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“Já estou assumindo minha careca”



“Já estou assumindo minha careca”

Imagina sair de um consultório médico com o diagnóstico de câncer de mama? Imagina, um mês depois, ter a confirmação de que está grávida? Esse turbilhão de emoções tão díspares, de lidar com a vida e a morte, está sendo vivido pela jornalista Tatiana Rodrigues Gonçalves Brandini Barros, 40 anos. Sempre tão prática e resolutiva, a jornalista está aprendendo a lidar com as emoções mais fortes de sua alma. O câncer, a gravidez, a mastectomia radical, a preparação para a quimioterapia, a nova rotina que enfrenta desde janeiro, tudo isso, ela tem compartilhado com um número cada vez maior de amigos e seguidores nas redes sociais. “Jornalista gosta de audiência, né”, brinca. Vinte dias após a cirurgia, quando extraiu a mama esquerda, Tatiana recebeu CIDADÃO com um largo sorriso que emoldurava o rosto, já sem a vasta cabelereira que ostentava até meses atrás. “Estou cortando cada vez mais curto para assumir a minha careca. O meu médico me avisou que duas semana após iniciar a quimio não terei mais cabelo”, diz.A entrevista à véspera do Dia Mundial de Luta contra o Câncer (8 de abril), é um roteiro de coragem de uma mulher que enxerga no câncer “uma oportunidade”:


Há cerca de 60 dias você tornou pública sua luta contra o câncer de mama. Em que momento decidiu adotar essa postura? 
Desde quando soube, já pensei em como as pessoas iriam reagir ao me verem careca e não se assustarem. Pensei em me preparar e preparar as pessoas, para não ter que explicar para todos o que estava acontecendo. Não queria ver as pessoas parando na minha frente e se assustando. Queria não ter essa sensação do susto. A pessoa pode assustar quando sabe, porque eu assustaria se fosse com um amigo ou parente. Mas, assustou lá e eu não vi e quando me encontrar não vai olhar para mim com dó. Depois fui entendendo que teve uma audiência, que as pessoas se interessavam e ai surgiu o aspecto da solidariedade, de ajudar outras mulheres na mesma situação e que passaram a me procurar. 
A filha, a família, o namorado, como reagiram a essa decisão? 
A minha família está sendo muito solidária. No dia que tive o resultado, estava com meu namorado (Dimas Junior). Tínhamos certeza que não seria nada. Quando saí, pelo meu rosto, ele já viu. Eu olhei pra ele e disse, deu. A gente ficou em silêncio um tempão, mas ele me acompanha em tudo, está sempre do meu lado, um parceirão. E minha filha (Lorena), está envolvida com minha luta, com a gravidez. Também, minha mãe, meu pai, minhas irmãs, todo mundo, meus amigos. O câncer é solidário demais, as pessoas despertam. Não à toa que é Hospital do Amor. Eu nunca recebi tanto amor, tanta oração, porque as pessoas ficam solidarias a essa doença. Está todo mundo aprendendo a conviver com isso. Mas, está sendo bem mais fácil do que imaginava.
Como foi processar a informação do diagnóstico? 
Desde 2014 eu identifiquei um nódulo, eu mesma fiz o toque e percebi. Sempre me cuidei. Eu trabalhava na rádio e acompanhando a campanha da Carreta de Mamografia, não tinha idade ainda para fazer o exame, mas pedi e fiz. Foi quando comecei a entender o que era. Mas, sempre me foi mostrado que era um cistozinho. Fiz seis mamografias e seis ultrassons até chegar ao diagnóstico. Então, fiquei revoltada na hora, de verdade, fiquei brava com a médica. Eu tinha pedido biopsias antes, e sempre diziam para ficar tranquila. Cheguei ouvir de médico que isso não é e nunca vai ser câncer. Hoje tenho sugerido para minhas amigas que não ouçam só um médico, ouçam outras opiniões. Não que eles tenham errado, mas eu estaria mais segura se tivesse ouvido outras opiniões. Eu tive alta de um ano. Fiz um exame particular e a médica disse que estava com cara de benigno, mas indicou a biopsia que ficou só para novembro e acabou acontecendo em dezembro. Passei o Ano Novo esperando o resultado. Quando chegou o diagnóstico, eu questionei, como assim? Pedi tantas vezes para fazer a biopsia. E isso acontece com muitas pessoas. Foi ai que entendi que isso ocorreu na melhor época. Em 2014, por exemplo, minha filha não tinha nem 10 anos, eu tinha outra estrutura, tanto relacional quanto profissional. Então acho que aconteceu na hora certa. Depois passou, mas na hora fiquei brava. 
O diagnóstico do câncer veio junto com a notícia da gravidez. Como processou todas essas informações de conteúdos tão diferentes?
