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Transformar para criar uma “Cidade Responsável”



Transformar para criar uma “Cidade Responsável”

Essa semana foi realizado o processo de capacitação de profissionais do projeto-piloto “Fernandópolis Cidade Responsável” – programa realizado pela prefeitura e sociedade civil com o apoio da CervBrasil - Associação Brasileira da Indústria da Cerveja - e do Tribunal de Justiça de São Paulo. Cerca de 300 profissionais de educação, saúde, assistência social, esportes, comércio e terceiro setor foram capacitados para empregar em suas respectivas áreas práticas preventivas que inibam o consumo de álcool por menores de 18 anos. Coordenando o projeto, e consequentemente a capacitação, está a jovem consultora técnica, Tarsila de Oliveira Portella. A paulistana recebeu da Lynx, empresa contratada para desenvolver o projeto, a responsabilidade de transformar Fernandópolis em uma cidade responsável. A caminhada já começou e a expectativa é mais do que boa.

O projeto já está em curso, mas muitos ainda não sabem do que se trata. Para começar, gostaria que explicasse o que é a CervBrasil?

A CervBrasil é a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja. Ela foi fundada em maio de 2012 por um grupo de fabricantes que responde por 96% do mercado brasileiro (Brasil Kirin, Grupo Petrópolis, AmBev e Heineken Brasil). Objetivo da entidade é fortalecer o setor e contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do país, por meio do recolhimento de tributos, criação de emprego e renda para a população, disseminação do conceito de consumo responsável, apoio ao agronegócio e ações destinadas à preservação do meio ambiente, ao reaproveitamento dos subprodutos e à reciclagem.

Do que se trata o projeto “Cidade Responsável”?

É um projeto cujo objetivo é inibir o consumo de álcool por menores de 18 anos. O foco desse projeto é a prevenção e não o tratamento. Ele é baseado no apoio a fiscalização e na conscientização. Entendemos que o trabalho de prevenção é de suma importância, pois há pesquisas que indicam que um dólar investido em prevenção corresponde a dez dólares poupados em tratamentos. Sabemos ainda que quanto mais cedo se inicia a experimentação e o consumo do álcool, maior a chance desse jovem no futuro desenvolver o uso problemático dessa substância. O problema não é o álcool, mas sim o consumo indevido.

E por que Fernandópolis foi escolhida como cidade pioneira para ele?

Por uma série de razões. Primeiro que é uma cidade de porte bom para o desenvolvimento de um projeto piloto. Desenvolvê-lo em uma cidade como São Paulo seria muito complicado devido ao seu tamanho. Além disso, um fator determinante para que Fernandópolis fosse escolhida foi o fato de já ser uma cidade com um olhar especial para essa questão do uso de álcool por menores. A figura do juiz Evandro Pelarin, que já fez algumas intervenções nesse sentido, traz um pouco essa demanda de ações integradas que combatam esse consumo. Aqui nós já encontramos uma articulação política e comunitária que favorece muito a fomentação desse projeto. Talvez se estivéssemos em outra cidade poderíamos levar dois ou três anos para conseguir construir um canal de fluxo de comunicação entre as partes. O projeto “Fernandópolis cidade responsável” é muito amplo e envolve praticamente todas as secretarias do município, as instâncias do estado.

A senhora falou sobre a amplitude e complexidade do projeto, mas que ações concretas ele desenvolverá para combater o consumo de álcool por menores?

No segundo semestre do ano passado estivemos aqui e construímos um diagnóstico, uma espécie de mapeamento da cidade. A partir daí, e também de todo o conhecimento acumulado pela Lynx, que possui uma trajetória muito relevante na prevenção do consumo de álcool por menores de idade, desenhamos um projeto estruturado em cinco pilares: educação, saúde, locais de compra, locais de consumo e comunidade.

Fale mais sobre esses pilares, começando pela educação.

