compreender este aspecto da História de Fernandópolis é tarefa difícil, face à escassez de fontes sobre o assunto. Todavia, não é possível cruzar os braços diante dos obstáculos, pois tal procedimento implica em negar a vivência de uma série de homens e mulheres por estas plagas paulistas, num tempo muito anterior ao que estamos acostumados a pensar. Viventes distantes das áreas mais povoadas e que contavam tão somente com a Estrada Boiadeira para escoar qualquer tipo de produção, não apenas se dedicavam ao plantio de subsistência, como também investiam na criação/recriação bovina, no aluguel de pastagens e/ou venda de suprimentos aos boiadeiros em trânsito. Devemos considerar que famílias como Verdi, , eram oriundas de Minas Gerais e de Mato Grosso, ou seja, eram dotadas de um saber e uma experiência vinculados especialmente ao comércio de gado. Era esta experiência, em boa medida, que, provavelmente, havia incentivado a ocupação da região de Fernandópolis, dada a proximidade que nutria com os “caminhos do boi” (rios Grande e Paraná, com pontos de fácil travessia no primeiro), a qualidade das terras para pastagem (especialmente as encostas e vales dos espigões e margens do São José dos Dourados e seus afluentes) e a abundância de “terras desoladas”.

A importância de se organizar um trabalho vinculado ao tema parece inequívoca. Conscientes disso, é que alguns dos graduandos em História da FEF, envolvidos com o projeto “Civilização Material, Economia e Capitalismo na última fronteira paulista” vêm se dedicando ao tema da pecuária, sob minha coordenação. Para tanto, entregaram-se as seguintes tarefas: reconstituir a trajetória das famílias de desbravadores; remontar os pontos de pouso e todo patrimônio cultural existentes na Estrada Boiadeira; bem como entender o cotidiano que marcava a vida dos boiadeiros. No momento, o cumprimento destes propósitos envolve a coleta do depoimento de vários personagens, caso de peões estradeiros, comerciantes/criadores de gado e proprietários rurais. Assim, fontes orais têm sido a matéria-prima para execução da pesquisa no estágio em que se encontra. Cabe ainda lembrar que não se trata de uma iniciativa isolada, na verdade, a pesquisa vincula-se ao Projeto de Iniciação à Pesquisa e ao Projeto “Memória Local e Regional”, bem como ao nascente Centro de Documentação e Pesquisa, programas e instituição mantidos pela FEF. Segue a Fundação Educacional de Fernandópolis, portanto, com a dupla missão de bem qualificar seus alunos e atender a comunidade desta cidade.