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“Jantar do Nosso Lar”, 23 anos de solidariedade



“Jantar do Nosso Lar”, 23 anos de solidariedade
Na noite deste sábado, a sociedade fernandopolense se reúne no Plaza Evento para a 23ª edição do Jantar Dançante do “Orfanato”. Foi em um primeiro jantar em 1996, que um grupo levantou os primeiros recursos para transformar em realidade um sonho. Suzete Angélica Ferrarezi Izaias estava nesse grupo e até hoje atua em favor da entidade que ajudou a fundar. Já foi presidente e hoje atua como coordenadora voluntária. Ao longo do tempo, a entidade que ficou conhecida como “Orfanato” se adaptou aos novos tempos. Hoje é uma OSC – Organização da Sociedade Civil – que funciona como Casa Acolhedora em regime de internato para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, sem distinção de religião orientação política, nacionalidade, raça ou cor. A atual presidente Dejanira Medeiros Soares Peroco define a entidade: “Trata-se de um Abrigo Institucional, classificado como Proteção Social Especial de Alta Complexidade, que ao longo dos anos passou por diversas adequações, buscando sempre trabalhar de acordo com a legislação vigente, mantendo um ambiente acolhedor”. A Associação Assistencial Nosso Lar é uma família com 12 filhos e 18 funcionários e com uma despesa alta, das quais, pouco mais de 50% são repassados pelos governos federal, estadual e municipal. O restante, cerca de 40%, vem da comunidade, auferida especialmente no Jantar ao longo desses 23 anos. Nesta entrevista ao CIDADÃO, Suzete Angélica Ferrarezi Izaias, fala da jornada ao longo do tempo, dos desafios e dos sonhos, entre eles o de construir a sede própria da Associação. Veja:
 
O Orfanato realiza neste sábado o Jantar Dançante, um evento tão tradicional quanto necessário para manter aberta essa entidade?
É verdade. Esse evento já nos acompanha há 23 anos, aliás quando decidimos fundar a entidade, não tínhamos recursos e decidimos realizar o jantar. Deu tão certo, que a promoção se mantém até hoje, é o nosso grande evento, com apoio da população. E é um evento muito importante porque a entidade precisa da renda auferida neste jantar para manter o projeto de acolhimento. Graças a Deus a gente conta com muitas parcerias. Fernandópolis tem pessoas muito solidárias. Elas participam e sabem que a causa é justa. Só temos a agradecer. Todos, da diretoria, voluntários, funcionários da casa, ficam muito envolvidos com esse evento e a população ajuda. Veja que, pela primeira vez, chegamos ao dia do evento com todos os convites vendidos. Neste sábado no Plaza Eventos devemos reunir cerca de 700 pessoas. 
Qual a importância desse Jantar para as finanças da entidade?
A renda com esse jantar entra no caixa dos recursos próprios, vai para a nossa poupança, vamos dizer assim. É bom lembrar que temos um gasto significativo para manutenção dessa Casa Acolhedora. Todos os funcionários (18) são regidos pela CLT, além disso temos de vestir, alimentar, cuidar das crianças e adolescentes acolhidas, proporcionar o melhor para elas. Esse valor vem se juntar aos nossos recursos próprios para a gente ir utilizando ao longo do ano. Todos sabem que os recursos que vêm oriundos dos governos federal, estadual e municipal não cobrem os nossos gastos. Esses repasses somam entre 50 a 60%. O restante temos que dar conta do recado. Esse dinheiro que chega através do jantar e de outros eventos que realizamos durante o ano, é para suprir o restante de 40 e até 50% que nos faltam.
O Nosso Lar, podemos dizer, é uma família com 12 filhos?
Exatamente, não temos casa própria, pagamos o aluguel que não é barato, temos ainda contas de água, luz, telefone e os funcionários. É uma casa de 12 filhos atualmente e que pode chegar a 20 filhos. A legislação permite que esta casa tenha até 20 acolhidos. Isso significa que a qualquer tempo a família pode aumentar. Por isso, temos que estar preparados. O nosso atendimento é ininterrupto, 24 horas, os nossos acolhidos moram aqui, dormem aqui. Eles são retirados de onde estavam por ordem judicial e eles ficam aqui até nova ordem judicial, seja para retornar à família de origem, ou serem adotados. É um processo longo, que requer muitos cuidados, que a Justiça é quem cuida. E essa família precisa se alimentar todos os dias, ir pra escola, se vestir, as crianças crescem, as roupas ficam pequenas e a gente tem que suprir. E podem notar, eles estão sempre bem arrumadinhos para irem à escola. Quando retornam, tem outras atividades, como computação, dança, música, acompanhamento de tarefas, para preencher o dia deles, para que cresçam plenos. Enquanto eles estiverem aqui, a gente faz por eles, o que faz para os nossos filhos. Vão ao médico, tem atividades esportivas, passeios, tudo que a gente pode proporcionar para o bem dessa criança, a gente vai fazer.
