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Grimaldi: “A prevenção ainda é o mais importante na luta contra o câncer”



Grimaldi: “A prevenção ainda é o mais importante na luta contra o câncer”
O médico patologista Paulo Roberto Grimaldi de Oliveira chegou a Fernandópolis exatamente no dia 15 de novembro de 1976, data em que se realizava uma das mais conturbadas eleições do município em todos os tempos. Os distúrbios políticos não assustaram o profissional, formado há 37 anos, com curso de Mestrado pela Escola Paulista de Medicina e que, atualmente, faz doutoramento (PHD) no Hospital do Câncer de São Paulo. Proprietário do LAPAT (Laboratório de Patologia) em Fernandópolis, Grimaldi faz viagens semanais entre a cidade e a capital. Seu laboratório adotou agora o ThinPrep, um novo método do exame Papanicolau, usado na prevenção de câncer de colo uterino. “Prevenção”, aliás, é a pedra-de-toque em qualquer conversa com Grimaldi, quando o assunto é o combate ao câncer: para ele, a mágica reside nos exames preventivos. Um gesto de amor para consigo mesmo, garante.

CIDADÃO: O que é, exatamente, o exame Papanicolau?
GRIMALDI: Na primeira metade do século XX, havia um médico grego chamado Nicolas Papanicolau que foi morar nos Estados Unidos. Lá, começou a trabalhar como professor de Anatomia. Ele tinha uma sobrinha que não conseguia engravidar e resolveu fazer umas pesquisas de corantes para tratar as células e tentar identificar a razão da esterilidade. Depois, ele teve a idéia de fazer raspagens vaginais através de uma espátula de madeira, passando o material para uma lâmina, onde analisava a parte hormonal. Depois, ele continuou o trabalho com outras pacientes, e de vez em quando, apareciam algumas com umas células grandes, esquisitas, diferentes das outras. Ele não sabia o que era. Só que sua preocupação maior era mesmo com os hormônios. Toda mulher com esterilidade que passava pela universidade de Nova Iorque onde ele trabalhava, passava pelos seus exames. Anos depois, durante conversa com o professor de ginecologia da universidade, este lhe contou que determinada paciente, à qual Papanicolau já examinara, havia morrido de câncer de colo de útero. O médico foi ao arquivo, pegou a lâmina daquela paciente e constatou que aquelas células “esquisitas”, três anos antes daquela mulher manifestar os sintomas, já haviam aparecido na coleta vaginal. Ele buscou os prontuários de outras pacientes que haviam apresentado aquele tipo de células e viu que todas haviam morrido de câncer no colo do útero.

CIDADÃO: Isso significa que, antes mesmo de aparecerem os sintomas, poderia ser detectada a propensão?
GRIMALDI: Exatamente. O teste de Papanicolau serve para rastrear, numa população de mil mulheres, por exemplo, quais são as que têm a propensão para desenvolver o câncer. Essas mulheres, enfim, têm uma possibilidade maior de desenvolver a doença.

CIDADÃO: Quando o exame de Papanicolau aponta a existência dessas células, qual é o procedimento a ser adotado?
GRIMALDI: O patologista faz o laudo, dizendo da suspeição, e aí o médico vai fazer a colposcopia, que é um aparelho de luz que faz uma análise cuidadosa do colo do útero, além de colher material para a biópsia. Esta dará o diagnóstico definitivo. Até dez anos antes do aparecimento do câncer invasivo, o Papanicolau tem condições de detectar as alterações.

CIDADÃO: Além do câncer, o Papanicolau não detecta outras doenças, como as DSTs?
GRIMALDI: Às vezes sim, às vezes não. O Papanicolau é específico para detectar as células cancerosas.

CIDADÃO: O que é HPV?
GRIMALDI: É um vírus, o Human Papiloma Vírus. Está provado que 98% das mulheres que têm câncer de colo uterino têm esse vírus. Ele penetra na célula e altera seu DNA. A célula, transformada, se reproduz e transmite para as células-filhas essa mutação. Isso é o câncer. Eu vejo por dia 100 ou 120 lâminas. Cerca de 10% têm câncer. Estas estão quase sempre na fase avançada.

CIDADÃO: O senhor tem ministrado palestras em escolas – hoje mesmo (ontem) vai falar na E.E. Carlos Barozi. Qual é o teor dessas palestras?
GRIMALDI: Eu falo em prevenção. Veja bem: pele, pulmão, estômago, mama, são órgãos mais internos, o Papanicolau tem a prerrogativa de permitir diagnósticos precoces. Agora, na mama, por exemplo, embora haja como fazer o exame por aspiração, injetando uma agulha no nódulo, o ideal é fazer os exames de prevenção, e em todos eles há como fazer. Preparei uma aula para leigos, onde mostro como proceder para prevenir. Seja de próstata, de mama, de estômago, de pulmão, do colo uterino.

