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Vidal, um caso antigo de amor pela cidade



Vidal, um caso antigo de amor pela cidade
Vilson Garcia Vidal, oficial do Cartório de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Protestos de Fernandópolis, nasceu em Ituverava (SP) em 24 de agosto de 1939. Só que em 1944 ele já morava em Fernandópolis, de onde nunca saiu. Amanhã, a comarca comemorará 55 anos de existência e Vidal, os mesmos 55, como servidor da Justiça. Filho de Aristides Fragas Vidal e de Dornélia Garcia Fragas, casado com Maria Aparecida Quintino Vidal e pai de Julio Afonso e Marcela, amigo das boas publicações, dos bons discos e do “fazer o bem sem olhar a quem”, além de pescador, escritor bissexto e espiritualista, Vidal tem enorme paixão por Fernandópolis. É capaz de falar sobre a cidade durante horas a fio, estribado em uma memória prodigiosa para nomes, fatos e datas.


CIDADÃO: Há poucos minutos, o sr. falou por telefone com sua filha caçula, a Marcela. Onde ela está estudando?
VIDAL: A Marcela está fazendo Psicologia na PUC. Foi o curso a que ela mais se adequou, depois da morte do irmão, Julio Afonso. Ela ficou muito chocada e, na psicologia, ela se encontrou. A Marcela está estudando alemão porque quer ler algumas obras de Freud e outros no original. Ela quer ser cientista na área da psicologia.

CIDADÃO: Como foi o seu ingresso na carreira de servidor do Poder Judiciário?
VIDAL: Por volta de 1944, 1945, viemos morar em Fernandópolis. Meu pai iria gerenciar o Posto Texaco. Morávamos numa casa de pau-a-pique, ao lado do posto. Em Ituverava, só nascemos eu e o Renato, depois nasceram aqui o Reinaldo e a Maria da Graça. Naquele tempo, Fernandópolis tinha muito banditismo, de vez em quando vinha de Rio Preto a “captura”. Como não tinha cadeia, os bandidos eram presos num açougue da Avenida Seis. Era comum acontecerem assassinatos tanto na Rua Brasil quanto na Rua São Paulo. Depois os irmãos Luis e José Arakaki vieram de Catanduva e montaram um barracão para consertar tratores e outras máquinas, ao lado do posto de gasolina. Eles eram jovens, solteiros, e minha mãe sempre cuidava das coisas deles, costurava alguma peça de roupa. Bem, em 1953, uns três meses antes da instalação da comarca, que se deu em 25 de maio, o Antonio França, meu conterrâneo de Ituverava, havia prestado concurso para os cartórios de Registro de Imóveis. Ele poderia escolher Fernandópolis, Jales, Adamantina e uma outra comarca que não me recordo. Veio conhecer Fernandópolis, e logo procurou minha família, já que fora batizado pelos meus avós e tinha trabalhado com meu pai em marcenaria. O França apareceu em nossa casa. Eu tinha uns 12 anos. O prefeito era o Adhemar Pacheco, muito amigo do meu pai, que levou o França para conhecer o prefeito e as pessoas da cidade. À tarde, o França retornou à nossa casa e disse: “Vou escolher Fernandópolis e o Vilson vai trabalhar comigo”. Quinze dias depois, ele voltou (depois veio também o seu irmão José Paulo França) e eu comecei a trabalhar como office-boy no cartório. Varria, ia ao correio, carregava aqueles livros enormes – naquele tempo, os livros eram lavrados de forma manuscrita. Depois aprendi a escrever à máquina com o próprio França, ele comprou uma Remington 12 e um manual de datilografia e me pôs para aprender. Ele era linha-dura, descendente de alemães, e se eu olhava para o teclado para olhar as letras, o França dava bronca. Acabei me tornando um grande datilógrafo.

CIDADÃO: Existe uma história famosa nos meios forenses, segundo a qual certa vez o senhor escreveu à máquina no escuro, porque faltou luz durante uma sessão do Tribunal do Júri. Como foi isso?
VIDAL: Participei de muitos julgamentos como escrivão e nem podia assinar, porque tinha só 15, 16 anos. Uma noite, estava sendo realizado um júri, cujo advogado de defesa era o Dr. Fernando Jacob. Naquele tempo, havia mais tempo para a defesa e a acusação falarem, era normal que os julgamentos acabassem de madrugada. Quando estávamos na sala secreta – já tinham sido votados os quesitos – eu estava datilografando o termo de julgamento. Ali, consta toda a votação, quesito por quesito. Quando eu estava perto do encerramento do termo, tinha ainda umas cinco linhas por datilografar, pra variar a luz acabou – naquela época, sempre faltava luz em Fernandópolis. Era um júri importante, estava cheio de gente. Eu continuei, porque minha máquina estava regulada certinha, batia aquele sininho quando faltavam três letras para terminar a linha. Lavrei o termo de encerramento no escuro. Depois, trouxeram lampiões, voltamos para o salão, o juiz, Dr. Joaquim Rebouças de Carvalho Sobrinho, falou que antes de prolatar a sentença, iria cumprimentar “o amigo e escrivão Vilson Vidal, que fez algo que eu nunca tinha visto” O Dr. Rebouças contou aos presentes que eu tinha escrito no escuro. E saiu tudo certinho! Fiquei meio “famoso” por causa disso.

