Entre os dias 20 e 28, Fernandópolis recebeu a visita de duas irmãs (Lidia e Emilia) que integram a Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas, organização sediada em Rodeio-SC, que completará 100 anos em janeiro de 2015 e que realiza missões em 20 estados do Brasil e outros nove países. Elas participaram das celebrações, fizeram reuniões e visitas na cidade pregando o evangelho e passando a mensagem da catequização segundo a filosofia clarifranciscana (São Francisco e Santa Clara).
A freira Lidia Mondini, descendente de italianos, nascida no dia 10 de março de 1934 em Rio D’Oeste e freira desde os 16 anos, é licenciada em Ciências Sociais e Contabilidade e inclusive já morou em Fernandópolis entre os anos de 1993 e 1998 quanto atuou na Paróquia São Luiz Gonzaga, no Bairro da Brasilândia.
Ela destaca o trabalho de seu a congregação, fala sobre preconceitos por não utilizar o tradicional hábito (vestes) e destaca importância do trabalho de catequização dos povos.
O que te levou a se tornar freira?
Haviam duas irmãs catequistas que me perguntaram se eu gostaria de me tornar freira, assim como minhas duas tias, que também eram irmãs catequistas franciscanas, uam se chama Luiza e outra Onorata, e sem mais nem menos, sem saber muito, afinal tinha apenas 10 anos, estava no segundo ano (ensino fundamental) eu gostei muito do trabalho delas. Aí eu pedi para meu pai e ele me disse: “você que sabe”. Então fiquei seis meses ajudando elas e depois entrei em definitivo no Colégio.
Comparando com os dias atuais, diminuiu o número de garotas que decidem se tornar freiras?
Eu tenho experiência lá de casa mesmo. Nós éramos em nove irmãos, sete mulheres e dois homens. Eu e outras três irmãs éramos do Colégio. Duas ficaram e duas saíram. Eu vejo da seguinte maneira, no meu tempo. Seis destes meus irmãos tiveram nove filhos e atualmente, a maioria tem um filho, no máximo dois então a proporção é diferente. Esse é um dos motivos, o outro é que nesta pós-modernidade tudo é mais fácil, oferece o bem estar. Antes era tudo mais difícil.
Se tivesse nascido nos dias de hoje, acredita que teria tomado a mesma decisão?
A mesma. Eu estou muito feliz, animada em prosseguir e não tem ninguém que muda minha cabeça. Tive muitas oportunidades de ter me casado, ter filhos... Como eu era nova na minha comunidade, muitos rapazes diziam que eu era bonita, questionando porque eu era freira, dizendo que eu poderia me casar, sair. Então tive oportunidade mas a minha vocação realmente era ser irmã catequista, missionária e ninguém muda esse jeito.
Acredita que isso é um dom, ou não existe uma pré-destinação para pregar o evangelho?
Qualquer um pode pregar o evangelho. Mas, ser religioso assim, não é só pregar, fazer bonitas palestras, ou estar lá. É uma característica própria de cada pessoa. E nós não somos diferentes das outras pessoas. Nós podemos também dançar, brincar, tomar cerveja e tanta coisa bonita que podemos fazer e já fiz. Aprendemos muito com o povo e essas visitas revitalizam nossa vocação.
Qual a principal dificuldade nessa trajetória de 63 anos como freira? Alguma coisa lhe faz falta?
Dificuldade todos temos. Mas é difícil eu guardar rancor de alguém, que tenha discordado de mim. A dificuldade, na minha opinião, é ver uma pessoa, doente, excluída ou pobre. Essa vida me completa e enquanto eu tiver saúde vou ficar para o lado de cá. Todos somos diferentes e acolher esse diferente é que embeleza a vida.
Já pensou deixar a vida de freira cessar o trabalho como irmã catequista franciscana?
Ainda não me deu essa tentação. Esse entusiasmo eu ainda não perdi, e enquanto eu tiver saúde vou continuar. Inclusive aconselho muito minha irmã que também é catequista mas está doente a continuar com a missão dela. Ela teve um AVC – Acidente Vascular Cerebral e ainda não reestabeleceu mas sempre digo para ela ser corajosa e forte e que se recupere logo para continuar firme na vida religiosa e consagrada.
Qual a importância desse trabalho para a sociedade em geral?
É um trabalho grande, bonito e gratificante. Seja em qualquer lugar, na cozinha, com os doentes ou em um gabinete, para mim tudo é missão que com seu exemplo e seu testemunho você pode ser missionária ajudar as pessoas. Jesus andava no meio do povo, curando, dando atenção...E assim, conseguimos semear a fraternidade, o amor, a perseverança, a fé e essa compreensão de que somos diferentes.