Você foi uma das fundadoras da entidade em 1996. Como é olhar a linha do tempo e ver essa entidade chegando próximo do seu primeiro quarto de século já tendo acolhido mais de 600 crianças e adolescentes?
A gente não imaginava que seria um passo tão longo, mas fico feliz, porque ao lado de outras pessoas plantamos uma semente que germinou e deu certo. Esse grupo bateu o pé, acreditou que a cidade precisaria de um lugar assim. A gente nem vê o tempo passar, porque amo esse trabalho. Faço as coisas com prazer. São filhos postiços que vão passando pelas nossas vidas.
O que te mantém nesse trabalho?
É um trabalho muito envolvente. Quando você começa trabalhar em uma Casa Acolhedora como essa, dificilmente sai, porque se envolve com as vidas, com as necessidades, e percebemos que o pouco que podemos oferecer é muito para outras pessoas. Isso me toca muito, não pretendo parar e vou até quando puder. Estou como coordenadora, mas o meu trabalho é voluntário. 
Ao longo desse tempo as nomenclaturas foram mudando, de Orfanato para Casa Acolhedora, por exemplo. Na essência, houve evolução na forma de enxergar esse trabalho?
Depende de cada pessoa. De fato, foram mudando algumas nomenclaturas e hoje nem podemos mais falar Orfanato, a gente trata como Serviço de Acolhimento Institucional, Casa Acolhedora, Abrigo. Orfanato é para aqueles que não têm pais de fato. Hoje a coisa mudou, a maioria das crianças têm pais, são órfãos de pais vivos. Os pais, infelizmente, estão com problemas sérios, envolvimento com drogas ou com outros problemas que a Justiça entendeu que as crianças não podiam ficar onde estavam porque corriam riscos. Elas guardam marcas, cicatrizes, que são doloridas. Ser distanciada daquela família onde nasceu, é muito sério, ainda mais quando sofreram algumas violências de ordem física, moral, abandono. Coisas que machucam profundamente, que são amenizadas, não saram. Hoje nós temos psicólogos que nos ajudam. Todos fazem terapia individualizada para amenizar essas dores, é uma forma de ajuda-los a superar essa fase tão difícil. 
Por que o processo de adoção no Brasil não atende os pais que estão na fila por uma adoção e as crianças que aguardam serem adotadas?
É um fato muito delicado. Essa demora é necessária às vezes, porque precisa-se se pesquisar profundamente. As crianças precisam quererem, de fato, ir morar com outra pessoa, quando forem maiores. E quando são pequeninhos, os pais adotivos eles têm que ter uma vontade imensa de criar um filho. Temos casos de pais que devolveram crianças porque eles acham que é um brinquedo, uma coisa que vai ser lindinha o resto da vida e não é. Filhos dão trabalho, adotivos ou não. As pessoas que adotam precisam ter essa consciência. 
O que representa para Fernandópolis ter sua Casa Acolhedora?
É importante para cada município ter sua Casa Acolhedora, porque é um local apropriado para ser o abrigo na hora da necessidade. Fernandópolis tem duas casas de acolhimento. E precisamos sempre investir em qualidade nestes atendimentos, que se respeite as regras, a legislação. 
Até que momento uma criança permanece aqui sem ser adotada?
Nós atendemos crianças de 0 a 18 anos. Tivemos casos de jovens que completaram 18 anos e não foram adotados. Foram quatro ou cinco casos. Alguns tiveram uma vida positiva, outros não. A gente vai até onde é possível, procuramos orientar e conduzir aquele jovem para o melhor. 
Tem um sonho para ser realizado, o da sede própria?
Já temos o nosso terreno há muito tempo, registrado em cartório, o projeto está pronto, é maravilhoso e, se Deus quiser, vamos construir nossa casa, com tudo de acordo, com os quartos e espaços  bem arrumadinhos. E nós vamos ter que pedir ajuda para a população. Acho que vamos obter sucesso nisso. Estarei viva para ver esse prédio pronto. Não sei quanto vai demorar, mas tenho certeza que vamos conseguir realizar esse sonho.