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“Tenho um grande amor por Fernandópolis”



“Tenho um grande amor por Fernandópolis”

A frase é de Antonio Humberto Nobre, nome de batismo de um dos maiores jogadores da história do futebol fernandopolense. Nos campos ficou famoso como Canhoto. Hoje aos 75 anos, esse cearense de Senador Pompeo, está radicado em Curitiba onde curte a aposentadoria ao lado da esposa, a fernandopolense Eliana, filha do ex-vice-prefeito de Fernandópolis Jacob de Angelis Gaeti (na administração de Percy Waldir Semeghini). Os três filhos do casal, são fernandopolenses. Na última semana ele esteve na cidade para um encontro de amigos dos Anos 60. Em entrevista no programa Rotativa no Ar, da Rádio Difusora, reviveu os bons tempos da ABE, aquela máquina de jogar futebol que encantou o interior paulista e revelou Canhoto e Teia para os futebol brasileiro. Canhoto chegou em Fernandópolis em 1963, assinou seu primeiro contrato profissional e três anos depois, saiu para o São Paulo FC. Teia, saiu de Fernandópolis para a Ferroviária de Araraquara, onde tirou a artilharia de Pelé do Paulistão e depois também foi para o São Paulo.  A ABE – Associação Bancária de Esportes – um time formado por bancários, começou na terceira Divisão e em 1964 chegou a disputar a final do campeonato contra São José dos Campos. “Foi uma tragédia”, lembra Canhoto do jogo em Fernandópolis. O time tinha um pênalti, perdeu e no contragolpe São José marcou.  “Guardo muitas saudades daquele tempo em Fernandópolis. Cada vez que venho aqui e reencontro os amigos é uma renovação”, relatou na entrevista. Veja trechos:

