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Hanseníase, a doença milenar que ainda é uma ameaça



Hanseníase, a doença milenar que ainda é uma ameaça

Amanhã, último domingo do mês de janeiro é comemorado o Dia Nacional de Combate e Prevenção da Hanseníase. A data foi instituída pela Lei nº 12.135/2.009 com o objetivo de chamar a atenção da sociedade e das autoridades de saúde sobre a importância da prevenção e do tratamento adequado da doença. Fernandópolis tem um trabalho importante nesta área coordenado pelo médico infectologista do Cadip – Centro de Atendimento a Doenças Infectocontagiosas e Parasitárias -, Márcio Gaggini. No ano passado ele promoveu treinamento nas Unidades Básicas de Saúde sobre a doença. “A ideia desse treinamento é preparar o profissional de saúde na unidade onde ele atende para aumentar o diagnóstico precoce que é a única forma de controlar a transmissão da doença”, disse o médico nesta entrevista ao CIDADÃO. A ação levou ao diagnóstico de novos casos, elevando para 41 o total de casos de hanseníase em Fernandópolis em 2017. A entrevista é um alerta para a população. Em pleno século 21, a hanseníase, uma doença milenar, anteriormente conhecida como Lepra, ainda é uma ameaça à Saúde Pública. Veja a entrevista:


