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“Eu acreditei”



“Eu acreditei”

Marcos Vilela, 52 anos, ainda se emociona quando conta a história de como lançou a semente de um projeto social para atender as crianças de seu bairro. Dezoito anos depois, na sede do Instituto Sonhadores, na Rua João Batista Lacerda, 345, Jardim Barbosa, Marcos Vilela recebeu CIDADÃO esta semana para revisitar sua história e lembrar que tudo começou no nascimento do filho Guilherme. Mas, a alegria da chegada do filho foi substituída por um drama. Guilherme nasceu com Atresia de Esôfago e durante quase quatro anos se alimentou por sonda. Sobreviveu por milagre de Deus, diz o pai. Hoje com 24 anos, curado, Guilherme é professor no Instituto. Foi a solidariedade que recebeu durante o período em que enfrentou o drama do filho, que levou Marcos a fazer um voto com Deus: ser um voluntário e trabalhar pelas crianças carentes. O projeto levou o nome “Os Sonhadores” e começou na garagem de sua casa no Jardim Brasília. Com o apoio de amigos, de autoridades, como o juiz Evandro Pelarin, o projeto floresceu. Hoje tem sede própria, atende mais de 100 crianças. Vilela quer mais: “O meu sonho é ter aqui 300 crianças”. Nesta entrevista, ele relata como superou o drama do filho, a morte dos pais e colocou essa entidade, orgulho para Fernandópolis, de pé. “Eu acreditei”, diz. Veja a entrevista:

O senhor sempre diz que o Instituto Sonhadores nasceu de um compromisso que fez com Deus. Como foi?

Todo mundo tem um sonho. E eu sonhei com essa entidade. A história é longa. Me casei com a Iza em 1993 e como todo casal, a gente se prepara para a chegada do filho. Chegou o Guilherme, que nasceu com atresia de esôfago (faltava um pedacinho do esôfago que não colou com o estomago, ficou uma espécie de um cano quebrado). Alí começou uma batalha. Ele nasceu, mamou e ficou roxo. O leite foi para o pulmão, quando ele teve a primeira parada cardíaca logo nas primeiras horas de vida. Imediatamente fomos para São José do Rio Preto e nesse intervalo, outras duas paradas.  Chegando no Hospital Austa foi examinado, o médico estava esperando Dr. Humberto Liedtke Junior (cirurgião pediátrico). Sem exames ele já deu o diagnóstico: tem que ir para o centro cirúrgico agora. Foi uma das decisões mais difíceis que tomei na vida. Eu perguntei para o médico quanto ficava a cirurgia (24 anos atrás) e ele falou que ficava em 8 mil e 500 reais. Olhei pra ele e disse: Dr.  não faz não, não tenho dinheiro para pagar. Tenho uma moto que vale 2 mil e 500. Não adianta mandar o senhor fazer a cirurgia e não ter depois como pagar. Ele era diretor do Hospital de Base e decidiu transferir o Guilherme para lá e disse que era instrumento de Deus, mas quem curava mesmo era Deus. Ai começou a luta no HB, o Guilherme fez a primeira cirurgia, mas, deu problema, a cirurgia desemendou e o menino pegou uma infecção. Eu e minha mulher ficamos um ano no Hospital de Base. Me lembro quando o médico me falou que já tinha usado os últimos recursos, era uma terça-feira, e ele falou que o menino aguentaria até na sexta-feira. Pediu para trazer pra casa porque não havia mais jeito. Voltamos pra casa e minha mãe com 35 anos dentro da Igreja, me lembro, falou que homem nenhuma curava, mas Deus ia curar. E pediu para que levasse para o pastor ungir o Guilherme. Foi uma luta chegar até a igreja. O pastor repetiu o que a minha mãe havia dito. Eu não curo, mas Deus cura. E pegou o óleo e ungiu o Guilherme.  O menino chorou 17 noites e 17 dias e conforme a gente injetava alimento, vazava em baixo. No caminho da igreja até em casa, ele parou de chorar. Injetamos 5 ml de fubazinho, e desta vez ele segurou. Uma hora depois, injetamos mais 10 ml, ele segurou. Nesse intervalo ele dormiu. Colocamos ele no berço e como a gente estava 19 dias sem dormir, dormimos aquela noite. Acordei no dia seguinte, por volta do meio dia e dei um pulo e chamei minha mulher, a sensação era de que o Guilherme havia morrido. Tremendo, cheguei perto do berço e chamei por ele. Na terceira vez, Guilherme acordou. Eu gritei ao ver aquilo e o menino deu um sorriso. Pesava pouco mais de dois quilos. A partir daquele dia meu “muleque” praticamente nasceu pela segunda vez. Continuamos a luta. Foram mais oito cirurgias, imagina isso. A última foi rápida perto da outra que tinha durado das 6 às 13 horas. E quando voltamos ao hospital, o Guilherme estava em pé na UTI. Ficamos mais 15 dias no Hospítal e voltamos com nosso filho prá casa curado. Voltamos ao hospital apenas para exames. O Guilherme está hoje com 24 anos e é professor aqui no projeto.

