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Um brasileiríssimo padre italiano



Um brasileiríssimo padre italiano
Giuliano Todesco nasceu num 6 de abril (de 1932). Em outro 6 de abril (de 1957) ele foi ordenado padre na Itália. Seus pais, Giovanni e Adriana, incentivaram a vocação do menino que mais tarde iria se mudar definitivamente para o Brasil, em missão religiosa. Há 35 anos na Diocese de Jales e com 75 anos de idade, o padre Giuliano já legou à região importantes obras sociais, como o leitor verá nesta entrevista. Conheça também sua opinião sobre temas importantes e delicados, como política, pedofilia na igreja e a disseminação de seitas religiosas. Tudo tratado com senso crítico e com o bom-humor e o otimismo que lhe são característicos.

CIDADÃO: O senhor está comemorando 75 anos de vida e 50 de sacerdócio. Onde o senhor se ordenou?
PADRE GIULIANO: Na região de Pádova, na Itália. Isso foi em 1957. Nasci na Itália, numa região entre Veneza e Trento. É uma região onde há muita neve. É linda de morrer. Passei minha infância por lá, mas ainda na juventude, tive que deixar minha terra e ir para a região de Pádova, onde estudei Filosofia, Teologia e fui ordenado padre em 1957 pelo bispo de Pádova.

CIDADÃO: O senhor veio logo para o Brasil:
PADRE GIULIANO: Na Itália, trabalhei como padre por dez anos. Em Veneza, trabalhei com o cardeal Giuseppe Montini, que depois seria nomeado Papa.

CIDADÃO: Qual a razão da sua opção pelo Brasil?
PADRE GIULIANO: Eu estava louco para ser missionário, trabalhar em alguns dos países que eram carentes de missionários. Quando meus superiores me perguntaram se eu queria vir para o Brasil, não titubeei. Vim para o país em 1966, logo depois do Concílio Vaticano II. Nos primeiros cinco anos, trabalhei nas regiões de Araras e Santa Rita do Passa Quatro. Em Santa Rita, tinha como vizinho o vigário de Cravinhos, padre Péricles, que em 1970 foi nomeado bispo de Jales. Assim, acabei vindo para Jales, porque ele me pediu que viesse trabalhar com ele. Então, em 1972, vim para a Diocese de Jales e passei a trabalhar em Santa Fé do Sul, até 1977. Foram cinco anos maravilhosos em Santa Fé, principalmente por causa do trabalho com os jovens. É a coisa mais linda do mundo trabalhar com jovens. Hoje mesmo, durante a missa da renovação dos votos dos pais do padre Mário, pelos 50 anos de casados (NR: A entrevista aconteceu em Santa Fé do Sul, no domingo, 22 de julho) havia uma porção de pessoas que eram jovens naquela época.

CIDADÃO: O senhor inclusive foi homenageado por eles...
PADRE GIULIANO: Eu nem precisava disso! De todo modo, foram duas homenagens: pelos 50 anos de casados dos pais do padre Mário e 50 anos da minha caminhada como padre. Em 1977, o bispo me convocou para trabalhar em Jales, onde trabalhei mais de dez anos. Nesse tempo, o bispo de Jales, dom Luis Eugênio, foi transferido para Jaboticabal e eu fiquei responsável pela Diocese por dois anos. Em 1982, foi nomeado o novo bispo, Dom Demétrio Valentim. Eu o recebi em sua chegada. Trabalhei mais cinco anos em Jales, e depois fui designado para Estrela D’Oeste.

CIDADÃO: Em Estrela D’Oeste, o senhor fundou o Lar São Francisco, que cuida de dependentes de drogas. Como foi essa experiência?
PADRE GIULIANO: Trabalhei muito para criar o Centro de Recuperação para Drogados e Alcoólatras, isso me custou três ou quatro anos de trabalho. É um dos mais bonitos e eficientes centros dessa natureza no país, abriga 60 drogados e alcoólatras. Aliás, fundamos outra instituição aqui em Santa Fé do Sul, para mulheres. Hoje ele abriga 45 mulheres. Depois que o Dr. Rodolfo faleceu aqui em Santa Fé, a esposa dele me ofereceu sua clínica para abrirmos o Centro de Recuperação para Mulheres.

CIDADÃO: Existe algum convênio com a clínica de Jaci?
PADRE GIULIANO: Exatamente. Eu construí o centro de recuperação, mas quem o leva à frente é o Frei Francisco, de Jaci, a quem entreguei os dois centros de recuperação, porque eu me encarreguei de construir, mas eu não tinha condição alguma de trabalhar nas áreas de pedagogia, psicologia e recuperação de drogados e alcoólatras. O Frei Francisco ficou feliz da vida com a oportunidade de levar adiante esses projetos, e além do mais, eles já estavam perfeitamente estruturados, não faltava nada. Estava tudo pronto. Assim, Frei Francisco até hoje comanda os centros de Estrela D’Oeste e Santa Fé do Sul.

