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“A inteligência artificial não funciona sem a inteligência humana”



“A inteligência artificial não funciona sem a inteligência humana”

A frase é do delegado José Gonzaga Pereira Silva Marques que assumiu há poucos dias o comando da Delegacia Seccional de Polícia de Fernandópolis, no processo de mudança no primeiro escalão da Polícia Civil da região, promovida pelo governo de Tarcísio de Freitas. Ele veio transferido do DEIC – Departamento Estadual de Investigações Criminais– em Rio Preto. Antes havia passado pela Delegacia Seccional de Jacareí no Vale do Paraíba. Com 47 anos de experiência ele chegou encontrando uma situação que é geral no Estado: falta de pessoal nos quadros da Polícia Civil. Nesta entrevista para o jornal CIDADÃO e Rádio Difusora FM chegou a estimar em 40% o déficit de policiais. Embora reconheça que a tecnologia chegou para ajudar no trabalho da Polícia Civil ele disse que nada substitui o ser humano. Mas, transmitiu esperança diante do compromisso do novo governo em recompor os quadros da Polícia Civil. Leia a entrevista:

Como recebeu a nomeação para comandar a Delegacia Seccional de Polícia de Fernandópolis?
Eu trago na minha bagagem 47 anos de experiência em atividade estritamente policial. São incontáveis as unidades policiais por onde passei. Um pouco antes de assumir a delegacia especializada de São José do Rio Preto fui delegado seccional em Jacareí no Vale do Paraíba. Fazendo uma comparação, apenas pontual, diria que os índices criminais de Fernandópolis perto de Jacareí são extremamente baixos. Lá nós tínhamos índices de letalidade elevadíssimos, por razões que desafiavam a estrutura das polícias civil e militar, não só no sentido de coibir, mas também enfrentar. Então chego a Fernandópolis e encontro uma região com os índices de maior interesse para o Estado, que são os considerados índices estratégicos (roubos, furtos e homicídios) crimes que causam uma instabilidade social muito grande, em níveis absolutamente controlados, o que significa dizer que os mecanismos de controle têm realizado um enfrentamento adequado e eficiente. Claro que, vindo de outras localidades a gente traz uma visão, as vezes, um pouco mais acurada daquele recinto mais doméstico onde as polícias estão convivendo. Nosso interesse aqui é justamente agregar experiência, movimentar a máquina policial até porque Fernandópolis é uma região estratégica para o estado e é necessário que os índices permaneçam baixos e até diminuam e é nesse sentido que vamos empregar as nossas forças.

A região de Fernandópolis fica no entroncamento de rodovias com acessos para o Mato Grosso do Sul e Minas Gerais e já seu convencionou dizer que estamos na chamada rota caipira do tráfico. O tráfico é um desafio para a Polícia?
É um ponto crucial para a polícia. O tráfico é o fator criminogênio, ou seja, fator de desencadeamento de muitos outros crimes. Grande parte dos crimes patrimoniais provem do tráfico que causa a dependência, que leva a miséria humana e ao crime. É também fator determinante de homicídios. Então temos em outras localidades, o tráfico como pano de fundo de homicídios, seja pela busca de espaço no comércio clandestino de drogas ou por dívidas pendentes que levam as execuções. A preocupação da polícia é de atuação sem tréguas no combate a esse crime. Agora essa questão da rota caipira é um termo interessante que se cunhou, até pelas investigações que são realizadas demonstram que essas vias são utilizadas para o transporte de grandes quantidades de drogas para os grandes centros. Não é para abastecer o mercado de Fernandópolis, mas grandes cidades como Rio Preto e São Paulo. Não é possível fazer nada sozinho, por isso contamos com o pessoal da Polícia Rodoviária Estadual, Polícia Federal e Polícia Militar para juntar informações de inteligência para obstaculizar a passagem por esse corredor rodoviário.

