Saúde

“Eu vivi os dois lados, de médico e paciente, na batalha contra a Covid”



“Eu vivi os dois lados, de médico e paciente, na batalha contra a Covid”

O médico infectologista Dr. Márcio Gaggini, coordenador do Comitê de Contingenciamento da Covid-19 em Fernandópolis, está voltando ao trabalho após ter sido infectado pelo coronavírus. De médico, atuando na frente de batalha, ele passou para a condição de paciente e enfrentou os efeitos da doença. Chegou a ficar internado, precisou de oxigênio e hoje está curado. 
“Foi traumatizante”, contou o médico sobre a experiência que viveu, em entrevista que concedeu à Rádio Difusora e jornal CIDADÃO nesta quinta-feira, 3, um dia depois de festejar seu aniversário.  “Posso dizer que renasci”, afirmou. 
A comemoração foi simples, ao lado da família, da esposa a quem manifesta gratidão. “Ela foi guerreira neste momento. Eu estava isolado no hospital e ela, com minha filha, isolada em casa. Elas também contraíram a Covid, mas da forma branda. Na minha esposa foi como uma sinusite e minha filha perdeu o olfato por uns dias e não sentiu mais nada”.  
Na entrevista o médico fez um relato completo dos dias que enfrentou em agosto, da contaminação, do teste positivo, da internação, da alta até a volta ao trabalho nesta semana. Um turbilhão de emoções misturada ao medo de não poder continuar exercendo a profissão de médico. 
“A gente iniciou os trabalhos em março e eu estive à frente durante esses cinco meses, sabia do risco de contrair o vírus, principalmente por que sou acima do peso e hipertenso, dois fatores de risco para ter a doença na forma mais grave e a minha acabou sendo uma doença mais grave. Sabia disso, só que a gente vai trabalhando, enfrentando o problema e se prevenindo. Era inevitável, em algum momento iria me contaminar. Na semana que parei de trabalhar atendi 30 consultas no consultório, fora os pacientes do hospital e do Cadip. Estava atendendo em média de 40 a 45 pacientes com o coronavírus. Estava me prevenindo, mas sempre trabalhando em um local com chance de me contaminar. Como médico e paciente, o que me causou uma angústia enorme era saber que o vírus estava em mim, que não existe medicamento especifico e que era eu Deus contra o vírus. Tive momentos de fraqueza, achei que não iria melhorar, exatamente no momento da piora. É normal do ser humano. É uma doença imprevisível. Eu sempre dizia que o coronavírus é um inimigo invisível e imprevisível”, relatou.
DOR DE CABEÇA
O primeiro sinal veio através de uma dor de cabeça. Depois um zumbido no ouvido. “Perdi meu olfato durante quatro dias. Quando melhorou o olfato, veio a piora que foi a fase inflamatória dos pulmões que ficaram comprometidos 45%”, contou. 
Ele conta o passo a passo do agravamento do quadro: “Estava isolado em casa e me cuidando, auto examinando. Chegou um dia, fui fazer fisioterapia no Cadip tive quase um desmaio, isso na terça-feira, 11, fui pra casa, melhorei a tarde. A noite fui tomar banho e começou a faltar oxigênio. Passei mal no banheiro, liguei para o Dr. Mauricio (Favaleça – infectologista), e ele me internou na Santa Casa. Fui cuidado por ele, pelo Dr. Pablo, Dr. Fernando e pela equipe da unidade. Não tive um tratamento diferente de nenhum outro paciente, fiquei isolado como todo paciente fica. É uma tristeza, uma angústia muito grande, você ficar dentro de um quarto, afastado de todos. Imaginava que não fosse passar por isso, mas tive que passar. Hoje agradeço a Deus por ter passado por isso, porque eu consigo conversar com o paciente, olhar no olho dele e falar que já passei por aquilo que ele está vivenciando e sei o que é. Eu sei o que está sentindo porque eu senti isso também. Para minha profissão foi muito bom. Estou me sentindo como um espelho que foi despedaçado durante a internação, mas estou me recompondo. O reflexo vai ser diferente, mas quero que seja um reflexo melhor”. 
UM MÉDICO MELHOR
Ele prossegue no relato: “Na faculdade eu sempre falo para os alunos (dou aula de semiologia que é o início do contato que a gente tem com o paciente). Infelizmente, nós médicos, não conseguimos nos usar como medicamento. A primeira parte do médico é ser humano e se usar como medicamento, entender que ali na sua frente tem uma pessoa em sofrimento e é preciso tentar amenizar esse sofrimento. Eu vivi os dois lados, médico e paciente. É horrível ficar isolado, agora eu entendo a situação do paciente. Posso dizer que todos que venceram a Covid são heróis, aqueles que passaram dias intubado na UTI, sei o nome de todos e para mim são heróis, venceram o vírus. Fico triste pelas vidas que se perderam. Não queríamos perder nenhuma. Meus sentimentos às famílias”.
Segundo Gaggini, a volta ao trabalho de forma efetiva foi no dia do aniversário, quarta-feira, 2. “Dei a minha primeira aula online depois de tudo que aconteceu. Sou grato a Deus, por tudo que fez na minha vida, de ter a oportunidade de ser cuidado por um ex-aluno meu (Dr. Mauricio Favaleça) no momento que precisei. Sou grato a todas as manifestações de carinho que tenho recebido, aos que oraram por mim. Por isso que quero me policiar para ser um médico melhor”.