Por que, em pleno século 21, a hanseníase ainda é uma doença que preocupa?
A hanseníase é uma doença que preocupa muito e o que é intrigante é que é uma doença milenar, mas ainda temos um grande número de casos. Basicamente, o motivo de tantos casos é porque é uma doença classificada como negligenciada pela Organização Mundial de Saúde. Não se deu muita atenção no decorrer dos anos. Como o diagnóstico é clínico, o médico tem que pensar em hanseníase. Infelizmente, a maioria dos cursos de Medicina do País não ensina sobre hanseníase. É uma doença que está presente no nosso meio e acredito que a gente tem muito mais casos do que os diagnosticados. 
A região pode ser considerada endêmica para hanseníase?
O que é interessante em relação ao Estado de São Paulo, é que quando pegamos os números da Secretaria Estadual de Saúde, tem algumas regiões que apresentam número de casos maiores do que outras. São os casos das regiões de Ribeirão Preto, Presidente Prudente, da nossa, e a que chama a atenção é a de Caraguatatuba (no litoral|). Não é só na nossa região que tem muitos casos, acredito que a hanseníase está no estado inteiro. Infelizmente não está sendo diagnosticado nos outros locais, como a gente diagnostica aqui.
Como é a transmissão da doença? Em que momento isso ocorre?
Ela é transmitida por secreção de vias aéreas superiores. Então, a pessoa que tem muito bacilo vai transmitir a doença através da tosse, dessa secreção, para outra pessoa que possa estar suscetível a doença. Na região, temos um número grande porque várias cidades foram colonizadas por pessoas que tinham a suscetibilidade para ter a hanseníase e também tinha a bactéria circulando no nosso meio. 
Tem alguma forma de prevenção?
A prevenção é o diagnóstico precoce, fazer a busca de casos novos. A equipe do Cadip, com apoio do secretário municipal de Saúde (Flávio Ferreira), fizemos no ano passado um trabalho de treinamento in loco de todas as equipes das Unidades de Saúde da Família do Município. A Unidade selecionava alguns pacientes e nós fomos in loco, examinamos os pacientes e acabamos fazendo vários diagnósticos novos, precoces, e orientamos como se faz o diagnóstico. A ideia desse treinamento é preparar o profissional de saúde na unidade onde ele atende para aumentar o diagnóstico precoce que é a única forma de controlar a transmissão da doença.
Quais são os primeiros sinais da doença?
Os primeiros sintomas podem ser manchas, lesões de pele ou até áreas da pele em que perca a sensibilidade, onde a pessoa não consegue distinguir o que é calor, o que é frio, não tem dor. Além de perder a sensibilidade a pessoa perde os pelos no local. As pessoas que tenham alguma lesão de pele ou área da pele que perdeu sensibilidade devem procurar a Unidade de Saúde para fazer o diagnóstico e iniciar o tratamento. Podemos garantir que as UBSs do nosso município estão treinadas para fazer o diagnóstico.
A partir do momento que a pessoa tem o diagnóstico, qual é a reação, já que se trata de uma doença que carrega uma carga de preconceito?
A gente procura tranquilizar da melhor forma possível, porque é uma doença que tem cura, felizmente. Temos dois esquemas de tratamento, um para as formas que não são tão graves, que são as formas iniciais, e outro para as forma que estão mais avançadas. O tratamento vai variar de um período de 6 meses (o mais simples) até 12 meses (forma mais avançada). Nos dois casos tem cura. A gente orienta bem sobre os efeitos colaterais dos medicamentos e faz acompanhamento mensal dos pacientes que iniciam o tratamento. 
No caso da família, tem acompanhamento também?
Tivemos uma mudança a partir de 2016 no protocolo. Hoje além de acompanharmos os familiares, fazer uma avaliação de todos que tem o contato intradomiciliar, também estamos fazendo o controle social. Então se a pessoa trabalha em local fechado, com pouca ventilação, oito horas por dia, há o risco. Por isso convocamos as pessoas que convivem próximo da pessoa diagnosticada para avaliação clínica.
Existe alguma perspectiva de erradicação da hanseníase?
Infelizmente essa perspectiva é de longo prazo. Posso falar, porque hoje (quarta-feira) fizemos o diagnóstico de uma forma avançada, ou seja, a forma que estava transmitindo a doença. Enquanto a gente fizer diagnóstico das formas avançadas, cada vez vai ficando mais tardia a perspectiva de erradicar a hanseníase, porque é uma doença que demora para aparecer, de dois a sete anos para a pessoa ter os sintomas. Então, se ainda a estamos fazendo diagnóstico de pessoas que estão transmitindo a doença, no mínimo, durante mais sete anos vamos diagnosticar casos.
Em que período o portador da hanseníase começa a transmitir a doença?
Depende da forma clínica. Todas as forma podem ter a transmissão da doença, mas as que mais transmitem são as mais avançadas. Depois desse período de incubação, que é de dois a sete anos, quando começa a desenvolver as lesões, tem uma chance maior de transmitir. É importante frisar também que em média, de 14 a 30 dias depois que inicia o tratamento, a pessoa não transmite mais a doença. 
Qual o perfil das pessoas diagnosticada com a doença?
Normalmente, de condição social um pouco mais baixa, porque são pessoas que convivem em locais menores e mais fechados, mas pode acontecer em qualquer faixa socioeconômica da população. Vai depender muito mais da imunidade que a pessoa tem de desenvolver ou não a doença.
Na questão de idade, a doença ataca mais que faixa etária?
Normalmente os mais adultos, mas uma situação que preocupa muito é quando fazemos o diagnóstico em crianças menores de 10 anos de idade. Quando se começa fazer diagnóstico em criança, é uma situação preocupante porque essa criança já nasceu em um local que tinha hanseníase. 
E já houve casos de crianças em Fernandópolis?
Já. Em Fernandópolis a gente não tem um absurdo de casos, mas já aconteceu de fazer esse diagnóstico, não só aqui em Fernandópolis, mas em algumas cidades da região. 
É grande o número de casos em pessoas diagnosticadas em estágio avançado da doença?
A maioria das formas que diagnosticamos é da hanseníase que a gente chama de Dimorfa, que não é tão grave. A forma mais grave é a Virchowiana. Não são muitos os casos, mas a gente tem feito diagnóstico dessa forma mais grave. 
Qual é a orientação que senhor passa a população em função dessa preocupação que existe em relação a hanseníase?
A orientação é a que eu passo para os comunicantes das pessoas com hanseníase. Isso serve para toda a população. Temos que nos auto examinar, verificar se tem alguma lesão de pele, ou algum local que perdeu a sensibilidade. O exame é simples, dá para fazer em casa e, em caso de dúvida, é só ir a Unidade de Saúde que está preparada para o exame clinico. A nossa cidade está capacitada para diagnosticar a hanseníase. Na questão de erradicar a doença, primeiro passo que temos que dar, é fazer esse auto exame. Quero agradecer a Secretaria Municipal de Saúde que deu apoio a equipe do Cadip de realizar esse treinamento em todas as Unidades de Saúde para que possamos realizar o diagnóstico precoce. Mas, cada um pode fazer sua parte.