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“A ação contra o racismo começa com a indignação”



“A ação contra o racismo começa com a indignação”

No dia da Consciência Negra, que se será comemorado neste domingo, 20 de novembro, a entrevista é com Simone Trindade, idealizadora dos projetos “Mulher de Cabelo Crespo” e “Perceba a Vida”. Ela foi convidada para participar da organização do evento FerAfro organizado pelas secretarias da Cultura e Educação do Município para marcar a celebração da data. Será um evento de três dias, segunda, terça e quarta-feira (21, 22 e 23). O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, foi instituído oficialmente em 10 de novembro de 2011, como referência à morte de Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares, importante personagem da resistência à escravidão no Brasil. Simone faz uma abordagem sobre os avanços, ainda pequenos, em relação ao racismo que ainda é resquício do tempo da escravidão. “Isso está no subconsciente das pessoas, mas a ação contra o racismo começa com a indignação”, diz. Ela destaca o empoderamento da mulher negra, da recuperação de sua identidade através do cabelo crespo e lamenta que o homem negro não tenha o mesmo engajamento. Comemora o evento FerAfro como uma “novidade maravilhosa” que terá três dias de programação. Leia a entrevista e veja a programação do evento:

Desde a criação do Dia da Consciência Negra o que mudou?
Acredito que houve avanços, mas ainda vivemos com resquícios do tempo da escravidão no Brasil. Não só como comunidade negra, mas as pessoas no dia a dia ainda percebem a diferenciação na questão das raças. Isso ocorre no tratamento dispensado em uma loja, consultórios médicos, no trabalho. Se você verificar em cursos superiores que exigem poder aquisitivo maior, e isso verificamos aqui mesmo em Fernandópolis, é raro ver um negro. Se tiver, é bolsista ou entrou pelo sistema de cotas, porque foi a única oportunidade que teve de ingressar nesses cursos. Houve avanços, mas ainda é muito pouco. Temos que superar muitos atrasos principalmente no campo da desigualdade social. 

Qual a realidade de Fernandópolis?
Primeiro temos que entender em que região do estado moramos. Moramos em uma região extremamente conservadora e vemos isso no mapa de votos, a forma como as pessoas pensam e isso vai reverberar de várias formas. Aqui em Fernandópolis, enfrento resistência quando vou falar do projeto como o “Mulher de Cabelo Crespo”. As falas são muito parecidas tipo “não existe racismo em Fernandópolis”.  Não existe porque a pessoa as vezes não sofre. O negro só quer ser visto como uma pessoa comum, igual qualquer outra. É nos pequenos detalhes do dia-a-dia que sentimos o olhar de julgamento, a exclusão em forma tímida. É tão natural o que as pessoas fazem com o negro que elas nem percebem, por que está no subconsciente delas. E a ação contra o racismo começa com a indignação.

"O negro só quer ser visto como uma pessoa comum, igual qualquer outra"

Fale sobre o projeto Mulher de Cabelo Crespo?
Esse projeto nasceu em 2019 numa conversa com a fotografa Andreia Eloy, uma mulher branca do olho azul. Ela observava a beleza do cabelo cacheado e ficava brava quando alguém falava que esse tipo de cabelo era ruim. Ela tinha um sonho de fazer uma exposição fotográfica e me convidou para ajudar. Foi o momento de contribuir para que essas mulheres se enxergassem lindas. Tinha imaginado um clipe, mas hora decidimos mudar e realizar um documentário. Demos vozes para essas mulheres falarem sobre o cabelo e de quando se enxergaram bonita, de quando começaram, elas mesmas, a quebrarem o preconceito dentro de si. Fizemos uma exposição fotográfica no Shopping e lançamos no YouTube o documentário, não só o Mulher de Cabelo Crespo, mas o Perceba a Vida.  Vamos estar no FerAfro com a nossa exposição fotográfica e o documentário a disposição da população.

Por conta de preconceito, mulheres buscavam alisar os cabelos cacheados utilizando produtos químicos. Hoje vemos o caminho contrário, que é a transição capilar. Isso mostra que a mulher negra e o homem negro resolveram assumir o cabelo crespo?
O próprio mercado reconheceu esse tipo de cabelo. A marca mais popular de produtos para cabelos cacheados hoje era campeã em alisamentos. Houve investimento nas blogueiras e começou esse empoderamento. Hoje a mulher de cabelo crespo tem muito mais segurança. A transição capilar, no entanto, é muito dolorida. Eu fiz essa transição em 2007, quando ainda não estava na moda. Tenta imaginar uma parte do cabelo crescendo cacheado e a outra parte lisa. Muitas mulheres desistiram no meio do caminho. A mulher hoje sente muito mais liberdade em assumir seu cabelo ao ver mulheres como a atriz Thais Araújo que é uma referência de cabelo afro, além de outras cantoras, atrizes e influenciadoras. O mais legal hoje em Fernandópolis é que tem salão especializado em cabelo afro. Sofri demais há 10 anos, quando não tinha e ninguém sabia cortar e tratar meu cabelo. Hoje já temos pelo menos três salões especializados. Isso é muito bom.

