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Quintino e Quirino, mestres da Folia de Reis



Quintino e Quirino, mestres da Folia de Reis

Miguel Ferreira de Souza e João Ferreira de Souza. Eles aprenderam a cantar aos 8 anos e aos 15, como Irmãos Ferreira, ganharam o concurso musical organizado pelo locutor Mauro André na Rádio Cultura. Ganharam como prêmio a gravação de um disco de 78 rotações. Nascia alí, na década de 60, a dupla Quintino (o Miguel)  e Quirino (o João), a representação viva da cultura sertaneja raiz de Fernandópolis e região. Em 1964, explodiram com as músicas “Pagode 15” e “Minha Esperança”. Com a grande repercussão de suas músicas, foram convidados pela dupla Vieira e Vieirinha para fazer teste na Gravadora Continental e em 1975 gravaram o primeiro LP pela gravadora. Passados mais de 60 anos, os irmãos de Brasitânia, filhos de Quirino Luiz Ferreira e Rita Cândida de Jesus, buscam na música a energia para tocar a vida. Gravaram 8 Lps e 2 CDs. Cantam Fernandópolis e se orgulham de serem os maiores cantadores de Reis do Brasil reconhecidos com o Diploma ‘Os Grandes Mestres da Folia de Santos Reis’ outorgado em 2005, durante o 4º Encontro de Companhias de Reis em Alberto Moreira, Distrito de Barretos. Os irmãos Quintino, que vai completar 79 anos em março, e Quirino, 80 anos completados em outubro, continuam na estrada com sua Companhia de Reis. E não pensam em parar. Hoje, Dia de Santos Reis, Quintino e Quirino são os entrevistados do CIDADÃO. Veja: 