Você chegou em Fernandópolis quando?
Eu cheguei aqui em 1963, ainda era menor de idade, hoje menor não trabalha, mas naquela época eu trabalhava em São Paulo e fui convidado para fazer um teste em Fernandópolis na ABE (Associação Bancária de Esportes). Topei, vim, fiz o teste, fui aprovado e assinei contrato. A ABE foi meu primeiro time profissional. Naquele momento da minha vida qualquer coisa em Fernandópolis seria melhor do que em São Paulo. 
Aqui em Fernandópolis jogando na ABE ficou por quanto tempo?
Fiquei aqui até 1966. Daqui sai para o São Paulo FC. Chegar lá (no São Paulo) foi tão difícil como quando cheguei em Fernandópolis para assinar meu primeiro contrato profissional. Lá era o primeiro contrato com time grande, que tinha 50% dos jogadores de Seleção Brasileira e o treinador da Seleção que era o Vicente Feola. 
Você formou um dos maiores ataques da história do futebol fernandopolense, ao lado de Teia, que saiu primeiro foi para a Ferroviária de Araraquara onde foi artilheiro do Campeonato Paulista desbancando Pelé. Como foi esse período?
Teia era um grande finalizador, chutava muito forte com a perna esquerda e dominava a área por cima, tinha boa estatura e impulsão e cabeceava bem e os gols saiam naturalmente. 
Na época da ABE, dois times grandes vieram jogar em Fernandópolis, o São Paulo e o Palmeiras. No Palmeiras, o lateral direito era Djalma Santos que quis fazer uma graça e você teria dado a famosa caneta (bola entre as pernas de Djalma Santos). Como foi?
Era a grande oportunidade para chegar a um time grande. Quando esses times vieram jogar aqui a gente tinha que mostrar, era tudo ou nada. Fui pra cima do Djalma Santos, inclusive, depois daquele jogo nasceu uma grande amizade com ele. Então aquele jogo era a grande oportunidade. O Palmeiras queria me levar, mas o São Paulo apareceu e me levou. Fiz o contrato e já fui viajar com o time para uma excursão no exterior. Foi a primeira vez que “andei” de avião. 
Você saiu de Fernandópolis, mas Fernandópolis nunca saiu de você?
Eu gostei muito da cidade, tinha amizade com todo mundo. Os novos daquela época hoje estão todos de cabeça branca. Era uma maravilha isso aqui. Na verdade eu não estava muito interessado em sair de Fernandópolis. Eu trouxe a família para morar aqui (pais, irmão). Tinha a namorada que mais tarde virou minha esposa. Me apeguei tanto a Fernandópolis, que meus filhos vieram nascer aqui na Santa Casa. São todos fernandopolenses. Pegamos amor pela cidade. Eu tenho um grande amor por Fernandópolis.
Cada vez que retorna a Fernandópolis, qual a sensação?
É de renovação. Meu coração é fernandopolense. O cara pergunta: Onde você jogou? Eu respondo, joguei em Fernandópolis. E quais os outros clube você passou? Eu passei pelo São Paulo, pelo Inter onde fui ídolo, mas joguei em Fernandópolis. 
Hoje você está radicado onde?
Agora estou radicado em Curitiba há 20 anos. A vida está maravilhosa. Estou casado com a Eliana há 46 anos, meus filhos estão todos formados. 
Do São Paulo você foi para o Inter de Porto Alegre?
No São Paulo fiquei um ano. No São Paulo era eu e o Paraná para jogar pela esquerda. Na época o treinador que era o Feola e depois Silvio Pirilo, queria que eu jogasse e com isso o Paraná ia para a direita. Ai ficava o Valter e o Almir que eram pontas direitas, de fora. Aquilo estava me incomodando, era amigos deles. No dia que surgiu a chance de ir para o Internacional, o São Paulo não quis deixar, mas fugi, fui embora, fiquei cinco meses no Inter sem contrato, até que os clubes chegaram num acordo. No Inter, fui tricampeão gaúcho. Em 71, quando tinha renovado contrato com o Inter fui para o Londrina, mas com o Londrina se responsabilizando em pagar o salário que recebia no Inter e a universidade para mim. O Londrina cumpriu até o terminar o curso. 
Quando parou de jogar não quis ser técnico?
Quando eu parei de jogar, eu tinha duas opções para escolher: ou ia trabalhar no Jornal de Brasília, eu tinha me formado jornalista na Universidade de Londrina, e tinha o convite deles para trabalhar no esporte; ou ia fazer carreira de treinador. Fui mexer com futebol e larguei o que não deveria ter largado, porque a profissão de treinador já conhecia. Eu falava, vou entrar nessa que o cara chega como grande conhecedor e depois sai como burro? Não aceitava me chamarem de burro. Não era justo... Deveria ter ficado no rádio e jornal. Comecei a treinar o Taguatinga em Brasília, fui tricampeão do Distrito Federal. Daí vim para São Paulo, no Mogi Mirim, inclusive no Paulistão e formei toda a escola do Mogi, dos pequenos até os de 20 anos. Foi a época que o Rivaldo chegou no time. Também treinei o Londrina por várias vezes. Treinei o Fefecê na época que Júlio Camargo era presidente.
Aquele time da ABE encantava e jogava muita bola?
Engraçado que todo mundo que vinha para cá naquela época era bom de bola. Qualquer time que o técnico botasse em campo jogava bem. O time da ABE tinha muitos jogadores que eram da cidade, o Cecato, Wilson Mantovani, Jurandy Pessuto, Tomio, Buchala, Toninho, Pauleta, Granada, Zé Bastos, todos bons de bola. Perder aquela decisão para São José dos Campos foi muito triste. O time jogava muito. 
Você acha que foi jogador na época errada?
Não foi na época errada. O profissional da bola sempre ganhou melhor salário do que qualquer outra profissão. Era muito difícil ver alguém em qualquer época ganhar mais que jogador. Ele tinha certos privilégios, hotel, comida, transporte, salários, luvas (valor pago na assinatura do contrato) e os bichos (prêmios pagos por vitórias). Então o jogador ganhava de gratificações aquilo que ele ganhava de salário o ano inteiro. Até mesmo na ABE era assim. Naquela época a gente queria jogar para ganhar prêmio. Agora, como não tem mais ponta, acho que seria um jogador fora de moda. Naquela época a gente saia para jogar. Hoje é marcação, se defender. É cansativo assistir jogo hoje.