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Geração mimada?



Geração mimada?

A coluna desta semana traz uma entrevista com o juiz de direito da 1ª Vara da Infância e Juventude e diretor do Fórum de Fernandópolis, Dr. Evandro Pelarin, para discorrer sobre a polêmica “Lei da Palmada”, que entrou em vigor no último dia 27, após sansão da Presidente Dilma Rousseff. Com propriedade e experiência no tema, Pelarin deu detalhes reais do que a legislação pretende, mas não se mostrou a favor.
O juiz alertou que nem sempre o castigo físico é um crime e que é possível educar um filho sem uma palmada, por mais leve que seja. Ele afirmou ainda, que em Fernandópolis quase não existem denúncias desta natureza. Por outro lado, há a recorrência na omissão da educação por parte de pais relapsos e negligentes.

O senhor é a favor da Lei da Palmada?

Pelo seu aspecto simbólico, que é o mais evidente nessa norma, não. Essa lei, antipalmada, sob o bom pretexto de proteger a integridade física das crianças, acaba passando uma mensagem mais ampla, inadequada e muito ruim para a sociedade, quase que criminalizando toda e qualquer ação punitiva dos pais, imobilizando-os e trazendo uma ideia de intocabilidade para os adolescentes, principalmente. Os países escandinavos, primeiros com legislação assim, hoje repensam e discutem os efeitos prejudiciais de leis antipunitivas a menores, como a Suécia, por exemplo, que fala em criação de uma "geração mimada" e de "pequenos tiranos" em sua sociedade. Quem quiser conferir um pouco o debate sobre isso na Suécia: http://m.terra.com.br/noticia?n=477a68fadb402410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD

O que existe de concreto no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente que trata sobre o assunto?

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 21, nos remete ao Código Civil, que é onde se estabelecem os deveres dos pais em relação aos filhos, especificamente, no artigo 1.634, onde, entre outros deveres, os pais devem "exigir dos filhos obediência, respeito e serviços de acordo com sua idade e condição". Ainda, no artigo 1.638, o Código Civil prescreve que "perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que castigar imoderadamente o filho". Ou seja, a legislação atual obriga os pais a serem rígidos com os filhos e prevê punição aos pais se o castigo for imoderado. A lei brasileira atual, portanto, já pune o pai ou mãe que agride, que bate nos filhos pra machucar, mas não pune o pai ou mãe que dá um tapa na mão de um filho que roubou algo numa loja, por exemplo. A lei brasileira atual é proporcional e equilibrada, pela minha opinião. Mas, isso agora vai ser revogado, pela Lei Antipalmada, em nome de uma proteção, simbolicamente perigosa.

Como ficará o artigo no Estatuto?

Em linhas gerais, o texto da Lei Antipalmada pune qualquer contato físico de pais ou responsáveis com crianças e adolescentes se esse contato tiver teor de "castigo", que é o termo recorrente no texto da lei.

É possível educar sem agressão, por mais que seja leve?

Não sou especialista em educação. Não sou educador. Apenas um especialista em leis, por força de minha profissão. Mas é claro que é possível e é recomendável que se eduque um filho sem castigo físico, por mais leve que seja. Creio que ninguém quer pregar o castigo físico como instrumento recorrente de educação. Mas isso não significa, por outro lado, que devemos punir algum pai que, num ato de nervosismo (que é natural), dê uma palmada na mão de um filho que furte o que não é seu. 

O que pensa a respeito de uma frase já comum nas discussões sobre o tema: “tapinha não é palmada”?

São nuanças de uma mesma ação. Mas, para a lei, pelo texto que está aí, esse tapinha é palmada proibida.


A agressão a crianças é frequente em Fernandópolis? Há muitas denúncias?

Não há denúncias frequentes sobre isso. São poucas, diga-se de passagem. O que nós temos, isso sim, são denúncias constantes de omissão de pais na educação dos filhos, que não os repreendem quando eles xingam ou agridem professores, que não conversam com aqueles menores que ficam nas ruas bebendo ou usando drogas. Nós não temos uma crise de pais cruéis, mas sim temos uma crise de omissão de pais relapsos e negligentes. E acho que isso não é uma realidade apenas de Fernandópolis. 