"Chego a Fernandópolis e encontro uma região com índices criminais estratégicos para o Estado sob controle"

E como superar a questão da carência de pessoal na Polícia Civil?
Esse é um problema crônico e abrange o estado como um todo. Nas unidades por onde passei encontrei grandes dificuldades para fazer com que a polícia funcionasse com tão exíguo quadro. Sem contar que existem na administração de pessoal, razões de sobra para acreditar que essa sobrecarga de trabalho que decorre da carência de pessoal que infelicita a todos, acarreta um sacrifício muito maior para aqueles que estão atuando. Na primeira reunião com meus colegas delegados de polícia enfatizei que estamos com um cobertor muito curto e que não há outra maneira senão nos desdobrarmos. No entanto, para nossa satisfação e surpresa, a administração do Estado com o novo governo vem demonstrando sensibilidade para a situação. O nosso atual secretário de Segurança (Guilherme Derrite) já anunciou que vai recompor o quadro da Polícia Civil. Sabemos que isso não se faz da noite para o dia. A formação de um policial leva no mínimo um ano e mais um tanto de tempo para se qualificar para o exercício da profissão que são atividades complexas que exigem grande esforço das nossas estruturas de ensino e de formação. 

"A preocupação da polícia é de atuação sem tréguas no combate ao tráfico, responsável direto pela miséria humana"

É possível se falar em metas de trabalho no comando da Polícia Civil?
Sem dúvida, ao longo dos últimos anos acabamos nos acostumando a trabalhar com número reduzido de policiais. Hoje eu acredito em um déficit de 40% de servidores nos quadros da polícia civil, sem contar também a questão do envelhecimento das pessoas. Isso faz com que o trabalho fique um pouco prejudicado e tentamos, usando dos novos mecanismos tecnológicos, suprir essas falhas. O nosso objetivo, de verdade mesmo, é fazer com que o pouco que temos se desdobre para cumprir o objetivo final. Isso acaba acelerando o processo de desgaste do pessoal. Temos total consciência disso. A solução é nos juntarmos a outras forças policiais (Polícia Militar e Polícia Rodoviária) para formar uma força tarefa de enfrentamento da criminalidade. Esta esperança que nos trouxe o governo Tarcísio com o anuncio que dará prioridade não só a contratação, mas a questão humanitária dos nossos policiais que estão desgastados. Temos casos dramáticos de pessoas que tentam ou cometem o suicídio, com causa na estafa profissional e com a dificuldade de sobreviver com os parcos salários que são muito baixos se considerados outros do mesmo nível e complexidade. Para nós é uma grande esperança saber que o governo tem essa sensibilidade. Falo isso também me dirigindo aos policiais, buscando transmitir ânimo e alento a eles. A Polícia Civil de Fernandópolis tem hoje uma estrutura material e física maravilhosa. Até comentei com colegas que não tinha visto nada assim por onde passei. Mas, essa estrutura física está atropelada pelo recurso humano. Espero voltar para dizer que essa condição de falta de pessoal foi superada e que evoluímos no nosso papel de pacificação social. 

"Fernandópolis tem uma estrutura física maravilhosa. Mas, essa estrutura está atropelada pelo recurso humano"

O senhor falou da tecnologia como recurso adicional no serviço policial. Como a Polícia Civil tem usado esses recursos?
A Polícia Civil trabalha com informações. Esse é o produto de maior interesse numa investigação. Temos que saber onde tem uma boca de fumo, uma pessoa sendo vítima de maus tratos, uma criança sendo explorada, onde há tráfico, enfim onde há algum tipo de violência sendo praticada. Neste sentido, toda e qualquer forma de informação favorece o trabalho policial. O disk denúncia, com preservação do denunciante, é uma fonte espetacular de informação para a polícia. Em meio a tantas informações, se uma levar a elucidação de um crime já justificou sua existência, ainda que muitas pessoas façam uso desse mecanismo para brincar. A ajuda da população é fundamental para o trabalho policial. A pandemia trouxe novas ferramentas e todas elas são uteis para o trabalho policial. Hoje a polícia dispõe de inúmeros recursos tecnológicos que alimentam o serviço de inteligência que traz o intercâmbio dessas informações com todos os órgãos de estado de modo que temos um arcabouço para trabalhar e o meio eletrônico veio para auxiliar nesse trabalho. Mas, a inteligência artificial não funciona sem a inteligência humana.

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