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Sargento Campos: “No meu tempo fazia o policiamento desarmado e resolvia tudo com diálogo”



Sargento Campos: “No meu tempo fazia o policiamento desarmado e resolvia tudo com diálogo”
 No tempo em que era tudo na base do “8 ou 80”, que havia uma grande união entre as polícias, e os policiais resolviam tudo na base do diálogo. Esta foi a época em que o sargento reformado Antonio Rodrigues Campos esteve a frente do comando da Companhia de Policiamento de Fernandópolis, mantendo a ordem e zelando pela segurança da população. Casado com Aparecida Monteolívio e pai do ex-prefeito Adílson Campos, de Arlete, Arlene, Agnaldo, Afro e Aidê, sargento Campos tem ainda 12 netos e cinco bisnetos. Campos foi decisivo na conquista de uma sede própria do 16º BPMI para a cidade e foi ainda o primeiro instrutor da antiga Guarda Mirim Masculina, atual CAEFA. Na última quinta-feira, 22, aniversário da cidade ele foi o homenageado escolhido  do vereador André Pessuto para receber a “Medalha 22 de Maio”, considerada a maior honraria do Poder Legislativo.

Quando e como se deu sua vinda a Fernandópolis?

Eu nasci em São José do Rio Preto e vim para Fernandópolis em 7 de fevereiro de 1961, com quatro anos de carreira como policial militar. Eu tinha terminado o curso de sargento lá em São Paulo, cheguei a Rio Preto e o comandante me disse que tinha três cidades para eu escolher. Naquela época os sargentos comandavam os soldados e os cabos das cidades, pois naquela época não tinham muitos policiais. Ele me falou que as opções eram: General Salgado, Votuporanga e Fernandópolis. Como Fernandópolis e Votuporanga tinham cadeia e ninguém queria trabalhar onde existia cadeia, porque preso é problema, eu escolhi General Salgado que ainda não tinha nada. Mas, aí ele me disse que não. Eu não entendi, afinal ele tinha me mandado escolher. Então eu disse que iria para Votuporanga que era mais perto e ele novamente disse não e ordenou que eu viesse para Fernandópolis. Primeiro pediu para escolher, mas acabou escolhendo (risos).

Quem era o prefeito da época?

Quando eu vim para Fernandópolis era o Edson Rolin.

O senhor era famoso por andar de Jipe pela cidade. Havia outras viaturas? Como eram as famosas “jipadas”?

Tinha apenas um Jipe, preto e branco, mas dávamos duas ou até três “jipadas” para levar todo mundo quando precisava. Esse negócio da “jipada” foi o Carbureto que inventou. Era um cara que bebia bastante e dava trabalho, mas obedecia a gente. Era bem pacífico. Uma vez estava na farra e nos chamaram para acabar coma baderna e nós acabávamos mesmo, sem conversa. E todos respeitavam. Aí ele virou e perguntou para mim: “Vou nessa ou na outra jipada?”. E eu disse: “vai nessa mesmo” (risos).

Quais as figuras folclóricas que costumavam andar de Jipe e frequentar a delegacia?

Era o Carbureto mesmo, o da “jipada”.

Como era o trabalho conjunto entre as policias militar e civil?

No meu tempo nós éramos uma polícia só. Havia união entre a Civil e a Militar. O delegado chegava às 9h. Perguntava as novidades da madrugada e eu passava tudo para ele. Pois não havia plantão da polícia civil, era apenas nós da Militar que fazíamos este trabalho após o expediente, que terminava às 17. A molecada fazia farra no final de semana e nós levávamos todos para a delegacia. O delegado liberava ou deixava para soltar na segunda-feira, mas aí tinham que lavar a delegacia e o Jipe (risos). Era uma vez só, pois ficavam com vergonha e tomavam jeito.

Qual era o seu contingente?

Eram apenas 10 policiais e eu. Fazíamos a segurança de toda a cidade e ainda ajudávamos as cidades vizinhas. Tinha o estádio, a expô, a rodoviária, a estação e tínhamos que estar em todos os lugares. E dávamos conta de tudo. E olha que aquela rodoviária era uma loucura. Sem contar que eram apenas três soldados nos dias de jogo do Fefecê e não tinha nenhuma briga.

Como era o tratamento da população com os policiais? Havia mais respeito?

Naquele tempo o respeito era mútuo. O soldado respeitava o povo e o povo respeitava o soldado. Podia ter uma briga grande que nós pedíamos uma vez para parar e todos obedeciam e iam para casa. Tudo apenas no diálogo. Me lembro de uma passagem em  que o delegado pediu para buscar um homem que não atendia  intimação. Aí mandei o soldado Osvaldo e mesmo assim o cara disse que só iria para delegacia morto. E era  apenas para colher o depoimento dele e liberar. Aí cheguei lá e ele ainda relutou, disse que não entraria no Jipe. Aí eu chamei um taxi e ele foi com a maior educação. O problema era andar no Jipe, por isso que ele não ia.

Quais eram as brigas políticas da época?

Isso era direto, principalmente na época de eleições. Sempre o Percy (Waldir Semeghini) e o Pacheco (Ademar Monteiro). Na época a policia posava no Fórum porque eles queriam colocar fogo nas urnas.

Qual o real problema enfrentado pela PM? Qual o crime mais frequente e qual estratégia utilizada para combater?