"Hoje a mulher de cabelo crespo tem muito mais segurança, mas transição capilar é muito dolorida"

E o homem negro, como está nesse processo?
O homem negro, infelizmente, não é tão engajado na causa. Mas, eles também sofrem preconceito. Conheci um rapaz em um curso técnico que foi obrigado pela empresa a cortar o cabelo, porque era cacheado. Não dava para ele ser vendedor com esse tipo de cabelo. Então, os homens também sofrem demais porque não podem usar, por exemplo, o cabelo tipo black power. E a beleza do cabelo dele está no black power. Por estarmos numa região conservadora eles não conseguem assumir o cabelo em relação ao mercado de trabalho. É muito raro ver, por exemplo, um advogado com cabelo black. Isso ainda não é aceitável para os moldes da sociedade. Então, quando falamos de engajamento, a mulher está na frente. Acho que falta ao homem uma referência, mas ainda não consigo enxergar porque o homem não se apropria de um espaço que está aberto e esperando por ele.

Como será o evento FerAfro?
Como sou engajada, por que acredito na causa, recebi o convite do Cássio Araújo da Secretaria da Cultura e da Secretaria da Educação para participar. A Iraci Pinoti, vamos dar o crédito, sempre sonhou em fazer um grande salão de exposição de artes para valorizar as obras das crianças do município. A população vai ficar de queixo caído com obras de artes maravilhosas. Temos artistas com muito talento. Então o FerAfro acontecerá em três dias no Centro Pastoral da Aparecida. Na segunda-feira, 21, a partir das 18h30, na terça e na quarta-feira, dias 22 e 23, das 9 às 22 horas (veja a programação abaixo). 

"O primeiro passo para o negro se empoderar em qualquer lugar na vida é primeiro se aceitar"

O que representa o FerAfro para o Dia da Consciência Negra?
É um pontapé inicial maravilhoso ver o engajamento de tantos parceiros para um evento de três dias. Isso é uma grande conquista para uma abordagem tão importante para a população negra e para a população não negra. Será um período de grande interação para um aprendizado coletivo. É uma honra estar nesse evento com o projeto Mulher de Cabelo Crespo que foi feito para servir. E fica a mensagem que o primeiro passo para o negro se empoderar em qualquer lugar na vida é primeiro se aceitar. E isso vale para qualquer pessoa enquanto ser humano.

PROGRAMA DO FERAFRO

21 DE NOVEMBRO - Segunda-Feira
18:30 Abertura Oficial
Participação: OSFER, Navavalha D"Ouro e Mestre Jamaika, Academia New Ritmo, Rap Interior Paulista.
Local: Centro Pastoral da Aparecida

22 DE NOVEMBRO - Terça- Feira
09:00 Manhã de Educação e Cultura
- Participação Fanfarra Melvim Jones
- Cinema para Todos
- Bate papo com a escritora Janeth Vitor e a Psicopedagoga Silvana
- Tema: Escola para todos. O tema abordado será a tratativa da inclusão, diversidade e bulling. A autora aborda temas complexos de forma leve, educativa e interativa trazendo à consciência dos alunos que a escola é um lugar plural e de todos. Faixa Etária: 5 a 6 anos.
13:30 Tarde de Educativa - Palestra e Oficina com o Sebrae - A Instituição estará trabalhando a inteligência emocional trazendo o despertar do jovem negro para o empoderamento no empreendedorismo brasileiro -  Faixa Etária: 14 À 18 anos
18:30 - Noite Cultural
Participação: Etec, Anjos Guerreiros de Fernandópolis com Prof. Alemão, Teatro Puxada e Rede, Denner Rocha, Sonhadores

23 DE NOVEMBRO - QUARTA- FEIRA
09:00 Manhã de Educação e Cultura
- Participação Fanfarra Melvim Jones    
- Cinema para Todos    
- Palestra e Bate Papo com Ludmila Teodoro, Aryelle Andrade e o Psicólogo Washington da Secretaria de Educação do Município - Tema: Meu Cabelo, Minha Identidade. O tema abordado pela cabeleireira especialista em cachos e afro, traz a consciência de que todo o cabelo tem sua beleza e faz parte da sua criação e identidade. Nesse bate-papo a palavra da vez ser empoderamento e aceitação. Faixa Etária: 10 à 12 Anos.

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