Fernandópolis depende de 100% do aquífero Guarani para garantir o abastecimento da população de 73 mil habitantes. Desde a década de 70, quando da perfuração do primeiro poço profundo, a cidade montou uma rede hoje que tem com cinco poços em operação para garantir o abastecimento.
Uma pesquisa conduzida pelo Instituto de Geociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) acendeu luz de alerta. O estudo divulgado recentemente aponta que a reposição de águas do Aquífero Guarani está abaixo do necessário para garantir a manutenção da quantidade disponível no reservatório, que se estende por áreas do Sul e Sudeste do país, além de Paraguai, Uruguai e Argentina.
Em outras palavras, o montante de água que entra no aquífero por meio da recarga não está sendo suficiente para repor o montante de água que sai do reservatório – o que é altamente preocupante, diz o pesquisador Didier Gastmans do Centro de Estudos Ambientais da Unesp Rio Claro.
O reservatório atende 90 milhões de pessoas, sendo responsável pela manutenção do nível de rios e lagos em algumas áreas do interior paulista durante o período de seca.
Em entrevista à Agência Brasil, Didier Gastmans explicou que a pesquisa buscou entender a importância da chuva na entrada de águas novas no aquífero, nas áreas de afloramento (superfície), e que foi possível confirmar esse papel.
Ele acompanha o tema desde 2002, em seu doutorado, e todas as pesquisas desde então apontam que os efeitos de superexploração do reservatório são constantes, contínuos e tem piorado com a mudança de distribuição das chuvas na área de afloramento, que alimenta o aquífero.
“Sempre existiu uma falsa ideia de que todas as áreas de afloramento do Aquífero Guarani fossem também áreas de recarga para as regiões confinadas e mais profundas do aquífero. Mas nosso estudo apontou que a recarga que ocorre nas áreas de afloramento contribui fundamentalmente para a manutenção do sistema hidrológico local, ou seja, para a manutenção dos fluxos dos rios e das descargas das nascentes”, diz o especialista.
“As águas subterrâneas que estão sendo hoje superutilizadas nas várias modalidades de consumo humano são, na verdade, bastante antigas. Como a datação com carbono-14 apresenta várias incertezas, realizamos em parceria com a Agência Internacional de Energia Atômica um projeto no qual foi utilizado um outro traçador, um gás nobre, o criptônio-81, que, associado a outro isótopo, o hélio-4, proporciona valores muito precisos de idade. E detectamos idades variando de 2.600 anos, em Pederneiras, até 127 mil anos em Bebedouro, 230 mil anos em Ribeirão Preto e 720 mil anos no Paraná”, conta Gastmans.
A exploração excessiva, combinada com secas prolongadas no contexto da emergência climática, pode comprometer sua capacidade de sustentar o fluxo dos rios e nascentes, exacerbando crises hídricas como as que ocorreram entre 2014 e 2015 e, novamente, entre 2017 e 2021, no Estado de São Paulo.
“Compreender como o aquífero é recarregado e a dinâmica entre as águas pluviais e subterrâneas é o primeiro passo para garantir sua utilização de forma sustentável. Monitoramento em larga escala e gestão adequada são os passos subsequentes”, conclui Gastmans.
Os aquíferos são as maiores fontes de água potável do mundo. E o Guarani é o maior aquífero transfronteiriço – isto é, que se estende pelo subsolo de vários países.
Sua área total, de aproximadamente 1 milhão de quilômetros quadrados (km2), abrange trechos no Brasil, no Paraguai, no Uruguai e na Argentina. Dois terços estão no território nacional, alcançando os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A Agência de Águas do Estado de São Paulo (SP Águas) informou que monitora todos os estudos relacionados à recarga do Aquífero Guarani e dos demais corpos d'água do estado. Segundo o órgão "a gestão do aquífero é realizada de maneira integrada com outros recursos hídricos, visando garantir o equilíbrio entre as demandas de uso e a preservação ambiental".
A maior parte da captação de água no estado de São Paulo se concentra em fontes superficiais (rios e lagos), sendo a captação em poços profundos, que acessam o Aquífero Guarani, a menor parcela do total dos recursos hídricos. "Toda captação de água no estado está sujeita à outorga, concedida somente após criteriosa análise técnica".