O problema na época eram as brigas em bar. Coisa de bêbado mesmo, arruaças. Muitos eram andarilhos, mas aí a técnica para combater isso era exportá-los. Colocávamo-los no trem e mandava para outra cidade. Só que as outras às vezes mandavam alguns para cá também. Enquanto eles estavam viajando no trem eles não davam trabalho para ninguém (risos).

Já prendeu algum político importante?

Não. Não cheguei a ir lá e prender o cara, mas participei de algumas prisões.

Se lembra de uma passagem na qual a justiça determinou a prisão de todos os vereadores?

Não me recordo o ano, mas eles conseguiram tirar o Percy da Prefeitura e colocaram o vice-prefeito no poder. Aí o Percy impetrou um habeas corpus em Brasília e ganhou. Mas o juiz chamou o presidente da Câmara que era o Antonio Garcia Pelaio e disse que só era para dar posse para o Percy quando fosse publicada a determinação no Diário Oficial da União. Mas, passou alguns dias e o Percy foi empossado. Então, o juiz ficou sabendo e expediu o mandado de busca e apreensão para todos os vereadores, principalmente o Pelaio. Aí todos os vereadores sumiram do mapa, mas o Pelaio estava em Santa Fé, não ficou sabendo e quando chegou a Fernandópolis foi detido. A mãe dele chegou a ficar doente quando ficou sabendo da prisão e ele pagou a fiança e foi solto. O irmão dele, José Pelaio, que era advogado, ainda queria bater no juiz, mas eu fiz a escolta dele.

Qual era o esquema de segurança quando uma autoridade visitava a cidade?

Era mais ou menos o mesmo trabalho. Mas, me lembro de uma vez que o deputado Ademar de Barros veio a Fernandópolis e ele mesmo encontrou uma saída de mestre para zelar pela sua segurança. Naquela época muitos pensavam que aqui era cheio de comunista e ficavam até com medo quando vinham. Certa vez, após o comício, o Ademar de Barros desceu do palco, avistou um casal afrodescendente bem forte e abraçou os dois e saiu andando junto com  os dois, como se fossem os seguranças dele (risos).

O senhor já se envolveu com a política? Como ocorreu a entrada de seu filho Adílson Campos na política?

Na minha cidadezinha, antes de me tornar policial, eu acabei me candidatando por impulso e insistência de uns amigos. Eu tinha uns 19 anos e fiquei para suplente. Cheguei a participar de duas sessões até, mas eu não influenciei em nada na escolha do meu filho. Foi após uma reunião do Rotary que ele resolveu entrar para a política. Quando me disse eu só apoiei.

Como ocorreu a instalação do 16º Batalhão de Policia Militar em Fernandópolis e qual a sua participação?

Minha participação nisso tudo foi o seguinte: a companhia  foi instalada na Rua Bahia, onde fica a escola Maria Simão. Era uma companhia. E quando veio o Batalhão para cá os vereadores não queriam aprovar o projeto de doação do prédio para Polícia. O primeiro comandante Joaquim Carlos pediu para que eu convencesse os vereadores a aprovar e eu consegui. Então, resumindo, se eu não tivesse falado com eles provavelmente não tinham doado o local, e atualmente poderíamos até ter perdido o Batalhão, que só não perdemos por ser prédio próprio.

 Quanto à instalação da Guarda Mirim Masculina. O senhor teve alguma participação nessa conquista, visto que foi o primeiro instrutor?

Na época o Antero Lichoto me convidou para ser instrutor, mas não tive participação na conquista. Os primeiros guardinhas foram meus pupilos, inclusive o Alaor Pereira. Mas eu fiquei sem tempo de continuar e acabei saindo. Mas quem conseguiu a Guarda foi o Antero.

Acredita que as condições de trabalho dos PMs melhorou? Ainda falta valorização salarial?

Nós já passamos tanta dificuldade naquela época e eu nem sei a situação deles agora. A gente quando é reformado evita comentar isso. Mas eu mantinha minha família. Vivia tranquilo.

Se voltasse a frente da PM de Fernandópolis, adotaria alguma medida diferente?

Meu Deus do céu. Se voltasse com a idade que eu tinha eu iria por mão dura no negócio. No meu tempo era “8 ou 80”. Quando dava uma ordem era uma só. Mas nós ensinávamos o que era certo, com diálogo conseguia resolver. As multas de trânsito, por exemplo, eram raras. Nós explicávamos com calma o que estava errado e aconselhava o sujeito a fazer o certo. Não ficava distribuindo multas. Isso não resolve.

Como recebeu a notícia sobre a homenagem na Câmara Municipal?

Na verdade eu vi no CIDADÃO. Eu estava lendo e de repente vi meu nome. Aí fiquei surpreso e muito feliz, pois acreditaram que mereço.

Se voltasse no tempo mudaria alguma coisa? Se arrepende de algo?

Poderia melhorar, mas não me arrependo de nada. Nunca precisamos matar ninguém, nenhum soldado foi processado. Evitei ao máximo usar qualquer tipo de violência, inclusive fazia o policiamento desarmado. E a esposa ficava com o rosário na mão o dia todo (risos).

Do que tem mais saudade?

Deu tudo certo, tudo bem. Consegui passar todo esse tempo sem problema nenhum. Nós viciávamos na farda, no dia a dia. E logo que eu reformei (aposentei), chegava cedo já dava vontade de ir trabalhar.