Foi nesse período que fez um voto a Deus?

Fiz esse voto de que iria ajudar o próximo. Nesse período lá no hospital de Base vi uma equipe que serve as pessoas, leva sopa, roupa. Entendi que precisava começar a fazer alguma coisa para ajudar o próximo. Não tinha nada em casa, mas decidi começar. Me lembro que fiz 15 cachorros-quentes. Foi o maior sucesso. Dali uma semana, minha mãe olhou pra mim e falou: filho, hoje é o dia mais feliz da minha vida. Meu neto comeu pela boca e meus nove filhos estão na igreja. Isso era 11h30. Ela me chamou para comer uma couve flor, mas eu tinha chegado do Shopping (trabalhava de segurança) e fui descansar. Logo depois me gritaram que a mãe tinha caído na cozinha, ela morava no fundo, pensei que tinha escorregado, mas foi um enfarte fulminante. Fiz os primeiros socorros e quando chegamos na Santa Casa ela tinha falecido. Agora, você imagina alimentar um filho por 3 anos e 8 meses por sonda e ao voltar prá casa, receber essa notícia. Olhei pra cima e disse para Deus: essa foi forte, essa foi doída. Quando o meu pai soube do ocorrido, disse que iria morar com minha mãe. Parou de comer e seis meses depois também foi embora. Pensei comigo: chegou mesmo a hora de pagar meus votos com Deus aqui na terra. Comecei o trabalho, ficamos nove anos na garagem da minha casa e o projeto foi juntando um gravetinho aqui, um gravetinho ali, foi crescendo. Muita gente pergunta quem é o patrocinador do projeto, que depositava todo mês. Eu digo: Deus. Veja como está o Instituto, a estrutura que temos aqui, servimos 120 lanches por dia, instrumentos musicais caríssimos, uma folha de pagamento de R$ 16 mil. Eu sou voluntário há 18 anos nesta entidade. Hoje, disputamos projetos com o Instituto Maguila, com o Pão de Açúcar, ficamos entre os 10 melhores e recebemos premiação de cinco mil reais. Fazemos muitas apresentações. Agora mesmo vamos mostrar o nosso projeto para o maestro João Carlos Martins (o encontro estava previsto esta sexta-feira em Rio Preto). O projeto Sonhadores não nasceu por acaso. Nasceu através de uma história. Quando comecei, falei com Deus: Eu vou começar esse projeto. Se não está em suas mãos, o senhor para. Não parou, Deus está no comando.

Nesse período do projeto que nasceu embaixo de uma árvore, na frente de sua casa, quando olha essa história (na entidade tem o Memorial que registra foto a foto, os passos da entidade) e vê o Projeto Os Sonhadores hoje. Imaginava o que está aqui?

Passa um filme, né. Hoje temos uma sede própria, mas quando chegamos aqui em 2012, era apenas um barracão. Olha hoje a estrutura que tem aqui. Temos salas de aulas e até uma piscina. Quando olho até me pergunto: Como conseguimos isso tudo? Teve ano da gente começar com cinco reais na conta. Passamos por épocas muito difíceis de quase fechar. A gente chega passa noite sem dormir tentando encontrar uma solução. As vezes preciso tomar medicamento receitado pelo médico para ver se o cérebro dá desligadinha. É o preço, porque pra mim só vem as pancadas. Eu e a coordenadora (Juliana) estamos sempre correndo atrás das coisas. Semana passada o juiz (Dr. Vinicius Castrequini) pediu toda a documentação da entidade. Queria ver. Preparamos tudo e levamos pra ele. Embora eu trabalhe no Fórum, numa empresa terceirizada, não significa que comigo é diferente dos outros. Vem fiscalização de todo lado. Eu agradeço muito a minha equipe por tudo que faz, e bem feito, porque não temos nenhum problema com a fiscalização. Isso aqui é um chamado de Deus. É gratificante, principalmente quando a gente reúne aqui 300 pessoas, que é a nossa família do Instituto Sonhadores, para o almoço de confraternização de encerramento do ano (ocorrido esta semana).

