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Lobby para boicotar carne brasileira preocupa pecuaristas



Lobby para boicotar carne brasileira preocupa pecuaristas
“Não sei o que os europeus querem. Nossa carne é saudável, passa por todos os testes. Isso é uma reserva de mercado descarada”. A frase, de um pecuarista de Fernandópolis que preferiu o anonimato, foi a resposta preocupada à informação publicada em matéria especial do jornal “O Estado de São Paulo” da última terça-feira sobre o lobby armado pelo Comitê de Agricultura do Parlamento Europeu contra a carne brasileira.

O Comitê, segundo a publicação, pediu “o embargo total e imediato” das importações do produto brasileiro. Os deputados em sua maioria seriam favoráveis ao embargo, o que “justificaria” a aplicação da medida.

A Comissão Européia pretende enviar técnicos veterinários ao Brasil, nos próximos meses, para avaliar as condições fitossanitárias da carne de exportação. Entretanto, um alto funcionário da Comissão garantiu que a decisão será técnica, “e não levando em conta a vontade dos deputados”, afirmou.

Por trás dessa atitude aparentemente em defesa da saúde dos europeus, está um jogo francamente político-econômico: os deputados acreditam que a Comissão Européia esteja camuflando os problemas fitossanitários do Brasil para continuar comprando carne mais barata e manter a inflação da Europa em patamares reduzidos. No ano passado, dois terços da carne consumida no “Velho Mundo” tinha como origem o Brasil.


DEFESA PECUÁRIA
O médico veterinário Susumu Ishikawa, diretor técnico de serviço da defesa pecuária em Fernandópolis, acredita que se trata apenas de jogo de interesses comerciais. “É possível até que, por trás disso, haja algum país de olho nesse mercado de US $ 1,5 bilhão anual”, disse.
“Países francamente exportadores como a Argentina, o Uruguai e a Austrália podem ser os verdadeiros ‘pais’ desse lobby”, especulou.

O veterinário explicou que quando a OIE (Office International Des Epizooties, ou Organização Internacional de Saúde Animal) recebe uma denúncia sobre eventuais zoonoses ou quaisquer fatores que possam colocar em risco a saúde do consumidor, ela faz uma notificação compulsória e envia uma comissão ao país denunciado para apurar os fatos.

“No caso do Brasil, a denúncia recente, feita há um ano e meio, se referia ao foco de febre aftosa detectado no Mato Grosso do Sul. Os Estados de São Paulo e Paraná, por serem limítrofes, foram prejudicados, apesar de São Paulo não ter casos de aftosa há mais de dez anos”, informou Ishikawa.

Existe um circuito pecuário no Brasil, que nada mais é do que a divisão das áreas de produção em regiões. São Paulo pertence à região centro-oeste, da qual também faz parte Goiás, estado que foi o grande beneficiado depois do surto do MS: “Por não ter divisa com o Mato Grosso do Sul, Goiás está livre de qualquer restrição”, revelou o veterinário.

Até recentemente, cerca de 70% da carne para exportação saía de São Paulo. Depois da restrição, no início de 2006, Goiás, o único estado que recebeu a certificação da OIE, se tornou um grande centro exportador.


HORMÔNIOS
Sobre a informação de que os lobistas europeus teriam tentado impressionar os deputados com fotos que mostrariam um produtor brasileiro aplicando hormônios em bois – procedimento proibido na Europa – Ishikawa disse que “é fácil produzir uma farsa fotográfica. Você pode fotografar alguém vacinando o gado e dizer que essa pessoa estava aplicando hormônios”, rebateu.

Em Fernandópolis, a notícia causou preocupação em vários setores também pelo fato de que a IFC (International Food Company), que assumiu recentemente o Frigorífico Mozaquatro, através de arrendamento, trabalha exclusivamente com exportação. Lideranças locais temem eventuais reflexos negativos nos 600 empregos oferecidos pela empresa. Entretanto, o diretor administrativo da IFC, Reginaldo de Freitas, não foi localizado para se manifestar.


SP não tem febre aftosa há 10 anos
Embora não tenha casos detectados de aftosa há mais de dez anos, o Estado de São Paulo não abate apenas animais produzidos em seu território – o que configuraria uma “fragilidade” no sistema de controle, na ótica dos observadores internacionais.

O gado paulista, porém, consegue preencher os mais importantes requisitos dos padrões de primeiro mundo. Há anos as campanhas de vacinação – realizadas nos meses de maio e novembro – se aproximam dos 100%. Além disso, quando o produtor não vacina o gado, a defesa pecuária promove a vacinação compulsoriamente.

O médico-veterinário Susumu Ishikawa afirma que o achismo domina o pensamento europeu. “Eles acham que, só porque os EUA, o Canadá e o Japão tiveram casos do ‘mal da vaca-louca’, o Brasil também deve ter. Só que isso nunca foi constatado. ‘Vaca-louca’, comprovadamente, teve foi na Europa...”

É muito provável que a origem da BSE, ou encefalopatia espongiforme bovina – nome científico da vaca louca, esteja no uso de farinha de ossos para alimentar bovinos destinados ao abate, prática comum na Europa até há alguns anos. No Brasil, isso não acontece, porque a farinha de ossos é utilizada na produção de rações para cães e gatos.