Andreza Spina, casada, com dois filhos, está há 4 meses na direção da Unidade de Semiliberdade de Fernandópolis. Formada em Direito pela Universidade de Franca, possui 6 anos de experiência em unidades de internação em sistema fechado para menores infratores da Fundação Casa, ex-Febem, em Ribeirão Preto. A Unidade de Semiliberdade local tem capacidade para receber 25 menores-infratores e atua em administração compartilhada entre a Fundação Casa e COFASP (Comunidade das Famílias São Pedro), entidade integrante à Igreja Católica da cidade, atendendo desde agosto toda a região, além da circunscrição das Comarcas de Marília, Lins e Araçatuba. Hoje com 18 adolescentes de 12 até 21 anos, a Semiliberdade foi inaugurada em Fernandópolis no dia 31 de maio de 2006, no bairro Jardim Progresso.
CIDADÃO: Há quanto tempo a sra. está na direção da Unidade de Semiliberdade da Fundação Casa, ex-Febem, em Fernandópolis?
ANDREZA SPINA: Faz 4 meses que assumi o cargo de Diretora de Unidade aqui na Semiliberdade. Há 6 anos trabalho em unidades de internação em Ribeirão Preto, onde a Fundação Casa mantém centros de internação em sistema fechado.
CIDADÃO: Que motivo levou à mudança de nome na instituição? Estigma? Existe alguma diferença na estrutura da Fundação Casa se comparada com a antiga Febem?
ANDREZA SPINA: Houve sim, e que mudança! Porque a Febem antigamente tinha realmente o estigma de rebeliões, e eu acho que tinha uma nuvem negra na Febem. Mas hoje o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Sócio-Educativo) é aplicado quase que diariamente, e está dentro da gestão compartilhada. A Fundação Casa possui uma parceria com o SINASE, e eu observei um grande avanço para a Fundação. Essa parceria proporciona um ambiente muito mais favorável às atividades de educação dos menores, isso em questão de arquitetura, por exemplo, em Ribeirão Preto existem unidades para 100 meninos, hoje temos unidades com 40 adolescentes, a gente trabalha muito melhor com menos internos em um espaço mais adequado.
CIDADÃO: Qual a capacidade da Unidade de Semiliberdade em Fernandópolis e quantos menores estão nela hoje?
ANDREZA SPINA: A capacidade é para 25 menores e hoje, com a chegada de mais três menores de Jales, que está para ser concluída, teremos 18 meninos internados.
CIDADÃO: Quais atos infracionais levam um menor à Semiliberdade?
ANDREZA SPINA: Furtos, roubos, roubos qualificados, porte e tráfico de entorpecentes, que são considerados crimes leves, e não sei se são tão leves assim. Mas em unidades fechadas há menores que cometem delitos muito piores, bem mais pesados.
CIDADÃO: Quando a Semiliberdade foi inaugurada no Jardim Progresso houve uma grita popular dos moradores do bairro contra a implantação da unidade. E hoje, como está a convivência com a população, melhorou?
ANDREZA SPINA: No que tange à convivência com a população nós não temos o que falar. Nossa relação com a vizinhança é muito boa e não tem problemas. Antigamente, antes de minha vinda para cá, alguns menores causavam tumulto, pulavam muros, e aí já viu, a vizinhança realmente reclamava. A gente não tem mais o número de evasão que antes era registrado. O nosso problema é o muro dos fundos da unidade, divisa com o Cemitério (da Saudade), pois ele é muito baixo. E foi até uma discussão que tive quando cheguei, pois defendi que não seria necessário aumentar esse muro, já que não se trata de uma unidade de sistema fechado, e temos que fazer o menor cumprir as medidas que são ordenadas na Semiliberdade. Mas nós temos todo um aparato de segurança, pois estamos lidando com menor infrator.
CIDADÃO: Tem algum menor que já se evadiu mais de uma vez da unidade?
ANDREZA SPINA: Sim, temos um caso em que um menor não quer acatar as normas aqui da Semiliberdade. Isso ocorre porque ele veio de unidades de sistema fechado, então, ao chegar na Semiliberdade, ele não quer acatar as normas, porque lá ele tem que cumprir e ponto final. Aqui nessa unidade, que é um elo entre a semiliberdade e a sociedade, ele está com um pezinho na instituição e outro pezinho na rua. As evasões diminuíram consideravelmente, e temos trabalhado muito com as famílias, pois essas famílias são desestruturadas mesmo, e a gente está buscando esse suporte dentro da unidade, chamando as famílias para dentro da unidade. E o menor tem a consciência de que ao se evadir e não retornar dentro de 24 horas ele não faz mais parte de nossa população. Quando isso ocorre, nós fazemos um ofício ao Juiz que determina uma internação ou sanção ao menor, ou aplica outras medidas. Só que mais pra frente ele irá retornar ao regime de semiliberdade, depois de ter passado por uma internação fechada, onde os procedimentos são totalmente diferentes. É como digo, a semiliberdade é um elo entre o adolescente que está na instituição e a comunidade.
CIDADÃO: As parcerias com a Fundação Casa, por exemplo a COFASP, são em sua maioria ligadas à Igreja Católica?
ANDREZA SPINA: Em sua maioria sim. E isso para mim é uma novidade, trabalhar em gestão compartilhada, é a primeira vez, mas está sendo muito gratificante. Dividir nosso trabalho é bom, compartilhar as nossas ações, e antigamente a Febem era uma nuvem negra e hoje não é mais vista assim pela sociedade, e foi exatamente a gestão compartilhada, com todas as parcerias que a Fundação Casa possui, que mudou esse quadro.
CIDADÃO: Pegando o arquétipo do menor infrator, hoje, no século 21: o que se passa na cabeça dele, desse menor do mundo informatizado vivendo em nossa atual realidade social, qual é o seu perfil?
ANDREZA SPINA: É um perfil difícil de se descrever. Em sua maioria é um garoto que não possui condições financeiras para consumir, mas vive um mundo muito consumista. No mundo consumista é lógico que ele vai querer ter várias coisas, e não pode, isso é evidenciado em nossas visitas às suas famílias. Há muita ansiedade nesses garotos, que também não possuem uma perspectiva de futuro, o que é muito triste. Ele é alheio a tudo o que nós propomos.
CIDADÃO: Então é de responsabilidade da Fundação buscar a luz no fim do túnel para esses menores?
ANDREZA SPINA: É exatamente nesse momento que a Fundação Casa entra, e por isso que o nosso suporte técnico é importante. O menor não quer nada com nada, ele diz: não quero fazer parte de nada, eu vou é roubar. Isso é muito comum. A falta de afetividade desse menor, a carência, e nós sentimos a falta de autoridade familiar, dentro de suas casas. Hoje nós trabalhamos com duas profissionais, uma assistente social e uma psicóloga, além da parceria com a COFASP, que nos garante todas as assistências necessárias aos menores, buscando outros horizontes, um novo futuro a esses menores.