O projeto Os Sonhadores se encaixa na crença do “acreditar que vai dar certo”. E hoje podemos dizer, sem medo, que deu muito certo...

É isso, acreditamos e deu certo. A fé de antigamente e a fé de hoje é a mesma. Você tem acreditar que vai dar certo. Vou contar uma passagem: na época difícil que a gente estava passando aqui, a Tia que serve as crianças falou que tinha servido o último leite. Pensei comigo, até de tarde Deus vai mandar leite. Entro 9 horas no serviço e sai correndo. Vi que chegou um carro, parou aqui na frente e uma mulher perguntou se era uma entidade. Disse que sim e segui meu caminho. Quando voltei mais tarde, descobri que a mulher veio trazer duas caixas de leite. A mulher era de Votuporanga e disse que passava na frente da entidade e ouviu uma voz que pediu para que deixasse o leite aqui. Tá registrado aqui no Memorial, porque toda doação que recebemos vai para o Memorial. É assim que funciona. As vezes nem eu acredito que fizemos tudo isso. Tudo aqui é fruto da luta, igual as outras entidades. Eu falo sempre: temos que ser honesto. Às vezes você está entre quatro paredes e acha que ninguém está vendo. Mentira. Deus está vendo tudo. Se tiver honestidade e transparência, não tem que temer. A mentira vai até na porta e a verdade caminha. E você fica tranquilo.

O senhor se sente já com missão cumprida no Projeto?

Ainda não. Combati o bom combate, mas, o meu sonho é ter aqui 300 crianças. E pode acreditar. Vai dar certo. Hoje estamos com 100, 110 crianças, mas a minha meta é 300 crianças e ampliar a nossa sede, ter um minicampo aqui. Estamos de olho em terrenos vizinhos para comprar. Nada do que tem aqui é do Marcos, não é de ninguém. É do povo. Pode anotar, vamos chegar a 300 crianças. Outro sonho que tenho é voltar com o almoço para crianças. Chega cortar meu coração, tivemos que parar o almoço por um tempo. Fica em 3 mil reais por mês. Quase consegui isso esse ano. No ano que vem a gente consegue. Mas, as crianças comem bem aqui. Eu passei muita necessidade quando criança, por isso o meu sonho é voltar o almoço para alimentar as crianças. A comida a gente consegue, mas temos que ter uma cozinheira, nutricionista, fazer as coisas certas. Deus vai preparar para ano que vem e vamos conseguir... 

Qual mensagem quer deixar à população?

Quer que suas bênçãos se multiplique? Olhe para o próximo. Não espere chegar dezembro não. Nunca diga que não tem tempo. Eu também não tenho tempo. Mas tenha certeza que Deus vai multiplicar. Ajuda o próximo, ajuda o coitadinho. Não julgue, não seja arrogante, apenas ajude. Tem gente que não vem visitar o projeto com medo da gente pedir alguma coisa. Vem visitar, vem dar um abraço nas crianças. Não tenho ouro, nem prata, mas tenho um abraço para te dar. Vamos ter mais compaixão. Fernandópolis é a nossa cidade. Tem um amigo em Rio Preto que vem fazer tudo aqui em Fernandópolis. Ele fala: não tem cidade igual. E o que vemos, é a cidade só receber pancada. Vamos falar mais das coisas boas de Fernandópolis. Vamos parar com o chicote. Somos amigos e vamos fazer as coisas com mais carinho.  O amanhã não nos pertence. Vamos fazer hoje. A gente tá aqui hoje e amanhã pode não estar mais. O Instituto Sonhadores está conseguindo ajudar as crianças em Fernandópolis. Estou tranquilo, fiz e quero fazer mais. Tudo que fiz foi pelas crianças. Venha nos fazer uma visita. E isso não é só com Os Sonhadores não. Tem 16 outras entidades na cidade esperando sua visita.