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Idalina Leone: faleceu uma das mais antigas moradoras de Fernandópolis. Nosso adeus!



Idalina Leone: faleceu uma das mais antigas moradoras de Fernandópolis. Nosso adeus!
Nascida em Jaú - região de Bauru - em 11 de dezembro de 1911, Idalina Bueno Brandão Leone era o último membro vivo da família Brandão Bueno, que de Jaú imigrou para a cidade de Engenheiro Schimidt, e que, finalmente, acabou fixando residência definitiva na cidade de São José do Rio Preto, onde o irmão Octávio Brandão, conceituado farmacêutico, manteve em atividade por muitos anos duas farmácias nesta cidade, denominadas Farmácias Santa Rita.

Muito religiosa, desde moça, Ica e, depois de casada Da. Idalina, como era chamada por todos seus amigos e amigas, fervorosa e dedicada à religião católica foi catequista na diocese rio-pretense, onde por vários anos desenvolveu intensas atividades religiosas coordenadas pelo vigário Monsenhor Gonçalves. Foi ela nossa catequista também!

Da. Idalina, seus pais e manos, viveram as agruras e angustias da Revolução de l932, quando diversos moços seus amigos rio-pretenses foram e morream na guerra contra o ditador Getúlio, e a favor da Constituição pleiteada por São Paulo.

Ainda quando morava em Engº Schimidt, nos idos de 1938-39, ou 40, ali conheceu um jovem médico idealista oriundo da cidade de Salvador - Bahia - que vinha iniciar sua carreira profissional independente no estado paulista. O médico ali aportara, convidado pelo conceituado e tradicional médico rio-pretense Dr. Selman Nazareth que ofereceu a este uma grande oportunidade para realização profissional e solidificação econômico-financeira. Atraído e embalado pelo repto expresso no lema “Marcha para o Oeste”, de Getúlio, retumbante e ressonante no nordeste brasileiro, propondo a ocupação e desenvolvimento das terras interioranas brasileiras, o Dr. Jayme Baptista Leone – filho de um barbeiro com uma tecelã, baianos – estava todo esperançoso de uma vida melhor, instalando-se em E Schimidt começava também a entrar - e para sempre - na vida de Da. Idalina Bueno Brandão Leone, já que este passou a morar e clinicar defronte a residência e farmácia que o irmão Otávio possuía em Engº Schimidt, onde também moravam, ao lado, o Sr. Ermando Guimarães e Da. “Bembem”, ele que viria a ser o primeiro tabelião fernandopolense.

“Era um moço bonito, simpático, galanteador, disputado pelas moças” e “muitas amigas achavam que o namoro não era recomendado, pois aquele moço proveniente de uma capital, inteligente, empatia contagiante, era muito requisitado, e que ela por ser provinciana, uma moça simples e humilde, não iria dar certo aquele namoro, inclusive havia senões do amigo Monsenhor Gonçalves, muito protetor. Mas, quando ele de supetão, inesperadamente, me pediu em casamento decidi-me logo em aceitar e que era com ele que eu ia me casar, quisessem ou não as minhas amigas e meus familiares”, contava a querida mãe relembrando o seu passado.

E, assim, no dia 06 de setembro de 1942 – aniversário do noivo - com as bênçãos, pedida por ambos e recebidas, do vigário Monsenhor Gonçalves, Idalina, na cidade de São José do Rio Preto, na presença de toda a família e amigos, contraiu matrimônio com o Dr. Jayme Baptista Leone.

Após as bodas, Idalina e Jayme, imediatamente vieram para Vila Pereira, onde este já morava desde junho de 1940, mantendo residência e consultório na Rua São Paulo, antigo nº 641, hoje nº 1793, defronte a Igreja Matriz Santa Rita de Cássia. Neste local moraram até o dia de suas mortes, ela durante sessenta e cinco anos e três dias.
A Vila Pereira crescia rapidamente, seu progresso era em ritmo de velas totalmente enfunadas, a todo vento, “cada dia chegando mais gente de todos os recantos deste país, na maioria constituída de famílias pobres, humildes, além aventureiros e gente graúda também, todos muito bem recebidos e incentivados pelo fundador Pereira que, a muitos deles, doava um terreninho para construção de suas moradias e, assim, Pereira cresceu mais rapidamente que a Brasilândia”, nunca se cansava de dizer-nos nossa mãe querida.

