Geral

Uma manhã com a AVCC



Uma manhã com a AVCC
As 9h da manhã de quarta-feira o enfermeiro do ambulatório da AVCC (Associação de Voluntários de Combate ao Câncer), Igor Polizelle, preparou suas maletas compostas por gazes, ataduras, pomadas, soros e alguns remédios, e partiu para as visitas aos pacientes. Esse trabalho a AVCC chama de Home Care.
Segundo o outro enfermeiro responsável pelas visitas, Antonio Gonçalves, esse trabalho é fundamental e não deve parar tão cedo. “Ambulatório é necessário, mas as visitas não podem parar. Mesmo que você faça a viagem de seus sonhos, é para sua casa que quer voltar. O mesmo acontece com um paciente; casa é teu porto seguro, é lá que ele quer estar”, explica.
O Home Care atende uma média de 14 pacientes por dia. No balanço do mês de maio, foram realizadas 343 visitas domiciliares com orientações, sendo 120 procedimentos técnicos. Mas esse número se estende a muito mais, pois esse balanço é feito apenas com os pacientes cadastrados na AVCC e durante todo o dia, muitos pacientes não cadastrados procuram a associação quando sentem dores, mal estar ou precisam de orientação.
Na manhã de quarta-feira, Igor fez três visitas sendo duas delas em pacientes cadastrados. A outra foi por meio de um telefonema, onde a filha, moradora de Votuporanga, não poderia visitar a mãe fernandopolense que sentia muitas dores abdominais e faz tratamento em Barretos.
A primeira visita foi à dona Carmela Estácio de Moraes, 74 anos, que há quatro anos fez uma cirurgia no estomago para a retirada de um tumor e a partir disso, não teve mais sossego com a saúde.
Segundo sua filha, Maria Alice de Moraes Boloes, no último mês, dona Carmela passou 25 dias internada com pneumonia e no hospital adquiriu uma infecção generalizada. “Minha mãe criou 11 filhos, sempre foi uma mulher muito ativa. Dá um aperto no coração vê-la assim... É uma mulher muito boa”, disse emocionada enquanto Igor trocava o curativo de uma ferida nas costas.
A segunda visita foi à Cleuza Hataide, 63 anos; ela não é cadastrada na AVCC. Em 2002 descobriu um câncer no intestino, fez sua primeira cirurgia para a retirada do tumor e tratamento com radioterapia. Já neste ano, descobriu um segundo tumor e precisou retira-lo também. Há três meses faz quimioterapia no Hospital do Câncer de Barretos e nos últimos dias tem sentido muitas dores abdominais. Igor avaliou todos os exames que Cleuza fez nos últimos 6 anos, as receitas de medicamentos e orientou-a sobre a alimentação, o consumo de dois a três litros de água por dia para um melhor funcionamento do intestino e sobre os remédios a serem tomados.
Durante a conversa, Cleuza desabafa: “Estou tendo coragem, vou cuidando das minhas coisinhas, mesmo com o corpo doendo”. Igor, com muita atenção, estimula a paciente: “O tratamento é mesmo sofrido e depende muito da senhora para superar tudo isso”. Cleuza, passando a mão no rosto responde com fé: “É isso que eu espero... Deus ai de abençoar”.
A terceira visita foi a “seu” Raul José de Souza. Ao perguntar sua idade, respondeu com orgulho: “Tenho 92 anos”. Igor, sem rodeios comentou: “O senhor é privilegiado por ter essa idade. Muitos jovens de hoje não chegarão nem perto disso”.
“Seu” Raul tem um tumor na virilha do tamanho de uma laranja. Segundo Igor, a família assinou um termo de responsabilidade alegando que não querem o tratamento, após ouvirem as orientações dos médicos de Barretos. “Se eles tivessem feito o tratamento quando apareceu o câncer, que ainda era bem pequeno, as chances de ter uma vida normal seriam grande”, conta.
O mais triste foi ouvir “seu” Raul perguntando ao enfermeiro: “Será que isso não vai sarar nunca? Já faz tanto tempo que estamos cuidando e nada”.
Essa foi uma pequena parcela do dia, ou melhor, da manhã do enfermeiro Igor. Foi uma pequena parcela do Home Care da AVCC. O trabalho é ainda muito maior.
Os pacientes mais carentes recebem leite, suplementos alimentar, cesta de frutas e legumes, cestas básicas e medicamentos que os postinhos não fornecem.
Igor conta que um paciente entrou com um processo judicial para conseguir suplementos alimentar, porém, ele morreu de câncer e desnutrição antes do juiz resolver o processo desfavorável ao paciente.
De volta ao ambulatório, o enfermeiro Antonio pode contar sobre suas vivências durante suas visitas – que são revezadas com Igor. “Prefiro o Home Care, por mim ficaria só na casa dos pacientes. Poder entrar na casa do paciente e fazer parte da sua vida é muito gratificante. Já recebemos convites de pacientes para almoçarmos na casa deles em um domingo. Nos telefonam aos finais de semana para perguntar se pode ou não comer determinado tipo de alimento, se aquela dor que está sentindo faz parte das reações do tratamento. Se ele te telefonou, as esperanças dele é você”, conta emocionado.
Antonio conta sobre familiares de pacientes que achavam que não conseguiriam acompanhar o tratamento e que foram capazes de fazer tudo que foi preciso. “Em um primeiro momento, é normal achar que não vai conseguir, mas todos são capazes”, explica.
O enfermeiro ainda pede atenção para um fator que considera muito importante e que tanto os familiares quanto os profissionais da área muitas vezes não conseguem observar. Os pacientes têm vontades próprias, mesmo que em muitos casos ele não consiga falar, ele tem desejos. Os familiares não perguntam como ele gostaria que as coisas acontecessem. “O paciente existe. Uma certa vez, um deles me perguntou se teria como passar feijoada pela sonda, respondi que no momento não seria possível. Mas já teve outro caso de uma paciente que sentia muita vontade de comer um frango assado. O marido e o filho alcoólatras não davam a atenção necessária a ela. Eu e o Sérgio não pensamos duas vezes, compramos um frango e levamos; ela podia comer naquele momento. Certa vez um paciente impossibilitado de falar queria um ventilador de ar, pois sentia muito calor. A família não entendia quando tentava se comunicar por gestos, até que escreveu num papel. O seu desejo foi atendido na mesma semana, onde acompanhou a escolha e a compra do objeto. Esses casos provam que o paciente ainda tem vontades e precisam ser respeitas na medida do possível”, ressalta.