CIDADÃO: O senhor fundou o núcleo de Estrela D’Oeste e agora está em Santa Albertina. Não seria mais prático o senhor permanecer em Estrela, onde tem essa obra meritória?
PADRE GIULIANO: Eles é que sabem o que fazem. Fui para Santa Albertina, onde também trabalhei em obras sociais. Em Jales, por exemplo, quem construiu o prédio onde hoje está uma escola, fui eu, há 30 anos. A Vila União, aquele bairro perto da faculdade, eu iniciei com 14 casas, fazendo até os blocos. Em Santa Albertina, onde estou há dois anos e meio, construímos uma linda creche para 100 crianças, que entregamos no dia 15 de abril para a prefeitura. Na semana retrasada, fundei a cooperativa dos produtores de leite. Agora vamos comprar todos os maquinários e o governo irá comprar o leite dos 150 produtores. Estamos dando cobertura total nessa transformação. O gasto estimado é de R$ 200 mil. Temos outros projetos em vista, mas no momento a cooperativa é o projeto prioritário. Ele merece toda atenção, porque os produtores sofreram demais nesses anos todos.

CIDADÃO: Ao que parece, o senhor recebe recursos de uma entidade assistencial da Itália, e uma vez até foi roubado, é verdade?
PADRE GIULIANO: Não, não recebo nada de entidade nenhuma, o que eu tenho é muitos amigos, eu mantenho relacionamento pessoal com mais de mil pessoas, por correspondência, ou quando vou para a Europa, faço visitas e mostro aquilo que fiz e que estou fazendo. Mostro os projetos em andamento, e acabo recebendo ajudas. Há uns 20 anos, fui roubado em alguns dólares quando estava em São Paulo. Os safados dos ladrões roubaram justamente de quem não deviam roubar (risos). Mas a gente não pára de trabalhar, nunca deixei de enfrentar os desafios da vida, aliás, são eles que a tornam interessante e nos dão mais coragem.

CIDADÃO: O Papa Bento XVI deixou claro nos últimos dias que a Igreja Católica Apostólica Romana é a única. Ele tinha necessidade de ratificar isso?
PADRE GIULIANO: Ele ratificou que é a única fundada por Jesus. Isso é verdade. As outras igrejas, ao longo dos séculos, é que foram surgindo, formadas inclusive por gente que havia saído da Igreja Católica. Estamos hoje numa fase de alastramento de seitas, mas a igreja que Cristo instituiu foi a Apostólica, a dos apóstolos.

CIDADÃO: A pergunta que não quer calar: qual é a sua reação diante dos pagamentos de indenizações, pela Igreja, nos casos de pedofilia cometidos por sacerdotes? Como o senhor, nos seus 50 anos de sacerdócio, reage diante disso?
PADRE GIULIANO: Infelizmente, isso aconteceu. Então, que a Igreja pague os seus pecados. E que Deus perdoe os pecados da Igreja, e que seja um momento de purificação de identidade da própria missão. Não é um problema que acontece só na Igreja, mas também na Igreja.

CIDADÃO: O fenômeno da carência de novas vocações sacerdotais o preocupa? Por que os jovens não estão sendo atraídos para a Igreja?
PADRE GIULIANO: No Brasil não faltam vocações, não. Quando vim para a Diocese de Jales, há 35 anos, éramos 20 padres, dos quais 18 eram estrangeiros. Hoje, nossa Diocese tem mais de 30 padres brasileiros, padres autênticos, muito bons, com vocação. Dom Demétrio também vê assim. Acho que no Brasil não há carência de padres. Isso está acontecendo na Europa, a situação está se invertendo. Daqui a pouco, o Brasil vai precisar mandar padres em missão na Europa (risos). Por outro lado, o Brasil sofre atualmente carência de freiras, de religiosas. Essa é uma constatação que temos que admitir.

CIDADÃO: Recentemente, Dom Demétrio Valentim esteve cara-a-cara com o presidente Lula, cobrando reformas políticas e econômicas. Qual é a sua opinião sobre isso?
PADRE GIULIANO: Nós estamos de parabéns, porque o nosso Bispo tem uma cabeça que não tem igual no Brasil! Ele entende de tudo, e quando não conhece um assunto, em cinco minutos ele se inteira e já pode discutir o tema, seja da Igreja, seja da sociedade brasileira e mundial. Quando abre a boca, Dom Demétrio sabe o que falar. Então, só posso concordar com tudo o que ele disse ao presidente.

CIDADÃO: Para encerrar, como o sr. vê o avanço das igrejas evangélicas?
PADRE GIULIANO: É um fato que não se pode negar. Não sei se é um bem ou um mal dentro da igreja, mas o importante é que todos nós sejamos autênticos, que façamos nosso trabalho pastoral.