Quanto tempo cantando?
Quintino – Mais de 60 anos
Como nasceu a dupla Quintino e Quirino?
Quintino – Acontece o seguinte. Naquela época quase não tinha rádio, televisão, não tinha coisas para distrair a criança. Então, o que que a gente fazia? A gente via os outros tocando instrumentos e queria aprender também. Começamos aprender num cavaquinho, depois uma viola. A gente aprendeu olhando a pessoa no instrumento fazendo a posição e repetia. Foi assim que aprendemos a tocar, ouvindo e olhando os outros, sozinhos.
Quem tocava instrumento na casa de vocês?
Quintino – O meu pai tocava viola. 
Quirino - Tinha um irmão, o Joaquim que a gente chamava de Quereno, que aprendeu primeiro. Ele tocava até em bailes e nós pegamos primeiro no cavaquinho, depois a viola, violão. A gente escutava Tonico e Tinoco e vinha a vontade de fazer. Escutava uma vez só e na segunda a gente já cantava. 
Vocês são mais ou menos da mesma idade. Isso garantiu a afinidade que dura até hoje?
Quirino – A gente sempre esteve junto, desde pequeno. 
Quintino – No início, o João (Quirino) tocou com outro irmão nosso, o Antônio, mas em pouco tempo formamos a dupla. O que nós fazemos é de ouvido, não pegamos um papel (partitura) para tocar. Não estudamos isso aí. Tudo que a gente sabe, nós aprendemos ouvindo. Depois que o nosso pai comprou um aparelho de rádio a gente ouvia a Rádio Nacional, Rádio de São Paulo, ouvindo Tonico e Tinoco, ai veio Vieira e Vieirinha e várias outras duplas que influíram na nossa formação.
Quando vocês cantaram juntos pela primeira vez em público?
Quintino – Você lembra?
Quirino – Eu não lembro. Olha, em Brasitânia a gente cantou em um alto falante numa casa lá. O pessoal dizia que era Tonico e Tinoco. Nem outras pessoas falando que eram os Quirino, eles acreditavam, achavam mesmo que eram Tonico e Tinoco. 
Quintino – É que a gente cantava música deles e procurava imitar. Foi assim que começamos nos apresentar.
Em 1963 teve o concurso que vocês ganharam. Como foi?
Quintino – O concurso que teve na Rádio Cultura foi de violeiro. A gente não gostava muito de participar de concurso porque quem perde sempre fica chateado e quem ganha fica alegre. Decidimos que não iríamos participar porque já tínhamos uma programação na rádio. Aí o Mauro André disse que não tinha como ficar de fora. Todo mundo vai e vocês não vão? Então vamos. Entramos e a disputa foi puxada. 
Quirino – Tinha mais de 60 duplas. Fomos classificando e ficamos entre os 10. 
Quintino - Quando começaram a chamar, eu falei para o Quirino. Vamos ganhar. Foi no Cine Fernandópolis e o povo juntou. Foi uma alegria muito grande. 
Quirino – No palco ficaram duas duplas para anunciar o primeiro e segundo lugar. A gente ficou sem saber quem era vencedor. Nós ficamos em primeiro lugar e ganhamos a gravação de um disco.
Qual a música que deu o título para vocês?
Quirino – Foi Amor Paraguaio.
E a partir daí, o que aconteceu?
Quintino – Fomos em São Paulo gravar o disco no Estúdio 7. Foram duas músicas, uma de cada lado, em 78 rotações.
Quirino – Gravamos as músicas Pagode 15 e Minha Esperança.
Depois vieram os outros discos?
Quintino – A gravadora do primeiro disco passou a gravar outras coisas e abandonou o sertanejo.  Aí a gente pegou com os amigos, o Vieira e o Vieirinha levaram a gente para a Continental.
Quirino – Na outra gravadora precisava pagar para gravar. O Vieira falou que a gente não era dupla de pagar não. Vou apresentar você e se passar vai ser uma beleza. Eu acredito que vocês passam, falou. O Vieira e o Vieirinha levaram então a gente para a Continental. 
Quintino – Levamos uma fita cassete e deixamos na Continental. Ficaram analisando uns três dias. Voltamos lá e tinha por mim que não ia passar. Chegamos lá, o gerente falou que a gente tinha passado no teste. Vocês vão gravar. Nossa, aquilo quase nos matou de felicidade. 
Quirino – Como tinha outras que cobravam para gravar a gente perguntou. E ele disse que não, vocês são profissionais. É por nossa conta.
Quintino – Foi onde gravamos o primeiro disco e ele falou, se vender bem daqui um ano a gente chama vocês para gravar de novo. Não demorou um mês e eles avisaram para preparar o segundo disco.
Nessa toada, vocês gravaram mais quantos discos?
Quirino – Sete discos, mais dois CDs.
Quintino – E mais músicas gravadas de outros artistas como Duduca e Dalvan, Tonico e Tinoco, Vieira e Vieirinha. 
E a Folia de Reis, quando entrou na vida de vocês?
Quirino – Desde menino a gente já acompanhava o grupo de Folia de Reis. Ai o Vieira viu a gente cantando na fazenda onde fizemos a chegada de Reis e falou que precisava gravar.
Quintino – Na Continental pediram para gravar uma música e levar. Voltamos para o interior e nem dormimos de tanta alegria. Separamos quatro faixas para ele escolher uma. Quando voltamos, perguntei qual música vocês querem gravar? Ele falou, uma não vai gravar, mas as quatros nós vamos. Quase derrubou a gente. Foram os primeiros discos que saíram de Folia de Reis e ai já fomos para a Rádio Record, Rádio Tupi, Rádio Nacional e esse povão todo. Quando tocou a primeira vez, Cascatinha e Inhana levantaram e nos abraçaram.
Nesses mais de 60 anos vocês nunca deixaram de cantar na chegada da Folia de Reis?
Quirino – Nunca. Nós temos a felicidade do povo gostar e nos convidar. Chamam e vamos com todo prazer. Já cantamos em Goiânia, Mato Grosso, Minas.
Quintino – É um compromisso de todo o ano.
Depois de tanto tempo cantando, chegaram a pensar em parar, pendurar as violas?
Quirino – Nunca veio essa ideia não. A gente gosta de ficar no meio do povo.
Quintino – A música é como beber água. Muito bom. A gente se sente bem com música. E se não tiver música a gente não sente bem. 
Poucos conhecem vocês por Miguel (Quintino) e João (Quirino). Como surgiu o nome da dupla, Quintino e Quirino?
Quintino – Surgiu assim. Nós ganhamos o concurso da Rádio Cultura como Irmãos Ferreira. Quando terminou o concurso, o Mauro André, bem entendido,  bolou o nome da dupla. Vamos colocar Quintino e Quirino? Vocês vão gostar? Claro, porque Quirino era o nome do pai (Quirino Luiz Ferreira) e para rimar com Quirino, Quintino. 
Quirino – Fomos registrar a dupla e fazer toda a documentação que uma dupla de São Paulo tem.
Ganharam muito dinheiro com música?
Quintino – Não, não ganhamos muito dinheiro pelo seguinte. Em disco, você sabe que de uns tempos prá cá, quando acaba de gravar, gasta um pouco e aí a pirataria pega e tira a venda. Quando a gente gravou os primeiros discos, recebia pela Continental e dava um dinheiro até bom. Nem estamos gravando porque a pirataria pega. Temos dois ou três repertórios se quiser gravar, mas não tá no ar. São inéditas. Se aparecer uma oportunidade a gente grava.
Vocês nunca brigaram?
Quirino – Que eu lembro, não.
Quintino – Quando ele tem um problema eu ajudo resolver. Quando eu tenho um problema, ele vem e resolve. Se algum fica doente, a gente fica preocupado um com o outro. Não tem implicância. É certo que um gosta de uma coisa mais que o outro, mas não tem problema.
A música juntou vocês?
Quirino – Realmente. Um entende o outro só de olhar. 
Quintino – E se vai cantar com outro companheiro, não é bom igual.  Já estamos acostumados. 
Tem algum desejo para realizar?
Quirino – A gente deseja e pede a Deus que dê saúde para estar com os amigos e nas festas, festando junto. 
Quintino – É muito gratificante receber ligações de pessoas que dizem que ouvem a gente. Isso é muito bom.