Geralmente quem faz este tipo de denúncia?

Familiares e vizinhos.

Na educação de seus filhos, o senhor precisou em algum determinado momento dar palmadas por algum motivo?

Uma única vez dei um leve tapa na mão de meu filho, que insistia em por o dedo na tomada. Ele não atendia ao meu "não" e eu não quis esperar que ele levasse uma descarga elétrica para aprender que não se pode por o dedo na tomada. No meu caso, aquele tapinha foi suficiente para ele nunca mais levar o dedo na tomada. Posso dizer também que, mesmo leve, aquele tapinha doeu, na hora, muito mais em mim, e muitos pais sabem bem o que eu estou dizendo. Mas, com a Lei Antipalmada, talvez o legislador entenda que a criança deva levar o choque. 

E o senhor, apanhou dos pais quando criança?

Sim. Apanhei sim. Nem me lembro direito como foi. Só sei que nunca deixei de amar meus pais. Aliás, esses castigos foram irrelevantes na minha memória, quanto ao amor que tenho pelos meus pais. 

Quem o denunciante deve procurar para fazer uma denúncia? A própria Polícia Militar pelo 190?
 

Sim. Ou o Conselho Tutelar.

Atualmente grande parcela da sociedade foi educada à moda antiga, crê na compreensão da maioria do país?

Eu creio que nós estamos superdimensionando o castigo físico no Brasil. Evidentemente, há casos (e graves) de espancamentos sob o pretexto de educação. Mas isso a lei já pune hoje em dia, e pune com rigor, sem necessitar de uma Lei Antipalmada. Repito que a maior quantidade de ocorrências que nos chegam são de omissões, que podem ser tão ou mais graves que algumas agressões, dependendo dos fatos. Honestamente, tenho o receio de que aumente a quantidade de pais omissos, que se valerão do pretexto falso e equivocado de que "não se pode fazer nada contra os filhos sob pena de ir preso", que, infelizmente, a Lei Antipalmada carrega como símbolo.

O que a falta de palmadas pode influenciar na formação do caráter do cidadão?

Desculpe, mas essa é uma questão que embute uma premissa inexistente. Creio eu que a maioria significativa dos pais não entenda que se deva usar a palmada como método de formação de caráter de seus filhos. Não se forma caráter com palmadas. Um bom caráter não se forma com palmada. Não é porque a pessoa apanhou dos pais que ela se tornou um bom cidadão. O castigo é a exceção diante do desvio.

Crê em uma juventude mais rebelde caso a lei seja seguida a risca?

Não mais rebelde, até porque a rebeldia, sob um aspecto limitado e ordenado, pode trazer junto coisas boas, como a criatividade. O que a Lei Antipalmada pode trazer é ainda mais omissão de pais na educação dos filhos. Esse é o meu receio. 

Acredita que as famílias brasileiras tem suporte para educar os filhos apenas com diálogo?

Esse é o ideal. Aliás, esse é o espírito da lei atual, educar com diálogo. O que a Lei Antipalmada traz é uma ideia de intocabilidade de menores e de estigmatização criminalizante de pais, até mesmo daqueles pais que, excepcionalmente, recorreram ao castigo, ainda que leve.

Qual o conselho que o senhor dá para uma boa educação sem agressão, mesmo que de leve?

Repito que não sou especialista nisso, pois não sou educador. Não tenho qualquer receita para outros pais. Apenas e tão somente, para aqueles que me procuram, dialogo junto, tentando entender as dificuldades que cada pai ou mãe tem com seus filhos. Quando me pedem alguma orientação, eu nunca recomendo castigos corporais, mas tento encontrar justiça nos fatos. Uma vez, logo que cheguei aqui, atendi a uma senhora de mais de 70 anos que me disse que deu um tapa no neto de 14, pois ele havia falado um palavrão para a avó. Aquela senhora estava nervosa, em minha sala, junto com o neto, que ela criava. Eu me levantei e dei um abraço forte nela, olhando nos olhos daquela idosa com ternura e compreensão. Virei-me para o jovem e disse mais ou menos assim: "nunca mais desrespeite sua avó". Eles foram embora e nunca mais tive notícias de desrespeito daquele jovem com sua avó.