CIDADÃO: Fale sobre a convivência com a comunidade jurídica de Fernandópolis naquela época. Havia bom relacionamento entre as autoridades, advogados e funcionários do Fórum?
VIDAL: Havia muita amizade. O primeiro juiz foi o Dr. Licinio Rocha Von Pfhul, o promotor era o Dr. Carlos Teixeira Leite. Naquele tempo, só havia um juiz e um promotor, não era como hoje, que existem várias varas. Os juízes sempre chegavam receosos, porque era uma comarca nova, com muitos processos, e onde aconteciam muitos crimes. Porém, logo os advogados faziam amizade, recebiam bem os juizes e os promotores. Naquele tempo, os advogados da comarca eram o Dr. Jacob, o Benito Mussolino, Luiz Rolim, Delson Pinheiro Curty, José Marrara, Percy Semeghini, Otavio Viscardi...Um advogado que era grande orador era o Dr. José Affonso de Albuquerque. Dava um show no júri. Lembro também do Dante Delmanto, do Laurindo Novaes Neto e do Roberto Rollemberg. Os advogados eram muito cultos, não só quanto à cultura jurídica, mas também a geral.

CIDADÃO: Freqüentemente, o senhor escreve artigos que são publicados pela imprensa. De onde vem essa necessidade de se comunicar através da escrita?
VIDAL: Desde que era jovem tenho isso comigo. Quando eu era menino, existia o jornal do Dr. Jayme Leone, eu escrevia umas coisas românticas, poemas. Era bom aluno de português, gostava de redação. Depois de adulto, continuei. De vez em quando, me vem um sentimento interior, é igual à sede, tenho que sentar à máquina e passar aquilo para o papel. Minha esposa já sabe: quando eu entro no escritório e digo que quero ficar sozinho, ela vai para a chácara e me deixa à vontade. É uma coisa que parece fluir dentro da alma, não tem explicação. E, depois que perdi meu filho, me apeguei muito a Deus. Quando meu filho nasceu, há 26 anos, parei de fumar. Há doze ou treze anos, também não bebo. Troquei as coisas mundanas pela comunhão com Deus. Fiz um check-up há três meses e não tenho qualquer problema de saúde, o médico disse que meu organismo está como o de um homem de 45 anos. E só de cartório eu vou fazer 55 anos...

CIDADÃO: Nos últimos tempos, o senhor tem escrito muitas crônicas em homenagem a amigos recentemente falecidos. Como é a sua relação com a idéia da morte?
VIDAL: Nós nascemos e morremos, são dois preceitos imutáveis. Quando nasce, a criança chora ao sair do ventre da mãe, porque sai de um lugar seguro, do mundo de Deus, e vem para este mundo do Deus-dará. Enquanto isso, os familiares fazem festa, ficam alegres. Passam-se os atos, e aquele antigo bebê um dia morre. Aí, ele está no seu caixão, em paz, enquanto que as pessoas choram a sua morte. Ora, a morte é tão natural quanto o nascimento. Acredito que se vivermos sob os preceitos de Deus, nós ajudaremos a fazer um mundo melhor para nossos descendentes. E isso certamente nos dará um lugar especial, muito melhor do que este mundo, que traz muito sofrimento. Veja o que acabam de passar os amigos Valdenur e Jarbas, com as mortes dos seus filhos. A gente que sabe o que é isso – e é uma dor que não dá para descrever – nem pode fazer nada nos primeiros momentos, porque a pessoa fica como que anestesiada, é preciso esperar a pessoa voltar à realidade para lhe oferecer algum conforto. São os desígnios de Deus, Sua vontade não pode ser contrariada. Enfim, tenho para mim como um dos lemas de vida a frase dita por Dom Artur, que foi padre aqui e depois bispo de Jales: “Se desejas morrer bem, vive bem”. Essa frase está escrita na fachada do cemitério da Saudade.

CIDADÃO: Falando em frases, o senhor tem outro dístico interessante, que é sobre a pesca, esporte do qual o senhor sempre gostou. Como é a frase?
VIDAL: “Os dias que passamos pescando, Deus desconta do calendário da vida”. A pescaria é tão envolvente, tão relaxante, que você se sente remoçado. Então, Deus “contabiliza” esses dias como dias “vividos”, não “envelhecidos”. Eu sempre pesquei muito com os companheiros Moita, Sérgio Guimarães, Ventura da Lisboa, Virgilio Fernandes, o falecido Carlos de Orleans Guimarães. Com o Carlos, estava combinada uma pescaria no Xingu, no início dos anos 60, mas não deu tempo, o acidente aéreo que o matou aconteceu antes.
CIDADÃO: Quer mandar uma mensagem de aniversário a Fernandópolis?
VIDAL: Desejo que Fernandópolis volte a ser o que era, independente de brigas políticas, e que se encontre o denominador comum para que a cidade volte a crescer e se torne um pólo também de indústrias que gerem muitos empregos.