CIDADÃO: A incidência de câncer no colo de útero, no Brasil, é muito grande. Por que?
GRIMALDI: O câncer do colo uterino está diretamente relacionado à presença do HPV. Trata-se de uma família de vírus, existem mais de 100 tipos. É como se fossem irmãos. Os de alto risco, chamados malignos, e que na classificação recebem os números 16 e 18, quando aparecem significa que a mulher tem grande chance de ter câncer de colo uterino. Ele é transmitido através do ato sexual. É o sexo que transmite o câncer de colo uterino. Quanto mais promíscua for a mulher, mais chances de ter câncer ela tem, porque o pênis, por falta de higiene do homem, costuma acumular um material esbranquiçado chamado esfegma, que é passado para o colo uterino. Se o homem tiver o HPV, vai passar para ela, que deverá desenvolver o câncer – desde que sejam os vírus 16 e 18, que são de alto risco.

CIDADÃO: O que é o ThinPrep, o novo método que o sr. está utilizando para fazer o Papanicolau?
GRIMALDI: Thin quer dizer fino, delgado. Prep é a abreviatura de Preparation, que é uma lâmina. Então, trata-se de uma lâmina fina. É o seguinte: quando Papanicolau inventou o método preventivo, usava uma espátula de madeira, parecida com um palito de sorvete. Essa espátula é usada para coletar material no colo do útero. Depois, esse material é passado na lâmina. O problema é que existem áreas em que o material fica mais grosso, outras em que fica mais fino. Aquilo fará uma coloração e o patologista vai olhar no microscópio. Quando ele vê uma área grossa, é que há um conglomerado de células. Isso impede o patologista de enxergar uma eventual célula suspeita. O problema é justamente isso: até aqui, o método Papanicolau não havia evoluído. Desde 1946, quando os americanos começaram a empregá-lo, não havia novidades na técnica de coleta. Com o ThinPrep, essas áreas grossas não existem mais, porque o método deixa a lâmina fina e homogênea. Isso aumenta a positividade do exame. O conglomerado, a “área grossa”, pode provocar um falso diagnóstico negativo. O câncer de colo uterino, hoje, já é considerado uma doença de país subdesenvolvido, porque já existe a maneira de prevenir.

CIDADÃO: Considerando a sua luta de décadas contra o câncer, qual o alerta que gostaria de fazer à população?
GRIMALDI: Um amigo meu, Pierre, que é cientista francês, trabalha na Suíça, na Associação Internacional de Combate ao Câncer. Ele é biologista molecular. Pois ele me assegurou que, em pouco tempo, todo laboratório será de patologia molecular. Isso significa que o patologista não se limitará a diagnosticar a doença, mas ele também terá que informar o cirurgião que vai tratar o doente que tipo de câncer é, qual sua constituição genética, qual foi o gene que sofreu mutação e o originou. Porque cada tipo de câncer tem um tratamento diferente. Bem, o que quero dizer é que o melhor mesmo, em vez de encarar um tratamento extremamente agressivo e cheio de efeitos colaterais como acontece com os remédios usados no tratamento do câncer, como náuseas, queda de cabelos, etc., o ideal é a prevenção. É descobrir que o paciente tem câncer na fase inicial, quando ainda não entrou na corrente sanguínea. A mensagem é: faça prevenção. Falemos de um órgão feminino e de um masculino. Mulher: a mama. Uma vez por mês, entre uma menstruação e outra, a mulher, durante o banho, deve se ensaboar, e com a mão direita examinar a mama esquerda, e vice-versa, em movimentos circulares, para procurar um carocinho. Terminado o banho, ela deve deitar na cama e fazer o mesmo procedimento, porque tem nódulo que só aparece em pé e tem nódulo que só aparece quando ela está deitada. Se descobrir algo diferente, ela deve procurar o médico, que fará uma mamografia e uma ultra-sonografia. É diagnóstico precoce, se for maligno opera e pronto. No caso do homem, vou falar da próstata, que é disparado o órgão de maior incidência da doença. O maior problema, aqui, é o preconceito em relação ao exame, que consiste no toque retal. No exame PSA, se o resultado for superior a 4, a chance é de que exista um câncer. Ora, havendo diagnóstico precoce, você não vai morrer de câncer de próstata, pode acreditar. Assim como a mulher não morrerá de câncer de mama. A palavra mágica é: prevenção.