 No pilar da educação,  priorizamos trabalhar com o ensino médio e ensino fundamental II. Estamos fazendo a capacitação de educadores do corpo diretivo do ensino médio e ensino fundamental II de todas as escolas públicas e particulares de Fernandópolis. Dessa capacitação estamos lançando dois concursos, um voltado aos professores de ensino fundamental II e outro aos grêmios e grupos de estudantes do ensino médio. No fundamental II, desenvolvemos junto com muitos profissionais um roteiro teatral voltado para esse público. Essa peça está sendo ensaiada e adequada por um grupo de teatro da cidade, onde o diretor é o Rafael de Lima. Ela será apresentada no mês de  maio em 100% das escolas públicas com fundamental II de Fernandópolis. A partir dessa peça de teatro a ideia é de que os professores desenvolvam práticas pedagógicas em suas disciplinas, ou seja, a peça de teatro funcionará como uma ferramenta de sensibilização e provocação dos professores e alunos. Ela não traz nenhuma receita pronta, não direciona, nem traz soluções, mas sim questionamentos. Dessa forma esse concurso dos professores é de práticas pedagógicas, afinal, como um professor de matemática pode trabalhar a prevenção do consumo de álcool em sala de aula? Como um professor de educação física pode fazer o mesmo sem sair da quadra, por exemplo? É isso que o concurso pretende aflorar. Já no ensino médio, fizemos a qualificação dos professores, e a gente sugere um trabalho com um material pedagógico que se chama “movimento pé no chão”, que é um trabalho desenvolvido pela Lynx Consultoria, a convite do governo do Estado. É um material que todas as escolas estaduais já possuem e a gente orienta os professores a trabalharem o material com 100% dos jovens, sendo assim, o concurso será voltado a eles, aos grêmios e aos grupos de estudante. Será um concurso de ações culturais preventivas e acreditamos que é muito eficiente o “jovem falar para o jovem”. Muitas vezes o adulto falando sobre conscientização entra em uma conduta um pouco clichê, e os adolescentes não escutam o típico “isso é proibido” vindo deles. O desafio é fazer com que os jovens criem e executem ações culturais em suas escolas. E aí temos estes dois concursos. Os produtos serão inscritos, e haverá uma comissão de avaliação intersetorial, com um regulamento transparente, que já tem seus critérios de avaliação. Os professores e jovens com as melhores práticas pedagógicas serão premiados.

E o pilar saúde como será desenvolvido?

Na saúde, vamos trabalhar com os gestores dos serviços de emergência. Tivemos uma reunião ontem (quarta-feira) com eles. São pessoas vinculadas ao SAMU e aos prontos-socorros. Vamos passar a notificar a ocorrência do uso abusivo de bebida alcoólica por menores de idade. Então, se algum menor chega a um serviço de emergência por abuso de bebida, somos notificados e passamos a acompanhar esse jovem. A FEF abriu uma frente de estágio do curso de psicologia, e vamos contar com 40 estudantes, que vão acompanhar alguns casos específicos conosco. Com o serviço de emergência vamos passar a medir essas internações, e também contaremos com agentes comunitários do programa “saúde da família”. Então, Fernandópolis é um destaque nesse sentido, a previsão é que esse ano esse programa atinja 100% dos domicílios, o que acreditamos ser uma frente muito estratégica, principalmente para com o hábito das famílias, o que é muito importante. Desenvolvemos um material específico para pais e responsáveis. Esse material traz dicas importantes para se estabelecer um diálogo e regras para os filhos. A ideia é que o agente comunitário de saúde passe também a incluir de maneira integrada ao projeto, que ele passe a trabalhar esse tema e orientar as famílias a não discutirem, mas orientar seus filhos.

Dois já foram, restam ainda três pilares. Como eles serão desenvolvidos?

