Depois de várias transferências para São José do Rio Preto e Mirassol, população carcerária cai para 37; presas se dizem aliviadas e delegado considera carga suportável
D.P.V, uma morena de cabelos longos, disse com todas as letras: Em comparação com os lugares de onde vim, isso aqui é o céu. É que D.P.V. passou pelas cadeias públicas de Bilac e Lavínia, antes de chegar ao cárcere de Meridiano, a 12 km de Fernandópolis e onde geralmente são detidas as mulheres que cometem crimes na comarca.
Segundo D.P.V., em Bilac ela chegou a dividir uma cela com outras 27 presas. Tínhamos que dormir por turnos, e quando uma se virava, todas tinham que se virar também, conta ela.
Esse tipo de problema não ocorre atualmente na cadeia pública de Meridiano, fundada há quase 20 anos (as obras terminaram em 23 de outubro de 1988, no governo de Orestes Quércia).
Por ser o único presídio feminino da microrregião, a cadeia de Meridiano já suportou algumas superlotações. Houve épocas em que a cadeia teve mais de 60 detentas.
DENÚNCIA
Uma denúncia feita à 45ª Subsecção da OAB de Fernandópolis, segundo a qual haveria em torno de 80 mulheres na cadeia de Meridiano, levou o presidente da entidade, Henri Dias, a designar o advogado Luiz Carlos Mazieri para acompanhar o caso. Mazieri é membro da comissão de política criminal da OAB.
Entretanto, a denúncia não procede, segundo afirmou a delegada de polícia Maristela Marques Lima Dias, diretora da cadeia. A delegada explicou na manhã de ontem que na quinta-feira 20 presas foram transferidas para Mirassol. Praticamente só ficaram aquelas que têm suas famílias na região e que não querem sair daqui, garantiu.
A situação, na opinião da delegada e do colega Oreste Carósio Neto, da Seccional de Polícia de Fernandópolis, é suportável. Em Meridiano, há quatro celas, cada uma delas com oito camas de alvenaria. Isso quer dizer que 32 presas podem dormir confortavelmente.
Na manhã de ontem, a reportagem de CIDADÃO percorreu o interior do presídio. Ladeando o pátio de 100m2, há quatro celas, ou X, como se diz no jargão da cadeia. Ali estavam 37 mulheres, a maioria composta por jovens, quase todas presas por tráfico de drogas.
As celas estavam fechadas. Apenas E. e V., responsáveis pela faxina, circulavam pelo pátio, cuidando da limpeza e distribuição de água e alimentos para as colegas. A delegada Maristela contou que as duas têm direito à remissão (a cada três dias trabalhados, é diminuído um dia nas penas a que foram condenadas).
V., que é de Fernandópolis, surpreende pela facilidade de expressão e pelo conhecimento de direito penal que acabou acumulando na cadeia. Ela é protética de formação, mas, no cárcere, acabou se transformando em redatora de cartas, requerimentos e outros documentos para as companheiras, além de ter aprendido a calcular comutações de penas.
Ela prevê que lhe restam menos de cinco meses de prisão a cumprir. Quando sair, V., que cumpre pena por tráfico Quis ganhar um dinheiro fácil, arrependo-me amargamente pretende retomar a vida honesta.
COLABORAÇÃO
No X-2, estavam apenas três mulheres a cela havia sido quase esvaziada na véspera, com as transferências para Mirassol. E.A.R., uma mulher de meia-idade, aproveitou a presença da delegada para lhe dizer que as presidiárias querem cooperar para estabelecer a harmonia na prisão: Queremos melhorar, não estragar a cadeia, assegurou.
Era voz corrente que as transferências melhoraram o clima no presídio. Uma delas disse que, entre as transferidas, havia algumas mulheres que viviam provocando brigas. Com o desafogo da população carcerária, o astral melhorou muito, garantiu.
Para a delegada Maristela, as cadeias femininas são diferentes dos presídios masculinos. A mulher é mais emoção, mais suscetível às visitas, principalmente de filhos. É dramático quando uma detenta grávida, após o parto e a amamentação, tem que ser separada do filho. Dói em todos nós, contou.
V., um anjo caído
Histórias de cadeia são fascinantes porque são extraídas do embate da pessoa humana com os seus limites. Filmes como Papillon ou O Expresso da Meia Noite mostram situações paroxísticas, em que homens rompem barreiras aparentemente insuperáveis para preservar sua saúde física e mental.
Presídios femininos, porém, chocam pela dramaticidade das cenas de mulheres jovens ou velhas fumando bitucas de cigarro, com a pele macilenta e o olhar perdido sabe-se lá onde.
Na manhã de ontem, conheci V. na cadeia de Meridiano. Inteligente, articulada, ela tem ascendência sobre as colegas. Responsável pela faxina, ela e sua colega E. não demonstram o menor sinal de preguiça para cumprir suas funções.
Ao notar a inegável vocação de V. para o Direito ela é uma espécie de rábula na cadeia prometi presenteá-la com um exemplar do Código Penal. V. arregalou os olhos e se emocionou. Era meu sonho ganhar o Código, afirmou. Não perguntei sua idade, mas V. não deve ter mais que 25 anos.
Na próxima semana, voltarei à cadeia para lhe levar o livro. Espero que lhe seja útil para retomar uma vida dentro da legalidade coisa difícil num país onde a re-socialização dos presos, infelizmente, é pura ficção jurídica. E não cabe aqui discutir de quem é a culpa, que deve ser distribuída entre todos nós. (V.R.)