É lidar com a vida e com a morte ao mesmo tempo, né. Mesmo sabendo que o câncer de mama é tratável, ainda é o câncer que mais mata no mundo. Então, a gente se depara com a morte, fica de cara com a morte. Se não tratar vai morrer. É engraçado que a vida vai preparando a gente. Eu tive dois abortos anteriores.  Hoje, minha filha tem 15 anos e quando ela tinha sete, oito anos, tentei ter bebê de novo. Nos dois casos abortei, naturalmente, sem motivo. Quando fiz 40 anos, começou a pesar esse negócio de não ter tido mais filhos. No ano passado inteiro pensei em ser mãe de novo. Antes de começar a namorar cheguei a pensar numa produção independente. Estava decidida a ser mãe. Ai aparecem mil coisa que ficam atrapalhando. Uma semana antes de ter o diagnóstico eu passei em Aparecida e pedi para Nossa Senhora limpar meu corpo e que pudesse ser a melhor mãe. Foi uma experiência de meia hora, maravilhosa. Tive a notícia do câncer no dia 15 de janeiro. No dia 15 de fevereiro, vi que a menstruação não vinha. Eu estava fazendo exames para ver se estava com metástase. Mesmo sabendo que a possibilidade era mínima, a gente fica com medo. Quando não veio para mim (a menstruação), logo imaginei ter alguma coisa no útero. Não imaginei que estava grávida. Fiz um exame de sangue no laboratório e me passaram o resultado pelo WatsApp. Hora que eu vi, nossa! Fiz ultrassom na hora para saber de quanto tempo estava grávida. Nem aparecia direito, era um saquinho gestacional. Num primeiro momento, os médicos me apavoraram, porque os tipos de hormônios da gestação aceleram o câncer. Como eu descobri muito cedo, a opção era abortar. Durante uma semana eu concordei em abortar, pensando que tenho uma filha e preciso continuar viva. Só que aí não achava ninguém para fazer o aborto. Entendi que não era para abortar, se a religião dos médicos não dava, a minha também não. Surpreendeu que o feto evoluiu e tive que fazer escolhas por conta da gestação. Fiquei feliz, mas demorou cerca de 20 dias para aceitar e entender que eu havia pedido essa gestação. Geralmente as mulheres engravidam e desenvolvem o câncer. Chama-se câncer gestacional. Eu pesquisava na internet e não achava nada no sentido de quem tem o diagnóstico e engravida. Isso é muito raro, porque tomei muitos radiofármacos. Foi o meu último óvulo limpo, sem quimioterapia, sem radiofármaco. Depois fiz vários exames que são incompatíveis com gravidez. Fiz três ultrassons e disseram que não ia evoluir. Quando chegou no quarto, porque fazia toda a semana, que o coraçãozinho estava batendo, não tivemos dúvida. Evoluiu totalmente, fora do normal. Nunca ocorreu um caso desse em Jales, é novidade para o meu médico também. Na cirurgia, tive sorte do Rogério Goulart (o Groselha) ser o anestesista. Ele fez uma coisa muito especial, quase nunca se faz isso, porque tem que tomar anestesia geral, ele fez uma localizada que não atingiu meu útero. Tenho muita gratidão por isso. Virei o primeiro caso do hospital. Foi sorte eu ficar grávida, porque pelo fato de ter 40 anos eu era a última da fila, a maior parte é idosa que tem esse tipo de câncer. Por lei, a gente tem direito de, 60 dias após o diagnóstico, começar a tratar. Em Jales, por causa da alta demanda eu só iria começar a tratar em final de abril. Por estar grávida, consegui cumprir a lei. No dia que fez 60 dias do diagnóstico eu estava operando. 
A gravidez a levou a tomar uma postura corajosa que foi realizar a mastectomia radical. Estava convicta de que era a decisão mais acertada?
Na gravidez, a gente pode fazer quimio após o quarto mês de gestação. Eu cheguei a pedir a mastectomia radical. Quando tirou o nódulo, estava com seis centímetros e meio. Sabia que tirar um quadrante, que é o que a maioria faz e é o método mais indicado para que as mulheres não sejam mutiladas, não ia ficar legal. Eu queria que limpassem o meu corpo, não tinha apego nessa mama. Inclusive essa mama tinha o bico invertido, nunca gostei muito dela. Quando o médico me falou que por conta da gravidez eu iria fazer a mastectomia radical eu adorei, de verdade, porque queria isso desde o início. Queria fazer das duas, mas não deu. O que muda no meu tratamento é assim, não tem caso, não tem estudo científico, literatura, a respeito da gestação iniciar com o tratamento do câncer. Quando fizer nove meses de gestação, vou completar nove meses de tratamento. Os médicos optaram por me tratar como paciente normal, só que foi decidido inverter, operamos antes. No caso desse tipo de câncer, tenho que tomar uma vacina que é antídoto para não dar metástase. Esse é o único prejuízo da gravidez. Eu não vou poder tomar agora, só após o parto. São 12 doses. Começo a fazer a quimio, paro um mês antes, tenho o nenê, na semana seguinte volto para a quimio, tomo as vacinas e faço a radioterapia. 
