O Tratado de Amizade, Com�rcio e Navega��o, assinado em 5 de novembro de 1895, em Paris, na Fran�a, iniciou oficialmente as rela��es diplom�ticas entre o Jap�o e o Brasil, transpondo as barreiras culturais e geogr�ficas de dois povos.
H� cem anos, o navio Kasatu Maru aportou em Santos, S�o Paulo, trazendo os primeiros imigrantes japoneses. 791 pessoas, a maioria deles agricultores, deixavam um Jap�o cercado pela explos�o populacional e desgastado pelas guerras travadas contra a China e a R�ssia, em busca de prosperidade e vida nova.
Em 17 de setembro de 1918 era a vez do navio Wasaka Maru chegar a Santos. A bordo, havia um menino de 5 anos, que, junto com os pais e outros irm�os, buscava em terras brasileiras o sonho da prosperidade. Tsuneo Sano passou momentos dif�ceis por aqui, e chegou a ver seu pai arrependido da mudan�a.
Com muita perseveran�a, lutou e conseguiu alcan�ar o que sua fam�lia buscava. Hoje, aposentado e prestes a completar 95 anos (20/01), ele fala dos sonhos, das dificuldades e do prazer de ter, ao lado da esposa Hanami, conseguido dar estudo aos oito filhos: Arnaldo, Nestor, Reinaldo (falecido), Hideo, Oswaldo, Hatsue, L�dia e Mari.
Uma li��o de vida e um doce de pessoa!
Glenda Scandiuzi
CIDAD�O - Por que seus pais resolveram vir para o Brasil? A situa��o econ�mica de voc�s n�o era favor�vel?
TSUNEO - Era sim, a fam�lia Sano estava bem no Jap�o, mas meu pai escutou dizer que aqui no Brasil se ganhava muito dinheiro, por isso resolveu que a gente viria para c�.
CIDAD�O - Qual era a atividade do seu pai no Jap�o?
TSUNEO - Era na lavoura tamb�m, no cultivo do arroz e do bicho da seda.
CIDAD�O-O senhor tem lembran�a de sua inf�ncia no Jap�o, j� que veio para c� muito pequeno? Algum fato marcante daquela �poca?
TSUNEO - Ah, eu me lembro da casa da minha av�. Na minha cabe�a era uma casa imensa, muito grande mesmo. Depois que voltei para o Jap�o fui at� essa casa e s� nessa �poca � que descobri que a casa que eu achava muito grande � bem pequenina, tem um corredor que eu achava imenso, que na verdade n�o tem nem um metro de largura (risos).
CIDAD�O-Sua fam�lia veio em qual navio? Sabe-se que a viagem do Jap�o ao Brasil, naquela �poca, demorava muitos dias. O primeiro navio, que aportou em Santos, em 1908, o Kasato Maru, demorou cerca de 90 dias para chegar aqui. O navio em que vieram tamb�m demorou esse tempo?
TSUNEO - Quase. N�s viemos em um navio chamado Wasaka Maru, no dia 17 de setembro de 1918. A viagem demorou 65 dias, fora os 5 dias que ficamos parados no mar, sem poder descer do navio porque tinha gente doente a bordo e era proibido descer. Eu lembro que meus pais, meus irm�os e eu quando chegamos aqui fomos direto para uma hospedaria. L� ficamos mais ou menos uma semana para depois irmos para a fazenda. Tem uma coisa que eu me lembro bem, durante a viagem todo mundo comia e dormia junto, perto um do outro, n�o tinha muita divis�o n�o.Eu adorei comer bacalhau, mortadela e batatinha. A minha m�e n�o gostou muito, achou o tempero forte demais.
CIDAD�O - Para qual regi�o do estado voc�s foram levados? Qual a cultura que trabalharam primeiro?
TSUNEO-A primeira fazenda que fomos morar foi perto de Ribeir�o Preto, chamada Fazenda Santa Ol�mpia. L� era uma fazenda de caf� e n�o tinha casas muito boas, n�o tinha quartos separados. Ao todo eram uns 30 japoneses trabalhando na terra, mais uns 30 espanh�is e uns 30 italianos, com isso aprendi um pouquinho de cada l�ngua. Eu ficava brincando na fazenda e morria de medo de bois (risos).
CIDAD�O-Como voc�s eram tratados, era dif�cil trabalhar e conviver com essas pessoas nessas fazendas?
TSUNEO - Eu era muito pequeno, mas me lembro de um sino que tocava �s 6h para acordar todo mundo, depois vinha um fiscal que levava o pessoal para a ro�a. Em seguida ele voltava para ver se tinha ficado algum pregui�oso para tr�s (risos). O sino tamb�m era usado para avisar a hora do almo�o, do descanso e quando voltar ao trabalho.
