Essa semana, o eterno problema do lixo voltou a ser tema de polêmica na cidade. Para quem ainda não sabe, Fernandópolis está em “estado de emergência” desde o início do mês. A manobra, geralmente utilizada apenas após catástrofes, permite que a prefeitura contrate uma empresa em caráter temporário e sem licitação - já que o contrato para o recolhimento e destinação do lixo do município venceu e o processo licitatório ainda não foi concluído. Acontece que, desde quando o edital (dividido em três lotes) foi lançado várias impugnações atravancaram a concorrência pública. No final das contas, a empresa vencedora do primeiro lote, o de coleta e destinação do lixo, simplesmente não compareceu para a assinatura do contrato, ocasionando a sua desclassificação e a convocação da segunda colocada. Toda essa complicação não acontece de hoje, aliás, sempre foi assim, e o pior, ou melhor, é que a solução para esse eterno problema está bem de baixo de nossos narizes. Dois empresários fernandopolenses, Osvaldo Rosa Soares e Carlos Eduardo Bego, representam a GWE, uma empresa brasileira que projetou e construiu uma máquina que transforma lixo em energia elétrica. Nesta entrevista, é possível entender melhor como funciona tudo isso.
O que é a GWE?
Somos em quatro sócios eu (Eduardo Bego), o seu Osvaldo, o Rubens Lopes Esteves e o Joaquim Canha, que é o cientista responsável pelo desenvolvimento da máquina. Juntos, criamos a GWE com o intuito de construir a máquina de tratamento de resíduos.
O que essa máquina oferece?
Tratamento de resíduos de uma forma totalmente sustentável. Ou seja, sem a emissão de nenhum poluente. E isso para todo o tipo de resíduo, seja ele doméstico, infectante (hospitalar) ou industrial. Tudo que colocamos nessa máquina, com exceção de resíduos de construção civil, que é a única coisa que ela não suporta, se transforma em gás, que pode ser utilizado na geração de energia elétrica. Isso é possível por meio de um processo chamado de gaseificação. Gaseificar é transformar materiais nos outros estados da matéria (sólidos, líquidos ou pastosos) em gás. É o processo tecnológico cujo domínio é o sonho de diversos profissionais, em especial de energia, saneamento e meio ambiente. Isso porque a gaseificação é um dos melhores caminhos para a sustentabilidade em gestão de resíduos e geração de energia. Tem efeitos positivos na ecologia, na economia e nas possibilidades de desenvolvimento. Reúne diversas aplicações. A gaseificação é caminho da sustentabilidade. Auxilia no meio ambiente e desenvolvimento sem comprometer as gerações futuras.
Qual a estrutura necessária para viabilizá-la, por exemplo, em Fernandópolis?
Um galpão de 200 a 300 metros quadrados para o equipamento, além de uma área para auxiliar no recebimento dos resíduos. Tudo seria muito bem acomodado em uma área de no máximo cinco mil metros quadrados. Isso, falando de Fernandópolis e região.
Ela transforma lixo em energia. Como essa energia é captada?
Há duas formas. Na primeira das hipóteses a empresa, consórcio ou prefeitura pode montar uma estação de captação e se transformar autossuficiente em energia. Um exemplo é a estação que montamos em Porto Feliz/SP. Lá, o dono de uma empresa de reciclagem pagava para dar o destino final aos resíduos não recicláveis. Agora, além de não ter mais essa despesa, o que antes lhe gerava custos, hoje é o combustível de sua autossuficiência energética. Outra opção é a montagem de uma estação para captação e posterior venda dessa energia para as distribuidoras com valores bem satisfatórios. Estou falando de R$850 por MW/hora. A máquina produz 5MW/hora.
Essa máquina seria a solução para o problema do lixo?
Com certeza. Conhecendo o que hoje existe no mercado e principalmente seus valores, essa é a melhor solução.
Ela já é utilizada em alguma cidade do Brasil?
Em Imperatriz, no Maranhão, e Porto Feliz, interior de São Paulo, mas até então apenas em empresas privadas. A de Porto Feliz, nós já comentamos, agora a de Imperatriz é a responsável pela destinação de todo o lixo infectante de sua região.
De quanto é o investimento em média?
Depende de cada projeto. Cada máquina tem o seu perfil, que varia do tipo de resíduo, quantidade, pois o trabalho da máquina é continuo, mas para a transformação em gás há a necessidade de certo tempo de permanência do resíduo no reator. O processo é todo anaeróbico (sem combustão). Sendo assim, não é simplesmente pegar um isqueiro, atear fogo e esperar que o material vire cinzas. O processo funciona da seguinte forma: todo o resíduo é colocado dentro do reator que é aquecido até mil graus, e dessa forma é feita a combustão sem oxigenação. Dessa combustão é feita a retirada dos gases.
Em uma cidade como Fernandópolis, de quanto seria esse investimento?
Depende. Tem que se analisar o que será feito. Se for só para o descarte de lixo a temperatura pode ser aumentada e assim a combustão é mais rápida e não se faz necessário um equipamento muito grande. Agora, se for ser feito o reaproveitamento energético é necessário de um equipamento de até duas toneladas/hora, pois a combustão é um pouco mais lenta. É possível viabilizar o projeto em Fernandópolis com R$2 milhões.
Qual é a vida útil desse equipamento?
Ele é de aço inox, então não há um tempo delimitado. Há alguns equipamentos, como compressores, que depois de alguns anos necessitam de alguma manutenção, mas em relação ao equipamento em si, trata-se de um único investimento.
O que foi oferecido para a prefeitura de Fernandópolis?
A solução do problema que é o lixo para Fernandópolis. Abrimos todas as possibilidades de negociação, pois por sermos daqui queríamos que essa fosse a primeira cidade do Brasil a ter esse tratamento 100% sustentável para o seu lixo. Ainda estamos aguardando uma resposta.
Como foi a receptividade?
O projeto foi muito bem recebido, tanto pela secretária de Meio Ambiente ( Tais Moita), quanto pela prefeita Ana Bim. Ficou delas marcarem um dia para uma visita técnica a nossa fábrica em Sorocaba, mas até então não tivemos retorno.
Se a prefeitura a adquirisse hoje, por exemplo, quanto tempo levaria para ela entrar em funcionamento?
Depende. Montamos o equipamento em Imperatriz em 45 dias, mas esse foi um caso específico, pois a empresa estava rompendo um contrato com a geradora de energia, então precisava de um pouco mais de urgência, mas vamos colocar 90 dias, no mais tardar.
A empresa vencedora da licitação do lixo, feita esse ano, com a finalidade de captação e destinação final do mesmo, receberá em média R$ 4,4 milhões por ano para esse serviço. Com sua máquina, de quanto seria esse gasto anual?
Para isso é necessário se basear no valor pago por tonelada de lixo destinado e esses são dados que não tenho oficialmente, mas nós temos um projeto para a cidade de Votorantim/SP, que hoje paga R$150 por tonelada destinada. Só que a conta não fecha apenas na destinação. Se eu tenho o reaproveitamento energético, quanto que a cidade não ganharia com isso? Muita gente pensa que a GWE é um concorrente dos aterros sanitários e não é bem assim. Nosso equipamento pode ajudar os proprietários de aterros em relação à vida útil dos locais.
Qual o motivo da negativa de Fernandópolis em adquirir o equipamento?
Isso eu não sei te dizer. Não temos nem ideia.