Nos primeiros anos de casados, Da. Idalina era coadjuvante no auxilio na atuação do médico. E, por muitas e muitas vezes, foi, além de esposa, a enfermeira dedicada ao atendimento daqueles pacientes que precisavam de atendimento permanente no consultório instalado na Rua São Paulo.

“Lembro-me dos dias nervosos e amedrontados que vivemos nos anos de 1948-1949, quando em junho de 49, corria a notícia que uma milícia comunista ia invadir a cidade de Fernandópolis, vindo no sentido de Guarani. Isto no dia 24 de junho. Que já houvera um entrevero com resistência armada nas proximidades da fazenda do Coronel Francisco Arnaldo, pelos lados do córrego Capivara. Que as pessoas mais importantes, as lideranças seriam capturadas algumas seriam mortas e que o centro da cidade seria tomado. Temeroso, Jaime me chama, pegamos a Mariá, o João, o Flávio e o Cyro, este com pouco mais de um ano, e nos retiramos daqui onde ainda hoje nós moramos e seguimos para a periferia, para o lado do encontro das fazendas Càfaro e Barozzi, mais no sentido onde hoje se encontra os atuais cemitérios.

Quase próximo onde iríamos ficar, Jayme, pensando melhor, diz: Vamos voltar para casa, o que pode acontecer lá pode acontecer aqui, não temos para onde ir. Seja o que Deus quiser e nos proteja! Nós nunca tivemos rusgas, não praticamos desatinos e nem maldade com quer que seja. Somos livres, vamos aguardar toda e qualquer situação em casa. Um dia após, o Exercito se aquartelou aqui no centro, muitos fuzis com baionetas foram encilhados defronte a Igreja que existia na atual Praça Santa Rita. Assim o foi, mas felizmente nada aconteceu e a invasão da cidade não aconteceu”, contava-nos nossa mãe Da. Idalina.

Contava ela ainda que Jayme era muito amigo de Joaquim Antonio Pereira e “este vivia visitando nossa casa, já que morávamos quase um defronte ao outro. E muitas vezes ele aguardava horas até que Jayme chegasse das suas visitas aos vários pacientes. Pereira, conterrâneo de Jayme, sempre a este incumbia de preparar seus discursos e, quando não podia falar, determinava que Dr. Jayme fosse seu orador oficial, graças à confiança e simpatia depositada”.

Da. Idalina ainda nos disse: “Atendendo apelos de Jayme, Joaquim Antonio Pereira determinou a este que elaborasse de programa para instalação da Santa Casa de Misericórdia, e, conforme publica forma em nossa casa guardada até hoje, fez a doação do terreno que hoje configuram os quarteirões ocupados pela Escola JAP e a Praça da Igreja Nossa Senhora de Aparecida - praça esta que ainda não existia antes de 1944. Outros planos surgiram entre as lideranças da comunidade tão logo Joaquim Antonio Pereira faleceu, no final de 1944, quando exatamente foi criado o município de Fernandópolis e a Santa Casa ali não se instalou”.

“Os dias de maiores tristezas ocorreram nos anos de 1954 a 1955, quando do segundo mandato político-administrativo fernandopolense. Jayme, também jornalista e editor do Fernandópolis Jornal, sofreu intensa perseguição política dos detentores do poder local, juntamente com outro médico, o Dr. Baraldi. Exatamente os dois primeiros médicos a virem para Pereira (em primeiro, Jayme) e Brasilândia (em segundo, Baraldi). Ambos haviam sido nomeados pelo governador Ademar de Barros, a pedido do prefeito Líbero de Almeida Silvares e de seu partido o PSP, para atuarem no Departamento Estadual da Criança, que passara a manter nesta vasta região o Posto Central de Puericultura de Fernandópolis, dirigido por Dr. Waltrudes Baraldi, que, instalado funcionou num antigo prédio que existia entre o centro da cidade e o bairro da Brasilândia, na antiga Avenida União (hoje Av. Líbero de Almeida Silvares), onde hoje funciona a Guarda Mirim e o Rotary Clube; e um Posto Volante de Puericultura, dirigida por Dr. Jayme, que com uma ambulância – Jayme era o próprio motorista - e enfermeiras visitavam mais de dez cidades distritos de Fernandópolis, no atendimento da saúde das crianças da região. Para se verem livres dos dois médicos - um, dono de impeitável e respeitável enfoque jornalístico sobre os temas da época; o outro, com grande ascendência política e densidade eleitoral -, a pedido dos políticos locais, já no governo de Jânio Quadros, sofreram perseguição que culminou com a remoção dos dois médicos para longe de Fernandópolis: um para Iguape e o outro para Cananéia. Incrível, o vice-prefeito eleito daquela gestão também era médico. Jayme não aceitou e renunciou o cargo com a afirmação de que “ninguém lhe removia como se fosse galinha, ninguém me tira de minha querida Fernandópolis”, sempre nos afirmava Da. Idalina. Para ela e Jayme, este foi o fato mais triste de suas vidas aqui em Fernandópolis. Jayme, sempre repetia ela, “era um bom médico, um bom homem, organizado, severo, precavido, incorruptível, nada que conquistou o foi de forma fácil, sempre com todas as dificuldades possíveis e inimagináveis”.
Da. Idalina Bueno Brandão Leone juntamente com seu esposo Dr. Jayme Leone viveu os tempos áureos do inicio de Vila Pereira, enfrentando as dificuldades de um vilarejo tornando-se assim uma das mulheres pioneiras a acompanhar e alavancar, passo a passo, o desenvolvimento contribuindo para o progresso de Fernandópolis.