CIDAD�O-O senhor, nessa �poca, precisava freq�entar a escola. Como fazia para entender o portugu�s?
TSUNEO - Eu ia para a escola com um dos meus irm�os. Nos dois primeiros anos eu n�o aprendi nada, nada. Era s� olhar para a professora que eu come�ava a chorar de desespero porque n�o entendia o que ela falava.
CIDAD�O-Sua fam�lia passou por dificuldades aqui no Brasil?
TSUNEO - Sim, passamos dias muito tristes aqui. Durante todo o tempo em que trabalhamos na terra passamos por algumas fazendas. Em uma delas, na Fazenda dos Ingleses, em Uchoa, passamos os piores momentos. Meu pai j� estava doente e a fazenda ficava muito longe da cidade. Para comprar rem�dios era preciso andar uns 3 quil�metros e na fazenda n�o tinha cavalo, ent�o era tudo a p�. Nossa casa era feita de barro, junto ao coqueiro e um dia, de madrugada, pegou fogo no coqueiro e a nossa casa foi destru�da, junto com tudo que trouxemos do Jap�o. Foi muito triste, n�o tinha o que comer, ficamos mais de um ano comendo s� arroz com o sal das latas de bacalhau ou sardinha que sobrava dos outros. Durante esse tempo meus irm�os menores nasceram e eu que cuidava deles porque tinha a sa�de fraca e n�o ia para a ro�a. Um dia um dos fiscais, me ofereceu comida e insistiu para a gente comer e como a nossa educa��o n�o permitia falar das dificuldades, eu falava que a gente j� tinha comido, mas era mentira. Quando eu aceitei, n�s comemos tanto, muito mesmo (muita emo��o e pausa).
CIDAD�O - Demorou muito para essa dificuldade passar?
TSUNEO - Depois que mudamos novamente de fazenda as coisas come�aram a melhorar, eu j� era mais velho e meus irm�os tamb�m ent�o todo mundo trabalhava, conseguimos pagar algumas d�vidas que t�nhamos e come�amos a plantar algod�o. Em seguida fomos para um s�tio perto de S�o Jos� do Rio Preto, arrendamos um peda�o de terra e o que a gente plantava era nosso. Ap�s um ano compramos o primeiro peda�o de terra e plantamos caf�. Ganhamos um bom dinheiro, mas depois o pre�o do caf� abaixou e vendemos a terra.
CIDAD�O - Se o senhor n�o trabalhava na ro�a, o que fazia ent�o?
TSUNEO - Eu decidi que queria ser negociante, ent�o, minha m�e come�ou a me ensinar a fazer contas. Foi quando eu fiquei sabendo de uma vila, mudamos para l� e montamos um boteco. Em Onda Verde comprei meia d�zia de refrigerantes, algumas outras coisinhas e comecei meu neg�cio, que deu certo. L� me casei com Ana (Hanami), e tive quatro filhos, os outros 4 nasceram aqui. Naquela �poca, n�o havia namoro. Fiquei sabendo que tinha uma mo�a de fam�lia boa em Barretos, fui l� ver, sem ela saber que eu ia com a inten��o de arrumar uma esposa, � claro, sen�o ficava muito chato, gostei e n�s nos casamos.
CIDAD�O - Depois disso o senhor veio parar em Fernand�polis e fundou a inesquec�vel Sano Cal�ados?
TSUNEO - �, j� em Onda Verde, separei os neg�cios que tinha com os irm�os. Procurando um lugar melhor, com mais futuro, ficamos sabendo que tinha um lugar chamado Vila Pereira e resolvemos vir para c�. Isso em 1946. Foi a� que come�amos a nossa loja, e aqui criamos nossos filhos, que hoje s�o formados e vivem felizes com suas fam�lias. Eu tenho um orgulho muito grande da minha fam�lia. Eu e minha esposa somos muito amados por eles.
CIDAD�O - O senhor retornou ao Jap�o quantas vezes?
TSUNEO - Eu e minha esposa fomos duas vezes e at� fomos recebidos pelo governador, chegamos a jantar com alguns deputados l�. � que quando a cidade em que eu nasci, Mie-Ken, passou por dificuldades por causa de um terremoto, eu me reuni com alguns japoneses e conseguimos mandar um bom dinheiro para l�. Como ficava complicado escrever o nome de todos, coloquei apenas o meu, na inten��o de facilitar as coisas. Quando ficaram sabendo que eu e minha esposa est�vamos l�, fizeram quest�o de nos receber com festa.
CIDAD�O-E agora o que o senhor faz?
TSUNEO - Eu viajo, passeio bastante. J� trabalhamos muito nessa vida.