Certo. No pilar “comunidade” estamos incluindo profissionais de assistência social, esporte, cultura, e organizações de sociedade civil, como ONGs, associações religiosas, e a ideia é fazer uma capacitação para esses públicos todos. Nossa intenção é acompanhar esses profissionais. Desenvolvemos um conteúdo específico para os educadores do esporte, por exemplo. Envolvemos muitos profissionais na elaboração destes conteúdos, nele, contém práticas de atividades, que podem ser executadas como estão nos guias ou podem ser adaptadas. Queremos fazer com que esses profissionais se apropriem e usem esse material da maneira que convir à comunidade. Já o pilar de “Compra” está desdobrado aos estabelecimentos, mercados, lojas de conveniência, etc. E o pilar de “consumo” está associado aos eventos e festas. A ideia com esses públicos é trabalhar um material de treinamento de garçons e caixas. Temos alguns projetos nessa área, e percebemos que os bares, garçons e caixas se sentem inibidos a não encorajar-se de pedir RG. Quase sempre eles não têm esse preparo. Esse treinamento prepara o profissional, traz argumentos e orientações de conduta, e penalidade se a pessoa não cumprir a lei. Foi bacana quando conversamos com os comerciantes de Fernandópolis. Eles disseram que sempre são vistos como vilões. A lei existente pune o dono do estabelecimento, mas a gente entende esse setor como parceiro do projeto. Donos de bares e restaurantes são corresponsáveis e queremos que eles façam parte das ações. A colocação de material de comunicação nos eventos também faz parte da ideia, e também nos eventos, além de treinar os fiscais, temos também o apoio da Câmara, para alterar o processo de cessão de alvarás. Pra isso, vamos fazer um projeto de lei, que obriga a identificar o menor de idade em um evento com uma pulseira, por exemplo. Só pessoas identificadas como maiores poderão consumir bebida alcoólica.

O que foi constatado no mapeamento da cidade? É algo preocupante?

Na realidade, foi feita uma pesquisa pelo Ibope. Ele fez um marco zero em fevereiro deste ano e a ideia é que em 2015, ele faça esse marco final para a gente quantificar e mensurar o impacto com três públicos que são: jovens, pais e bares. A gente ainda não teve acesso às informações desse marco zero, estamos ansiosos por ele. De fato, essa pesquisa só terá relevância quando ela tiver comparabilidade. O importante é a gente pensar se fizemos a diferença nisso depois.

Existe um prazo? Em quanto tempo vocês querem concluir esse projeto?

Ele não tem fim. A ideia é que a cidade se aproprie com o projeto. É um projeto mais da cidade do que da Cerv., da Lynx, etc. E desejamos que independente de gestão, que a cidade se aproprie cada vez mais e se transforme cada vez mais nesse projeto. A previsão do nosso cronograma vai até o final desse ano. Desenhamos ações em conjunto com os públicos até esse período, mas estamos otimistas em função da grande receptividade da cidade de que ele vá perpetuar.

A cidade tem sido boa mesmo em receptividade?

Muito. Tanto nas instâncias de trabalho, nas reuniões, nas secretarias, com a Polícia Militar, com a Câmara, FEF. Todas elas têm sido muito parceiras mesmo. Isso é um sinal de uma disposição muito grande. Temos tido dificuldades também, mas o que a gente percebe é uma adesão muito grande. É curioso que quando nos perguntam o que estamos fazendo aqui e explicamos sobre o projeto, as pessoas dizem que é muito importante, perguntam como podem participar, etc.

Temos um Comitê Gestor desse projeto. Qual a função do comitê quanto ao desempenho do projeto?

Na verdade, algumas pessoas estão como voluntárias e outras estão designadas aos cargos. Desde o início do mapeamento, a gente constituiu um comitê gestor da cidade presidido pelo José Martins, e o Comitê é bastante intersetorial e heterogêneo. A função do Comitê é salvaguardar as informações e o desenho do projeto, e nos orientar junto às ações. Caso surja alguma dúvida, a gente tira com o Comitê, que também serve como um “mini fórum” de discussão. Dentro do Comitê, temos as subcomissões. Temos a da saúde, educação, etc. Os representantes de cada subcomissão compõem o comitê.

Para concluir, diante de tudo isso, Fernandópolis tem capacidade pra se tornar uma cidade responsável?

Eu não tenho a menor dúvida. Acho que tem toda a capacidade e eu acredito muito nesse projeto. Nós entendemos que a articulação e a apropriação da cidade são talvez os principais fatores para o êxito deste projeto. Com relação a isso estamos muito tranquilos. Temos parceiros muito bons, e a velocidade de algumas respostas e ações por parte deles são impressionantes. Fernandópolis tem tudo para se tornar uma cidade responsável. Temos sido procurados por muitos municípios, mas a cidade piloto é Fernandópolis. E ao final vamos sistematizar o guia da Cidade Responsável, contendo todo o processo de formação do projeto, e também todos os registros do que ela ofereceu e fez acontecer na cidade.