Após a cirurgia você também tomou a decisão de mostrar a cicatriz da mastectomia. Que mensagem quis passar?
Eu comecei a usar a ‘#cicatriz que cura’, porque realmente é isso que essa cicatriz significa pra mim. Antes, se não estivesse grávida, teria que fazer sete meses de quimioterapia e olhando para ele (nódulo) diminuindo até um feijãozinho, até tirar. Vi muita coisa feia na internet, de cicatrizações agressivas. A minha foi a radical mesmo, foi até o músculo, sinto o coração de outra forma hoje. Então, achei que fiquei bonita. Achei que seria interessante as pessoas verem. Estou contando tudo e não iria mostrar o principal? Depois que mostrei, recebi muitas mensagens, de pessoas que vão operar me agradecendo, estavam morrendo de medo e após verem a cicatriz, não mais. 
Esse Diário Eletrônico pode virar um livro?
Então, foi a primeira coisa que pensei. Com certeza alguma coisa preciso tirar dessa experiência. Se a gente tem o dom da comunicação, precisa de alguma forma ajudar as outras pessoas. Não sei se como livro, se como podcast, ainda não sei em que mídia, mas quero materializar isso, principalmente para o meu filho, minha filha.
Como jornalista e mulher, o que mudou na sua visão do câncer de mama?
Que a gente tem que correr para que você não se culpe depois. Eu não me sinto culpada. Mas, acho que poderia ter ouvido outras opiniões para que entendesse melhor. O câncer é uma oportunidade para você fazer sua reforma íntima. Eu penso em coisas hoje que antes não precisava pensar. Tenho um outro olhar para a vida, de tentar mudar meu ritmo. Quem me conhece sabe que sou acelerada, sempre fui muito resolutiva e nem sempre isso é bom, acaba gerando um estresse. De alguma forma meu corpo estressou demais e gerou isso. Pra mim, vejo como uma oportunidade de ajudar outras pessoas, de reconstruir meus valores, manter o que me faz bem, eliminar o que não faz bem.
Você chegou a perguntar: Por que eu?
Não, sempre achei merecedora. Pratiquei o budismo durante 15 anos, hoje estudo muito o espiritismo. Então eu sempre entendo que tudo acontece na minha vida a culpa é minha, não é de ninguém. E essa culpa, não significa uma culpa negativa, é efeito. Eu sou merecedora e as minhas orações são para que passe da forma mais tranquila o que eu merecer. Eu mereço, não por castigo, mas como uma oportunidade maravilhosa de ser mais feliz, dar mais valor. Nenhum momento questionei por que eu? Eu até agradeci de ser eu entre minhas irmãs. 
Como se prepara para a quimioterapia?
A quimioterapia, como estou recebendo muito apoio de mulheres que trataram e estão tratando, tem uma dieta que estou me preparando para ela. Mas, cada corpo reage de um jeito. Tem pessoas que ficam uma semana de cama, outras dois dias. Espero que reaja da melhor forma possível. Como grávida, não estou tendo enjoo. Mas, o mais impactante é a queda dos cabelos, sem dúvida. O meu médico já garantiu que por conta dos medicamentos, em duas semanas vou estar sem cabelo. Estou tentando me preparar para isso. Por isso já cortei o cabelo, e a maioria faz isso, corta o cabelo, se prepara, para não ver aquele cabelo de Rapunzel caindo. O que mais me preocupa é como vou reagir ao me ver careca. Eu já tenho lenço, as pessoas já começaram a me dar lenços, não sei se vou usar. Acho que vou assumir minha careca. Já comprei boné. Acho que é o que mais me preocupa é por questão da vaidade. Mas, vaidade é tão pequena, né. O que importa é a energia, a alma. Aquilo das pessoas olharem com dó de mim, não tenho como evitar. Vai acontecer. Então, acho que tenho que transmitir uma energia boa. 
O que representará o ano de 2019 na sua vida? 
Já faz uns dez anos, que escolho uma palavra para definir o ano. O ano passado, foi ‘sucesso’ e realmente foi. O ano anterior foi ‘vitória’ e foi. E esse ano, decidi por ‘oportunidade’. E quer oportunidade melhor que essa? Esse ano tenho a oportunidade de fazer uma revolução. Tem dia que fico triste, que tenho dó de mim, sou ser humano, né. Mas, é meia hora e passa. Por isso, faço Reik, terapia, antes da cirurgia estava fazendo hidro, pilates, meditação, e eu vou continuar fazendo quando for liberada. Isso tudo me ajuda. Sozinho ninguém dá conta. Eu não estou sozinha, minha família está me apoiando, todo mundo está me apoiando. Não sou apenas eu que estou passando por isso. Quando chego em Jales vejo gente de todos os lados. Eu estou aqui do lado, posso ir sozinha. É uma dificuldade? É. Mas, para mim está sendo muito mais fácil. Acho que tive sorte.