Acredita que ainda existe algum preconceito com freiras? Já sofreu algum tipo de represália pela opção?
Muitas vezes há por ser uma congregação mais libertadora, mais aberta, por não andarmos de hábito, de uniforme, ou por andarmos como o povo. Temos uam veste civil de todos e ninguém nos impede nem nos adverte se fizermos um passeio, ter relações com pessoas, homens... Desde que fiquei freira com 16 anos sempre tive essa abertura, e para mim não tem empecilhos. Alguns familiares dizem que escolhia melhor parte da minha família, que era seguir essa jornada de freira. Mas a única passagem de preconceito foi quando paramos de usar o hábito (vestes tradicionais) e disseram algumas coisas ruim a nosso respeito, que prefiro não citar.
Como foi realizado este trabalho em Fernandópolis? Quantos dias estiveram por aqui?
Nós estivemos em Fernandópolis do dia 20 ao dia 28. Não viemos espontaneamente, nós fomos enviadas por todas as irmãs catequistas franciscanas por ser uma diocese que marcou nossa caminhada. Viemos para propagar um pouco a nossa história, da nossa congregação e do nosso centenário (completará no dia 14 de janeiro de 2015). Não houve muita programação. Conversamos em grupo, com as famílias, nas missas, fizemos visitas nas residências levando folders da nossa congregação e distribuímos em todas as comunidades. Eu e a Emília viemos a Fernandópolis pois fazemos parte da coordenadoria Santa Genoveva de São Paulo, por isso estamos nesta região. Irmã Genoveva foi uma irmã que trabalhou aqui e nossa congregação está divida em províncias e uma coordenadoria. Nossa atuação missionária se dá no campo da atuação popular, catequese, formação de liderança e de comunidades eclesiais de base, juntos aos povos indígenas e no meio urbano e etc...
Existe algum roteiro ou o trabalho foi específico em Fernandópolis?
Não dessa vez viemos a Fernandópolis e depois retornamos a Rodeio-SC. Mas no próximo dia 14 já temos uma outra viagem. É o ano inteiro fazendo visitas.
De todas as visitas que já fez em todo país, o que mais lhe chamou a atenção em Fernandópolis?
Com certeza a amizade e o acolhimento que foi enorme nas casas. Embora não tenhamos ido em todas a gente percebe o amor e o bem querer que eles tem pela vida religiosa consagrada. Vemos que o trabalho tem sido propagado. Imagina se isso parar? Nós não vamos salvar o mundo mas vamos fazer o pouco que podemos fazer. Enfim, a aceitação não foi boa, foi ótima em Fernandópolis.
Para quem acredita na religião como forma de melhorar a sociedade, a senhora acredita que a catequização é a melhor forma ferramenta para disseminação do evangelho?
Cada vez nós nos renovamos, traçamos prioridades e caminhos. A prioridade mesmo é primeiro trabalhar a espiritualidade clari-franciscana de evangelização do meio do povo, depois vem os projetos sociais-alternativos. Mas nos dias de hoje precisamos nos atualizar muito. Hoje em dia é mais difícil por essa abertura que antigamente era bem maior.
Existe alguma diferença marcante de uma família catequizada para uma que não é catequizada?
Para mim, não sei se podemos dizer catequizada. Cada um tem uma característica. Talvez uma pessoa catequizada é menos que uma pessoa que não foi catequizada. Porque o interior dela tem que ter algo que preenche. Nosso interior é como um poço bem fundo e ninguém vai até o fundo. Pode ir até a margem, mas não vai até a profundidade do poço para ver o que se encontrará. Então vai de cada um. Somos todos diferentes e nós acolhemos qualquer um.
A mudança papal interfere em algo na filosofia de uma congregação como essa que possui quase um século?
Acho que já com o Concílio Vaticano II (em 1961, que regulamentou vários temas da Igreja Católica) já mudamos muito. Antes diziam que não podíamos ser freiras por não usar o hábito, com véu, colarinho branco, vestido preto... Mas antes do concílio nós já havíamos revisto nossas origens e já não utilizávamos o hábito. E depois que parei de usar acredito que fiquei mais responsável ainda ao compromisso. Antes era mais fácil, diziam que éramos santinhas pelas roupas, pois já sabiam que éramos freiras já agora temos mais responsabilidade pois andamos como o povo. Já nova eu tinha ideia inovadora. Não queria usar aquele vestido nem o cordão franciscano (terço cumprido), queria usar um vestido normal, como povo.
Se a senhora mudar algo no mundo que julga ser fundamental para a continuidade de uma sociedade de bem o que diria?
Eu diria para o povo, inclusive de Fernandópolis para que continuem na caminhada com muita esperança, fé e muita coragem nas pegadas de Jesus Cristo.