Em 19 de junho de 1943, Da. Idalina dá a luz à filha primogênita, Mariá Angélica Leone, que, mesmo solteira, foi o baluarte no atendimento e acompanhamento dos pais na fase final de suas vidas. Em setembro de 1944, nasceu João Baptista Leone; em 21 de janeiro de 1946, nasceu Flávio Baptista Leone, (já falecido); em 02 de abril de 1947, nasceu Cyro Batista Leone (único a seguir a carreira de médico); em 29 de setembro de 1951, nasceu Maria Lúcia Leone Gonçalves e a caçula da família Maria Izabel Leone Santana nasceu em 25 de fevereiro de 1954. Filhos estes que participaram com os pais no desenvolvimento da Gráfica Leone, da Livraria e Papelaria Leone e do Fernandópolis Jornal, empreendimentos que surgiram já na década de 1943.

Para ela a família estava em primeiro plano, dedicou-se diuturnamente a cuidar dos seus seis filhos e esposo, todos com esmero e amor. Nunca se descurou no trabalho de alimentar, vestir, educar, exigir e proteger sempre quando necessário. Era mansa, serena, suave, sempre falava baixinho. Mas quando preciso punha-se à frente, falava firme, forte e decidida a proteger seus filhos. Lembro-me bem: Tínhamos hora, à noite, para chegar a casa. Passada das vinte e duas horas ela se postava na frente de casa à espera de qualquer filho, atrasado e inconseqüente, que podia sofrer as reprimendas do pai severo e exigente.

Da. Idalina sabia a história da cidade, viveu a história da cidade: da vila à cidade, do distrito ao município e à comarca, dos movimentos sociais e assistenciais, dos movimentos católicos, da sua turma de quarteirão. Católica fervorosa tinha a piedade cristã em sua forma de viver, ia às missas até que não poude mais andar, mas diariamente rezava o terço e, semanalmente, comungava - comunhão que era lhe dada pelo incansável Cristóvão -, mesmo “dispensada pelo padre”, porque nela, com mais de 90 anos, este certa vez lhe disse, talvez brincando, não havia mais pecado a ser reparado ou perdoado.

Aqui Da. Idalina formou sua família, criou seus filhos, viveu a alegria de conhecer seus netos e mais ainda seus bisnetos aos quais dedicava muitos sorrisos, beijos e elogios, gostava de suas noras e genros e por todos muito amados. Querida por toda a comunidade, principalmente por suas amigas e companheiras, algumas já falecidas. Partiu deixando muitas saudades em todos e, com certeza, Fernandópolis perdeu a memória de grande parte de sua história. Da. Idalina faleceu no dia 09 de setembro, domingo próximo passado, na UTI da Santa Casa após cirurgia para reparação de acidente com fratura óssea da cabeça do fêmur. Ela contava 95 anos de idade, quase 96.

Deus te abençoe, acompanhe, proteja e guarde, minha, nossa mãe! Amém.

Fernandópolis, 14 de setembro de 2007.
João Baptista Leone Sobrinho
Maria Angélica Leone